NOVA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA, PREMISSAS DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO E DE LEGITIMAÇÃO CONSTITUCIONAL-PROCESSUAL. Breves considerações  

20/03/2022

Coluna Advocacia Pública e outros temas Jurídicos em Debate / Coordenadores José Henrique Mouta e Weber Oliveira

A Lei n. 14.230, de 25 de outubro de 2021, ao alterar a Lei de Improbidade Administrativa (LIA) afastou a legitimidade da “pessoa jurídica interessada” para a propositura da Ação de Improbidade Administrativa.

Pela novel legislação foi dado ao Ministério Público a exclusividade da legitimidade processual. Falta, portanto, aos entes federativos legitimidade para postular em juízo (CPC, art. 17) atos de improbidade administrativa.

Não nos parece constitucional tal retirada desta condição da ação para as pessoas jurídicas de direito público.

Em um primeiro ponto, é sabido que em tema de responsabilidade civil – que é o objetivo da LIA, qual seja, responsabilizar para impor sanção (consequente) em face de ato ímprobo (antecedente) -, vige o postulado do neminem laedere (a ninguém se pode lesar) e que, se assim for, nasce a pretensão reparatória/ressarcitória/sancionatória. Nesse contexto primacial, o que as novas disposições da LIA realizam é afastar a autodefesa estatal para manejo da tutela específica.

Em outras palavras, se afastou a legitimidade ordinária para impor apenas a legitimidade extraordinária (CPC, art. 18). Ora, o direito é próprio das pessoas lesadas!

Dispõe o § 14 do art. 17: “Sem prejuízo da citação dos réus, a pessoa jurídica interessada será intimada para, caso queira, intervir no processo”.

As indagações são pertinentes:

O ente público que sofreu a lesão pelo ato ímprobo é apenas um terceiro interessado?

Ou é a própria parte lesada?

Note-se que pelo ordenamento jurídico brasileiro é impeditivo – salvo raras exceções – a “justiça de mão-própria” ou “justiça pelas próprias mãos”, de modo que se tem por obrigatório que a pessoa lesada busque solução da controvérsia por meio dos instrumentos legalmente estabelecidos, seja extrajudicialmente ou por tutela jurisdicional, com o que se concretiza, nesta última hipótese, o princípio da inafastabilidade da jurisdição.

Este um segundo ponto, o de que Lei 14.230/2021 é ofensivo ao art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, ao excluir da apreciação do Poder Judiciário a pretensão da União, Estados e Municípios de verem seus agentes ímprobos serem responsabilizados e sancionados por se enriquecerem ilicitamente (LIA, art. 9º), por causarem prejuízo ao erário (LIA, art. 10) e/ou por atentarem contra os princípios da Administração Pública (LIA, art. 11).

O procedimento da LIA alterado (art. 14, § 3º) preceitua que se atendidos os requisitos da representação realizada por qualquer pessoa a “autoridade determinará a imediata apuração dos fatos, observada a legislação que regula o processo administrativo disciplinar aplicável ao agente”, com a determinação de ciência ao Ministério Público e ao Tribunas de Contas para apuração de ato de improbidade.

Vale dizer, limitou a lei, em ofensa às competências federativas (CF, arts. 23, I, 37, § 4º) a atuação da Administração Pública somente à seara administrativa, fazendo do processo administrativo ato probatório de eventual ação de improbidade que não poderá ser utilizado pela própria pessoa jurídica que instaurou e instruiu tal processo.

É a “pessoa jurídica interessada”, nesta matéria político-civil-administrativa mero Cartório de instrução de atos preparatórios do Ministério Público para ajuizamento de Ações de Improbidade Administrativa? Este um terceiro ponto que merece reflexão...

Em um quarto ponto se verifica evidente contradição ou atecnia jurídica a retirada de legitimidade processual dos entes públicos e, ao mesmo tempo, a determinação de se proceder ao “cumprimento da sentença referente ao ressarcimento do patrimônio público ou à perda ou à reversão dos bens” (LIA, art. 18, § 1º). O cumprimento de sentença, num sincretismo processual, é a continuidade do processo de conhecimento, de modo que detém legitimidade para impor a execução do título executivo judicial aquele que foi parte na sua formação, qual seja, o exequente.

Se União, Estados e Municípios não foram partes da relação processual como poderão ser exequentes ou partes no título executivo judicial? A falta de legitimidade para o processo de conhecimento não retira a legitimidade para o procedimento executivo?

Trata-se de uma “legitimação extraordinária” decorrente de uma “legitimação ordinária”?

É adequada, nada obstante, a assunção pelo Ministério Público para liquidar e dar cumprimento, conforme o § 2º do art. 18. Mas, perceba-se, aqui se tem uma legitimidade realmente extraordinária, em que a lei autoriza se pleitear direito alheio em nome próprio. Adequada, igualmente, a busca de responsabilização se verificada a omissão do ente público em dar cumprimento ao título executivo judicial que declarou os atos de improbidade administrativa.

Em um quinto ponto, as competências constitucionais do Ministério Público, denominadas no art. 129 da Constituição Federal como “funções institucionais”, demonstram que a promoção privativa de ações se refere tão-somente a ação penal pública.

Daí que, a nova LIA alarga a atuação privativa também para uma ação civil (apesar de também a nova lei dar uma interpretação textual forçada de que a ação de improbidade administrativa não é civil, mas apenas repressiva – art. 17-D, caput). Se nem mesmo, pelo texto constitucional (art. 129, § 1º) se pode afastar a legitimidade de terceiros, com muito mais razão constitucional se pode afastar a legitimidade da pessoa jurídica de direito público diretamente lesionada por atos de improbidade administrativa.

Por fim, em um sexto ponto, não é demais relembrar, em uma Coluna dedicada à Advocacia Pública – que detém a competência constitucional de representação judicial da União, Estados e Municípios -, que, nos termos do art. 129, IX, parte final, da Constituição Federal, ao Ministério Público é “vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas”, que é justamente o que ocorre quando se dá, privativamente, a legitimidade processual ao Ministério Público de se buscar responsabilizar e aplicar sanções às pessoas e agentes que causaram lesão às referidas entidade públicas pela realização de atos de improbidade administrativa.

 

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