Nota sobre a importância da motivação dos atos administrativos

23/07/2015

Por Phillip Gil França - 23/07/2015

Sob a ótica da atuação administrativa estatal, motivar é explicar as razões fáticas e jurídicas da Administração para prática de ato administrativo de forma suficiente para se conferir legitimidade substancialmente legal de tal atividade pública.

Ao passo que fundamentar é determinar as razões viabilizadoras da Administração para realização do ato, via conexão entre o ato e o correspondente ditame legal e fático, por meio do exercício de subsunção entre o apanhado fático e o sistema legal pertinente.

Isto é, enquanto a primeira trata-se do 'por quê' a Administração atua de determinada forma, a segunda indica 'como' a Administração atua para alcançar o seu desiderato fundamental.

Pode-se dizer, então, que a fundamentação do ato administrativo decorre do decorrente dever de motivação de sua produção. Uma adequada motivação, destarte, pressupõe uma robusta e suficiente exposição – e coerente conexão – de razões fáticas e jurídicas para realização de um ato administrativo, bem como a demonstração de como tal atuação se conecta com a imprescindível legitimidade constitucional do ato.

Nesse diapasão, é importante ressaltar a necessidade de congruência entre os motivos e a conclusão do ato para a formação da sublinhada adequada motivação do ato administrativo. Nas lições de Marcello Caetano[1], "os motivos devem aparecer como premissas donde se extraia logicamente a conclusão, que á a decisão". Isto é, "se há contradição entre a fundamentação e a decisão, essa incongruência não pode deixar de influir na validade do ato."

A "fundamentação pode ser entendida como uma exposição enunciadora das razões ou motivos da decisão, ou então como a recondução do decidido a um parâmetro valorativo que o justifique: no primeiro sentido, privilegia-se o aspecto formal da operação, associando-a à transparência da perspectiva decisória; no segundo, dá-se relevo à idoneidade substancial do ato praticado, integrando-o num sistema de referência em que encontre bases de legitimidade"[2].

Destarte, a fundamentação consiste em deduzir expressamente a resolução tomada das premissas em que se assenta, bem como em exprimir os razões por que se resolve de certa maneira, e não de outra. A fundamentação demonstra como os fatos propostos pela Administração justificam a aplicação de certa norma e a dedução de determinada conclusão, esclarecendo o objeto do ato. Entretanto, na ocorrência de poder exercido mediante a atividade administrativa discricionária, a importância da fundamentação e da motivação do ato administrativo aumenta, pois vem a revelar as causas que levaram a Administração a escolher uma solução e não outra inicialmente admissível.[3]

Manoel de Oliveira Franco Sobrinho assenta que "nas relações jurídicas [administrativas] a motivação traz consequências quanto ao mérito do ato, implicações quanto à certeza e à legalidade do ato, explicitando a eficácia e os efeitos, a exação com respeito à natureza da atuação administrativa"[4]. Nas palavras do autor, "a motivação, assim, pertence à instrumentação do ato administrativo, depreende-se do processo criador normativo, porque o ato para realizar a função pública deve ser coerente na formação com as manifestações exteriores provocadas"[5].

Mediante as lições de Oliveira Franco Sobrinho, compreende-se que "por meio da motivação a decisão traz repercussões jurídicas e opera no mundo do Direito de maneira a criar ou atingir situações, sempre porém submetida à aplicação do princípio da legalidade"[6].

Nessa ordem, depreende-se que "o essencial é que a motivação para produzir convencimento encontre-se bem determinada ao falar do querer administrativo, ao expressar a pretensão da Administração ou a dar comando responsável aos negócios estatais"[7]. E assim conclui o autor, afirmando que "a questão na motivação não é de simples explicação, ou mesmo justificação, mas de fundamentação do ato publicado, qualificada quando possível por meio de considerandos para segura interpretação das disposições administrativas".

Juarez Freitas lembra que "toda discricionariedade resta vinculada aos motivos que obrigatoriamente devem ser dados, de modo consistente, sempre que afetados os direitos. O assento constitucional está no art. 93 da CF e a exigência de motivação intersubjetiva é das mais destacadas na transição para o direito administrativo dialógico – em oposição ao autocrático –, evitando-se, sempre que possível, qualquer decisão unilateral, desmotivada e instabilizadora de direitos"[8].

