Novos enunciados fomentam a resolução extrajudicial de conflitos em saúde – Por Clenio Jair Schulze

17/10/2016

Há milhares de processos judiciais em tramitação que tratam do direito à saúde.

Já utilizei este espaço para destacar a importância da mediação e da conciliação como mecanismos para resolução de conflitos sobre saúde, destacando os enunciados aprovados nas I e II Jornadas de Direito à Saúde do Conselho Nacional de Justiça – CNJ[1].

Em 2016, o Conselho da Justiça Federal – CJF promoveu a I Jornada de Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígios que culminou com a aprovação de 85 enunciados cujo conteúdo é “aprimorar aspectos normativo-jurídicos e estimular políticas públicas e privadas para a mediação, a conciliação e a arbitragem”[2].

Na área da saúde é possível construir novas políticas. No âmbito dos planos de saúde é recomendável a criação de Câmaras de Mediação ou de Conciliação, Ouvidorias e Ombudsman voltados à resolução das queixas e inconformismos dos usuários consumidores. Os seguintes enunciados fomentam isso: 

44 Havendo processo judicial em curso, a escolha de mediador ou câmara privada ou pública de conciliação e mediação deve observar o peticionamento individual ou conjunto das partes, em qualquer tempo ou grau de jurisdição, respeitado o contraditório.

56 As ouvidorias servem como um importante instrumento de solução extrajudicial de conflitos, devendo ser estimulada a sua implantação, tanto no âmbito das empresas, como da Administração Pública.

57 As comunidades têm autonomia para escolher o modelo próprio de mediação comunitária, não devendo se submeter a padronizações ou modelos únicos.

73 A educação para a cidadania constitui forma adequada de solução e prevenção de conflitos, na via extrajudicial, e deve ser adotada e incentivada como política pública privilegiada de tratamento adequado do conflito pelo sistema de justiça.

75 As empresas e organizações devem ser incentivadas a implementar, em suas estruturas organizacionais, um plano estratégico consolidado para prevenção, gerenciamento e resolução de disputas, com o uso de métodos adequados de solução de controvérsias. Tal plano deverá prever métricas de sucesso e diagnóstico periódico, com vistas ao constante aprimoramento. O Poder Judiciário, as faculdades de direito e as instituições observadoras ou reguladoras das atividades empresariais devem promover, medir e premiar anualmente tais iniciativas.

76 As decisões proferidas por um Comitê de Resolução de Disputas (Dispute Board), quando os contratantes tiverem acordado pela sua adoção obrigatória, vinculam as partes ao seu cumprimento até que o Poder Judiciário ou o juízo arbitral competente emitam nova decisão ou a confirmem, caso venham a ser provocados pela parte inconformada.

81 A conciliação, a arbitragem e a mediação, previstas em lei, não excluem outras formas de resolução de conflitos que decorram da autonomia privada, desde que o objeto seja lícito e as partes sejam capazes.

82 O Poder Público, o Poder Judiciário, as agências reguladoras e a sociedade civil deverão estimular, mediante a adoção de medidas concretas, o uso de plataformas tecnológicas para a solução de conflitos de massa.

83 O terceiro imparcial, escolhido pelas partes para funcionar na resolução extrajudicial de conflitos, não precisa estar inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil e nem integrar qualquer tipo de conselho, entidade de classe ou associação, ou nele inscrever-se.

85 O Poder Público – inclusive o Poder Judiciário – e a sociedade civil deverão estimular a criação, no âmbito das entidades de classe, de conselhos de autorregulamentação, voltados para a solução de conflitos setoriais.

No curso do processo judicial que envolve a discussão sobre o direito à saúde também é possível a adoção de medidas autocompositivas ou heterocompositivas de resolução de conflitos, conforme sugerem os seguintes enunciados:

16 O magistrado pode, a qualquer momento do processo judicial, convidar as partes para tentativa de composição da lide pela mediação extrajudicial, quando entender que o conflito será adequadamente solucionado por essa forma.

21 É facultado ao magistrado, em colaboração com as partes, suspender o processo judicial enquanto é realizada a mediação, conforme o art. 313, II, do Código de Processo Civil, salvo se houver previsão contratual de cláusula de mediação com termo ou condição, situação em que o processo deverá permanecer suspenso pelo prazo previamente acordado ou até o implemento da condição, nos termos do art. 23 da Lei n.13.140/2015. 

Também foram aprovados enunciados específicos para os entes públicos (aplicáveis na judicialização da saúde pública):

25 A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios têm o dever de criar Câmaras de Prevenção e Resolução Administrativa de Conflitos com atribuição específica para autocomposição do litígio.

