Novo CPC e reflexos no processo do trabalho: algumas linhas sobre a questão do ônus da prova

28/12/2015

Por Guilherme Wunsch - 28/12/2015

O ônus da prova é um encargo atribuído a um sujeito para demonstrar determinadas alegações de fato, sob pena de arcar com as consequências da não demonstração do alegado. Como alerta Didier, o ônus é o encargo que pode colocar o sujeito em sua situação de desvantagem. Normalmente, o sujeito a quem se impõe o ônus tem interesse em observá-lo, justamente para evitar a desvantagem que pode vir de sua inobservância.[1]

No Direito Processual do Trabalho, vige, segundo o artigo 818 da CLT, uma regra simplória acerca da distribuição estática do ônus da prova, limitando-se o diploma trabalhista a afirmar que a prova das alegações incumbe à parte que as fizer. Inobstante tal previsão normativa, não se pode olvidar que a doutrina processualista e o próprio Tribunal Superior do Trabalho consagraram situações em que, dada a hipossuficiência do trabalhador, deve ocorrer a chamada inversão do ônus da prova.

São alguns exemplos, apenas com o intuito ilustrativo:

  1. a) Súmula 6, VIII, TST: É do empregador o ônus da prova do fato impeditivo, modificativo ou extintivo da equiparação salarial;
  2. b) Súmula 16, TST: Presume-se recebida a notificação 48 (quarenta e oito) horas depois de sua postagem. O seu não-recebimento ou a entrega após o decurso desse prazo constitui ônus de prova do destinatário;
  3. c) Súmula 212, TST: O ônus de provar o término do contrato de trabalho, quando negados a prestação de serviço e o despedimento, é do empregador, pois o princípio da continuidade da relação de emprego constitui presunção favorável ao empregado.
  4. d) Súmula 338, TST: I - É ônus do empregador que conta com mais de 10 (dez) empregados o registro da jornada de trabalho na forma do art. 74, § 2º, da CLT. A não apresentação injustificada dos controles de frequência gera presunção relativa de veracidade da jornada de trabalho, a qual pode ser elidida por prova em contrário. II - A presunção de veracidade da jornada de trabalho, ainda que prevista em instrumento normativo, pode ser elidida por prova em contrário. III - Os cartões de ponto que demonstram horários de entrada e saída uniformes são inválidos como meio de prova, invertendo-se o ônus da prova, relativo às horas extras, que passa a ser do empregador, prevalecendo a jornada da inicial se dele não se desincumbir;
  5. e) Súmula 443, TST: Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego.

Em vista da simplicidade estipulada na legislação trabalhista, o Processo do Trabalho sempre se socorreu, por força do artigo 769 da CLT, da aplicação da norma processual comum e das regras de distribuição do ônus da prova previstas no Código de Defesa do Consumidor, mormente no que atine à proteção ao hipossuficiente, ao indicar, expressamente, como direito básico do consumidor a “facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências” (artigo 6º, inciso VIII).

No novo CPC, a ideia de distribuição dinâmica do ônus da prova vem disposta no artigo 373, §1º, quando dispõe que, nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput do artigo ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído. Ao que parece, o novo CPC permite expressamente a distribuição dinâmica do ônus da prova pelo juiz e ainda abre a possibilidade de a legislação esparsa prever outras hipóteses de aplicação dessa teoria, ressaltando a necessidade de fundamentação específica da decisão judicial que tratar do tema, de sorte que o momento adequado para a redistribuição do ônus da prova é o saneamento do processo, que, lembre-se, não se consubstancia no Processo do Trabalho da mesma forma que no Processo Civil.

Mesmo antes do novo CPC, o Processo do Trabalho já admitia a distribuição diversa do ônus da prova, portanto, aplicando-se as regras do CDC, considerando que a hipossuficiência do empregado o impede de comprovar determinadas alegações, ou quando o encargo probatório seja excessivamente oneroso a ele. Todavia, atentando-se à nova legislação processual, percebe-se que há total compatibilidade entre o artigo 373, §1º e o Processo do Trabalho, especialmente quando se considera que dois dos princípios que norteiam a produção probatória trabalhista são justamente o da igualdade e adequação, conforme se constata nas Súmulas do TST anteriormente arroladas.

Consagra-se, enfim, no novo CPC aquilo que já se percebia há tempos na Justiça do Trabalho, especialmente considerando a omissão celetista sobre o tema e a sua compatibilidade com o novo CPC, como medida de efetivo alcance da igualdade nas relações processuais trabalhistas, ao regulamentar-se, com exatidão, a distribuição diversa do ônus da prova.

FELIZ ANO NOVO!

Esse é nosso último texto de 2015! Quero agradecer a todos os membros da família Empório do Direito e a cada um dos leitores que fizeram com o que o debate circulasse sempre! Que o novo ano que chegará, nos traga mais um intenso período de reflexões e aprendizado, mas, sobretudo, que nos permita, cada vez mais, vivermos em harmonia e com felicidade! Feliz Ano Novo para todos!


Notas e Referências:

[1] JUNIOR, Fredie Didier. BRAGA, Paula Sarna. OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito processual civil: teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela. 10.ed. Salvador: JusPodivm, 2015. p.106.


Guilherme WunschGuilherme Wunsch é formado pelo Centro Universitário Metodista IPA, de Porto Alegre, Mestre em Direito pela Unisinos e Doutorando em Direito pela Unisinos. Durante 5 anos (2010-2015) fui assessor jurídico da Procuradoria-Geral do Município de Canoas. Atualmente, sou advogado do Programa de Práticas Sociojurídicas – PRASJUR, da Unisinos, em São Leopoldo/RS; professor da UNISINOS; professor da UNIRITTER e professor convidado dos cursos de especialização da FADERGS, FACOS, FACENSA E IDC.


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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