Para o autor, então, "as decisões administrativas serão motivadas, e, melhor do que isso, fundamentadas, isto é, haverão de ter como suporte razões objetivas e consistentes (numa leitura conjugada, especialmente, dos incisos IX, e X do art. 93 da CF e de várias Constituições estaduais de modo expresso, bem como das leis infraconstitucionais, notadamente o art. 50 da Lei 9.784/99)"[9]. Desse modo, "a fundamentação, para além da velha versão da teoria dos motivos determinantes, há de estar presente em todos os atos [...]. Em outras palavras, indispensável motivar, isto é, oferecer fundamentos jurídicos, objetivamente controláveis"[10].

A motivação dos atos administrativos se apresenta como atividade determinante de sua conformação constitucional, tendo a Administração integral vinculação aos motivos jurídicos e fáticos indicados. Tal situação é compreendida dogmaticamente como 'teoria dos fatos e motivos determinantes' dos atos administrativos.

Celso Antônio Bandeira de Mello resume a citada teoria da seguinte forma: "de acordo com a teoria dos fatos determinantes, os motivos que determinam a vontade do agente, isto é, os fatos que serviram de suporte à sua decisão, integram a validade do ato. Sendo assim, “a invocação de ́motivos de fato ́ falsos, inexistentes ou incorretamente qualificados vicia o ato mesmo quando a lei não haja estabelecido, antecipadamente, os motivos que ensejariam a prática do ato"[11].

Dessa maneira, mediante a doutrina do autor, "uma vez enunciados pelo agente os motivos em que se calçou, ainda quando a lei não haja expressamente importa a obrigação de enunciá-los, o ato só será válido se estes realmente ocorreram e o justificaram"[12].

Sobre as deformidades na motivação do ato administrativo, Caio Tácito[13] destaca as seguintes lições: "O diagnóstico da violação da finalidade impõe o exame dos motivos alegados pelo agente, através dos quais se exterioriza a sua vontade. O desvio de poder guarda, por isso, estreita correlação com outro vício – o da inexistência ou falsidade dos motivos".

Para o autor, "é por meio da análise criteriosa da motivação do ato administrativo, dos indícios veementes que defluem da conferência entre os motivos invocados e os resultados alcançados ou pretendidos que o desvio de poder virá à tona". Destaca que "longe de ser um erro grosseiro e ostensivo, ele se distingue pela sutileza com que procura esconder-se sob a capa de regularidade, esmerando-se o agente em ocultar a desfiguração substancial do ato administrativo".

Conclui, então, que "é mister, assim, que o intérprete não se contente com a letra dos motivos determinantes, mas mergulhe em seu espírito, atente a suas omissões e contradições, pondere a veracidade e a proporcionalidade dos meios em razão do fim colimado, preferindo, em suma, verificar sob a roupagem do ato os verdadeiros contornos de sua ossatura".

Assim estabelecido, cita-se importante posicionamento do STJ[14] sobre o tema, ao afirmar que "a margem de liberdade de escolha da conveniência e oportunidade, conferida à Administração Pública, na prática de atos discricionários, não a dispensa do dever de motivação. O ato administrativo que nega, limita ou afeta direitos ou interesses do administrado deve indicar, de forma explícita, clara e congruente, os motivos de fato e de direito em que está fundado (art. 50, I, e § 1.o da Lei n.o 9.784/99). Não atende a tal requisito a simples invocação da cláusula do interesse público ou a indicação genérica da causa do ato"[15].

Afirma o Ministro Teori Albino Zavascki que "de fato, em matéria de ato discricionário a doutrina administrativista brasileira se mostra unânime ao assentar que a liberdade de decisão do administrador não é absoluta, estando sujeita à satisfação do princípio da legalidade – a dizer que a escolha acerca da oportunidade e conveniência da prática do ato está subordinada aos limites impostos pela lei, afastado qualquer conteúdo de subjetividade na escolha do momento adequado à prática de determinado ato [...]"[16]. Segue sua orientação afirmando que, "na realidade, todo e qualquer ato discricionário praticado pela Administração estará necessariamente jungido à supremacia do interesse público – quando, então, e em razão do que a lei autoriza que o Administrador avalie os fundamentos atinentes à conveniência e oportunidade para a prática do ato em questão"[17].