48 É recomendável que, na judicialização da saúde, previamente à propositura de ação versando sobre a concretização do direito à saúde - fornecimento de medicamentos e/ou internações hospitalares -, promova-se uma etapa de composição extrajudicial mediante interlocução com os órgãos estatais de saúde.

50 O Poder Público, os fornecedores e a sociedade deverão estimular a utilização de mecanismos como a plataforma CONSUMIDOR.GOV.BR, política pública criada pela Secretaria Nacional do Consumidor - Senacon e pelos Procons, com vistas a possibilitar o acesso, bem como a solução dos conflitos de consumo de forma extrajudicial, de maneira rápida e eficiente.

54 A Administração Pública deverá oportunizar a transação por adesão nas hipóteses em que houver precedente judicial de observância obrigatória.

60 As vias adequadas de solução de conflitos previstas em lei, como a conciliação, a arbitragem e a mediação, são plenamente aplicáveis à Administração Pública e não se incompatibilizam com a indisponibilidade do interesse público, diante do Novo Código de Processo Civil e das autorizações legislativas pertinentes aos entes públicos.

62 Os representantes judiciais da União, autarquias, fundações e empresas públicas federais têm autorização legal, decorrente da Lei n. 10.259, de 12 de julho de 2001 para, diretamente, conciliar, transigir ou desistir de recursos em quaisquer processos, judiciais ou extrajudiciais, cujo valor da causa esteja dentro da alçada equivalente à dos juizados especiais federais.

65 O emprego dos meios consensuais de solução de conflito deve ser estimulado nacionalmente como política pública, podendo ser utilizados nos Centros de Referência da Assistência Social (CRAS), cujos profissionais, predominantemente psicólogos e assistentes sociais, lotados em áreas de vulnerabilidade social, estão voltados à atenção básica e preventiva.

68 O atendimento interdisciplinar realizado por psicólogos e assistentes sociais, no âmbito da Defensoria Pública e do Ministério Público, promove a solução extrajudicial dos litígios, constituindo-se forma de composição e administração de conflitos complementar à mediação, conciliação e arbitragem.

71 Tendo havido prévio e comprovado requerimento administrativo, incumbe à Administração Pública o dever de comprovar em juízo que adotou as providências legais e regulamentares para a aferição do direito da parte.

74 Havendo autorização legal para a utilização de métodos adequados de solução de controvérsias envolvendo órgãos, entidades ou pessoas jurídicas da Administração Pública, o agente público deverá: (i) analisar a admissibilidade de eventual pedido de resolução consensual do conflito; e (ii) justificar por escrito, com base em critérios objetivos, a decisão de rejeitar a proposta de acordo.

84 O Poder Público – inclusive o Poder Judiciário – e a sociedade civil deverão estimular a criação, no âmbito das procuradorias municipais e estaduais, de centros de solução de conflitos, voltados à solução de litígios entre a Administração Pública e os cidadãos, como, por exemplo, a Central de Negociação da Procuradoria-Geral da União.

87 O Poder Público e a sociedade civil estimularão a expansão e fortalecimento de ouvidorias dos órgãos do sistema de justiça, optando por um modelo inovador e ativo, com a figura essencial de ouvidor/ouvidora independente das corporações a que estão vinculados (as). 

Como se observa, não há mais justificativa para postergar a resolução de conflitos de interesse ou deixá-los exclusivamente para decisão do Judiciário.

A sociedade deve fomentar a construção de um modelo de vida mais amigável e menos litigioso. É o que se espera!


Notas e Referências:

[1] http://emporiododireito.com.br/enunciados-do-cnj-sobre-saude-publica-por-clenio-jair-schulze/ e http://emporiododireito.com.br/enunciados-do-cnj-sobre-saude-publica-parte-2-por-clenio-jair-schulze/ e http://emporiododireito.com.br/enunciados-do-cnj-sobre-saude-publica-parte-iii-por-clenio-jair-schulze/ e http://emporiododireito.com.br/enunciados-do-cnj-sobre-saude-publica-parte-iv/ e http://emporiododireito.com.br/enunciados-do-cnj-sobre-saude-publica-parte-v/ e http://emporiododireito.com.br/enunciados-do-cnj-sobre-saude-suplementar/ e http://emporiododireito.com.br/enunciados-do-cnj-sobre-saude-suplementar-parte-ii/ e http://emporiododireito.com.br/conflitos-sobre-direito-a-saude/

[2] http://www.cjf.jus.br/cjf/noticias/2016-1/agosto/i-jornada-prevencao-e-solucao-extrajudicial-de-litigios-aprova-85-enunciados


 

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