Por Leonardo Isaac Yarochewsky – 02/09/2017
“Francesco Carrara em monografia datada de julho de 1893, - Un nuovo delito, - falava da “nomomania ou nomorréia” penal. A praga de seu tempo, que está em ter esquecido o sábio aforismo da jurisprudência romana, ‘minima non curat praetor’”.[1]
Franz Von Lizst, em 1898, de acordo com Luisi enfatizava que a legislação de seu tempo fazia “uso excessivo da arma da pena”.
Reinhard Frank, em 1898, ainda segundo Luiz Luisi, já falava da “hipertrofia penal”, referindo-se ao uso abusivo da pena o que levava, segundo o autor alemão, ao seu descrédito e a perda da sua força intimidadora.
Para o filósofo Montesquieu “Inúmeras são as leis que vigoram desde a antiguidade, não por serem justas, mas por serem leis”. Segundo quem as “leis inúteis enfraquecem as leis necessárias”.
No Brasil nas últimas décadas verificamos uma verdadeira “inflação legislativa”. Esta inflação se deve há uma série de fatores que vão desde ao forte apelo popular, passando pela influência maligna da mídia até a demagogia dos legisladores.
A cultura punitiva que se traduz no uso abusivo e sistemático da pena privativa de liberdade além de ofender, despreza os princípios garantistas e fundamentais do direito penal. Entre os quais destacamos os princípios da estrita legalidade e da intervenção mínima.
Luigi Ferrajoli distingue o princípio da “mera legalidade” ou da “reserva legal” do princípio da “estrita legalidade”. O primeiro, princípio geral de direito público, base estrutural do próprio estado de direito, segundo o autor italiano, dirige-se aos juízes que devem aplicar a lei de acordo com o formulado. Já o princípio da estrita legalidade designa a reserva absoluta de lei, dirigida ao legislador, “a quem prescreve a taxatividade e a precisão empírica das formulações legais”.[2]
Segundo Ferrajoli[3],
o princípio da legalidade estrita é proposto como uma técnica legislativa específica dirigida a excluir, conquanto arbitrárias e discriminatórias, as convenções penais referidas não a fatos, mas diretamente a pessoas e, portanto, com caráter ‘constitutivo’ e não ‘regulamentar’ daquilo que é punível: como as normas que , em terríveis ordenamentos passados, perseguiam as bruxas, os hereges, os judeus, os subversivos e os inimigos do povo; como as que ainda existem em nosso ordenamento, que perseguem os ‘desocupados’ e os ‘vagabundos’, os ‘propensos a delinqüir’, os ‘dedicados a tráficos ilícitos’, os ‘socialmente perigosos’ e outros semelhantes.
Pelo princípio da intervenção mínima o Estado só estará legitimado a intervir em matéria penal quando for estritamente e evidentemente necessário para a tutela de bens fundamentais do homem e para vida em sociedade e, mesmo assim, quando não existirem outros mecanismos ou meios de proteção que não o direito penal. Deste princípio decorre que o direito penal é um remédio sancionador extremo e que, portanto só deve ser utilizado como utima ratio e quando esgotados as formas de proteção dos bens jurídicos previstos por outros ramos do direito. Assim, se é encontrado, por exemplo, através do direito administrativo uma proteção satisfatória e suficiente de um determinado bem à intervenção penal estatal torna-se desnecessária.
A sanção penal como remédio sancionador extremo pode ser comparada a morfina[4] que só deve ser ministrada em casos gravíssimos onde a dor é insuportável e quando outros medicamentos já não produzem o efeito desejado. Se através de outro remédio, menos danoso, a dor pode ser aliviada ou combatida, torna-se dispensável aplicar o remédio mais grave onde os efeitos colaterais são mais maléficos para o paciente. Do mesmo modo que é preferível aplicar uma sanção administrativa ao invés de uma sanção penal se aquela cumpre com a finalidade do direito de proteção de um determinado bem. Neste caso, a aplicação da sanção penal vai de encontro com o caráter subsidiário do direito penal, segundo o qual deve o mesmo ser utilizado apenas e somente quando os outros ramos do direito se mostrarem insuficientes para tutela jurídica necessária de um determinado bem.
Portanto, para que o Estado intervenha penalmente é imperioso que não haja outro meio, no campo jurídico ou fora dele capaz de proporcionar (ou pelo menos tentar) de forma eficaz prevenir e reprimir as condutas que ofendam os bens essenciais e fundamentais para a vida do homem e para a sociedade.
O princípio da intervenção mínima, como princípio político do Estado Democrático de Direito, atua também como limitador do poder legislativo e dele derivam o caráter fragmentário e subsidiário do direito penal.[5]
Sendo fragmentário o direito penal não está legitimado a intervir indistintamente na busca de “proteção” de todo e qualquer bem jurídico. Deve o direito penal se reservar apenas e tão somente as hipóteses de ataques a bens jurídicos considerados indispensáveis e fundamentais para dignidade da pessoa humana e para o Estado democrático de direito. Embora se reconheça a dificuldade de limitação do conceito de bem jurídico, é ainda um critério bastante razoável para aferição da necessidade ou não da intervenção penal.
É em razão da subsidiariedade que o direito penal está condicionado a intervir apenas quando outros ramos do direito ou mecanismo de controle social se revelam insuficientes ou incapazes na proteção de determinados bens jurídicos.
O direito penal deve atuar como uma espécie de sobressalente, ou seja, somente quando outros mecanismos de proteção, menos gravosos para o individuo que a pena criminal, se mostrar inaptos para proteção do bem. Assim, se, v. gs., encontra-s no direito de família a adequada solução para o conflito torna-se, absolutamente, desnecessário recorrer ao direito penal sob qualquer pretexto.
Não resta dúvida de que o direito penal não é remédio idôneo e eficaz para solucionar todos os males da sociedade, definitivamente, não é a panaceia que muitos acreditam ser para resolver os problemas de uma sociedade complexa e imperfeita como a de seres humanos.
Com certeza, apesar dos punitivistas de plantão, haverá um dia em que o direito penal será estudado apenas e tão somente por razões históricas, neste dia a pena privativa de liberdade será considerada tão cruel e absurda como se consideram hoje as penas utilizadas pela Santa Inquisição.
Notas e Referências:
[1] LUISI, Luiz. Os princípios constitucionais penais. Porto Alegre: Fabris, 2003.
[2] FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão. Teoria do garantismo penal. Ob. cit., p. 31.
[3] Idem.
[4] Principal e mais ativo dos alcalóides do ópio, branco, cristalino, usado como sedativo.
[5] Neste sentido Luiz Luisi, ob. cit. p. 40 e BATISTA. Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. Rio de Janeiro: Revan, 1990 entre outros.
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. . Leonardo Isaac Yarochewsky é Advogado Criminalista e Doutor em Ciências Penais pela UFMG. . .
Imagem Ilustrativa do Post: Prison Jail Cell // Foto de: Jobs For Felons Hub // Sem alterações
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