De igual forma, o Julgador considera que, "mesmo em se tratando de atos discricionários, o administrador está obrigado não só a fundamentar as razões da prática do ato, mas também a explicitar a adequação de tal prática em face do interesse público – do que se pode concluir que a mera referência ao aludido interesse público não se revela suficiente para atender à exigência da motivação, sendo ainda necessário demonstrar com precisão de que modo o ato praticado atende, ou não, ao fim social alvitrado".

Finalmente arremata: "pois bem, a existência de adequada motivação, quando essencial à validade do ato administrativo, é matéria sujeita a controle jurisdicional. Seguindo essa linha de entendimento, a jurisprudência enfatiza que 'em nosso atual estágio, os atos administrativos devem ser motivados e vinculam-se aos fins para os quais foram praticados (V. art. 2.o da Lei n.o 4.717/65). Não existem, nesta circunstância, atos discricionários absolutamente imunes ao controle jurisdicional"[18]. Nesse mesmo trilho, “[...] a autoridade impetrada não apresentou exposição detalhada dos fatos concretos e objetivos em que se embasou para chegar a essa conclusão. Ora, a simples referência à ausência de interesse público não constitui, por si só, motivação suficiente à formação de uma segura conclusão a respeito das razões de denegação da autorização [...]. O ato administrativo assim proferido, sem motivação suficiente e adequada, impossibilita ao interessado o exercício de seu direito de cidadania de aferir o atendimento dos princípios constitucionais da impessoalidade e da razoabilidade, norteadoras da ação administrativa”.[19]

Como demonstrado, o grande elo entre a atuação administrativa escorreita e seu necessário controle jurisdicional ocorre pelas vias da adequada motivação e fundamentação do ato administrativo. Apenas com a demonstração objetiva sobre o que se fez, como se fez e quais os objetivos fitados a alcançar-se, na expressão clara dos motivos que consubstanciam o ato administrativo, e a correspondente justificação, haverá possibilidade de se cumprir com os respectivos ditames constitucionais que determinam a atuação administrativa harmônica e plenamente sindicável, inclusive, pelo Estado Juiz.


Notas e Referências: 

[1] CAETANO, Marcello. Princípios fundamentais do direito administrativo, p.124-125.

[2] VIEIRA DE ANDRADE, José Carlos. O dever de fundamentação expressa de actos administrativos. Coimbra: Almedina, 1992.

[3] Vide CAETANO, Marcello. Princípios fundamentais do direito administrativo, p.123-124.

[4] OLIVEIRA FRANCO SOBRINHO, Manoel de. Atos administrativos, p.133.

[5] Id.

[6] OLIVEIRA FRANCO SOBRINHO, Manoel de. Atos administrativos, p.133.

[7] Id.

[8] FREITAS, Juarez. O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais., 4.ed., p.62.

[9] Id.

[10] Id.

[11] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo, p.404.

[12] Id.

[13] TÁCITO, Caio. Direito administrativo, p.133.

[14] Superior Tribunal de Justiça. MS 9.944/DF 2004/0122.461-0, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. 25/05/2005, DJ 13/06/2005, p.157.

[15] Superior Tribunal de Justiça. MS 9.944/DF 2004/0122.461-0, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. 25/05/2005, DJ 13/06/2005, p.157.

[16] Id.

[17] Id.

[18] Id.

[19] Superior Tribunal de Justiça. MS 9.944/DF 2004/0122.461-0, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. 25/05/2005, DJ 13/06/2005, p.157.


autorPhillip Gil França é Pós-doutor (CAPES_PNPD), Doutor e Mestre em direito do Estado pela PUC/RS, com pesquisas em “Doutorado sanduíche – CAPES” na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Membro do Instituto dos Advogados do Paraná. Professor de Direito Administrativo (mestrado e graduação) da Universidade de Passo Fundo, autor dos livros “Controle da Administração Pública”, 3 Ed. (RT, 2011) e “Ato Administrativo e Interesse Público”, 2 Ed (RT, 2014), e tradutor da obra "O Princípio da Sustentabilidade - transformando direito e governança", de Klaus Bosselmann. Professor dos Cursos de Especialização do IDP (Brasília), Abdconst (Curitiba) e Unibrasil (Curitiba). Email: phillipfranca@hotmail.com / Facebook: Phillip Gil França


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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