O «acaso» nosso de cada dia: o largo braço da fortuna (Parte 3)

12/01/2018

 

“Tendemos a subestimar el papel de la buena suerte en el éxito pero aceptamos el de la mala suerte en el fracaso.” Robert H. Frank

O que fazer quando o azar nos castiga ou quando a fortuna não nos sorri com a frequência desejada? Atuar ou permanecer à margem? Agir ou apenas observar e sofrer com passividade os avatares dessas situações incontroláveis? Aceitar com tranquila resignação o que a fortuna interponha em nosso caminho ou perseguir tenazmente os objetivos que nos marcamos?

Richard Wiseman, catedrático na Hertfordshire University (UK), depois de dedicar-se a estudar durante anos a sujeitos que se consideravam afortunados chegou à conclusão de que, sim, há pessoas as que soem ocorrer-lhes coisas boas com maior frequência, mas que isto não é consequência do puro azar, senão de que basicamente há quatro razões para explicar por que as coisas boas sempre passam às mesmas pessoas (The Luck Factor, 2003):

  1. Primeira razão: as pessoas com mais sorte são as que fazem caso a sua intuição e não se arrependem da decisão tomada, ainda que acarrete consequências negativas, pois de tudo se aprende e, inclusive, das consequências negativas podem sacar algum benefício inesperado.
  2. Segunda razão: os afortunados perseveram; como seu otimismo leva a crer que no futuro lhes irá bem, insistem; os fracassos não intimidam as pessoas afortunadas e continuam adiante pensando que já passarão coisas boas que compensem às más (diferentemente dos que abandonam depois de um fracasso e, por consequência, as coisas nunca chegam a reverter).
  3. Terceira razão: qualquer câmbio imprevisto não se interpreta, por parte dos afortunados, como algo negativo, senão como uma possibilidade de abrir caminho até novas experiências; também são capazes de ter em conta que as coisas poderiam ser piores e que há que aproveitar essa vantagem.
  4. Quarta razão: os afortunados se relacionam com muitas pessoas diferentes e por isso têm maior probabilidade de conectar com outros afortunados ou com pessoas que lhes ofereçam novas oportunidades para incrementar seus momentos de boa fortuna.

Segundo Wiseman, o verdadeiro azar — esse que escapa completamente ao nosso comportamento e a nossa vontade — rege somente uma décima parte de nossas existências. As outras nove estão, de algum modo, em nossas mãos. O único problema é que essa décima parte pode ser decisiva. E posto que a vida se decide entre silêncios, nossas eleições, decisões e atitudes (otimistas ou pessimistas) raras vezes são tão claras. Um dia nos sentimos otimistas e dispostos a correr riscos, a perseverar e a não criar conflitos inexistentes; ao dia seguinte construímos dificuldades ou problemas existenciais, nos sentimos mais pessimistas, evitamos os riscos e reagimos como servos de desígnios malignos, mesmo que nossas circunstâncias objetivas não tenham cambiado ou que nada negativo haja ocorrido.

O perigo real é o de permanecer, por fobia ao futuro, desestimulado durante muito tempo e, sentindo-se insultado pela fortuna, deixar que nossa condição ou disposição decaia cada vez mais, nossos objetivos se dispersem e nossa capacidade de desembaraçar-nos da desesperança e dos sentimentos destrutivos simplesmente fique em suspenso ou desapareça. Quero dizer, independentemente de nossas eleições, decisões e atitudes, o certo é que nos vemos obrigados a construir nosso futuro por nossa conta e que não podemos esperar passivamente a que nossos neurotransmissores, indiferentes às contingências da vida, se ponham em marcha.

Não nego que é fácil dizer (e muito mais difícil fazê-lo), mas, dado que só podemos ter uma ideia vaga sobre as probabilidades do ritmo instável e aleatório de nosso incerto devir e que está em nossas mãos não somente o controle de nosso próprio estado de ânimo, senão também a capacidade de dirigir nossa atenção e conduta àquelas tarefas que podem ajudar-nos a alcançar nossos propósitos, o melhor a fazer é centrar-nos no processo de lograr nossos objetivos, em lugar de antecipar ou tentar predizer o produto final de nosso empenho. Em último termo, isso é quiçá o único que nos está permitido controlar.

O essencial da sorte é sua não disponibilidade; apenas está disponível a atitude que uma pessoa pode adotar a respeito: pode abrir-se ou fechar-se ante as casualidades de um desafio, uma experiência, um objetivo, um propósito... Assim que só nos resta aceitar o acaso, amar ao que nos depare o destino (o «amor fati» descrito por Nietzsche), trabalhar estoicamente por nossos propósitos[1], desfrutar da sensata falta de impaciência, saber esperar até que chegue o momento oportuno, saber aceitar em caso de que não ocorra nada e superar no caso de que resulte ser diferente do que se esperava. E o mais importante, «acreditar que, de algum modo, tudo acabará encaixando em algum momento em nosso caminho, em nosso futuro» (S. Jobs). Somente atuando assim «tendremos la confianza para seguir a nuestro corazón, aunque nos conduzca por fuera de los senderos más transitados». (L. Mlodinow, 2010)

 

[1] Recordemos a ataraxia  (Ἀταραξία "tranquilidade"), quer dizer,  o estado mental caracterizado pela “ausência de turbação”, acompanhada de lucidez, serenidade e imperturbabilidade em relação com a razão e os sentimentos. Uma espécie de desapego ou fortaleza da alma frente à adversidade que, aplicado a resultados, significa não fazer depender nossa autoconfiança (nem a luta por nossos propósitos) de logros ou sofrimentos necessários sobre os quais não temos total controle. Distinta do “desapego budista” e do “quietismo cristão”, não implica, evidentemente, (i) não dar valor (ou transferir para alguma divindade) aquilo que conquistamos ou pelo que lutamos; (ii) não trabalhar tenazmente por nossos objetivos; e/ou (iii) a rendição/renúncia voluntária a momentos que nunca se repetirão, senão precatar-nos de que toda conquista, obtenção e realização de algo dependem não somente de nossos esforços, senão também de variáveis que escapam completamente ao nosso domínio. (M. Nussbaum, 2009; J. Warren, 2002)

 

Imagem Ilustrativa do Post: Folhas de trevo da sorte BH MG Wl1125 // Foto de: Wilson leonel // Sem alterações

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