No caminho da justiça: o véu da ignorância de John Rawls 

29/06/2017

Por Alessandra Wanderley - 29/06/2017

I – Considerações iniciais 

Para Aristóteles a teoria da justiça é alcançada levando em consideração o télos (palavra grega que significa propósito, finalidade ou objetivo) e a honra. Compreender o propósito de uma prática, ou mesmo discutir sobre a mesma as virtudes que devem honrar ou recompensar. Aristóteles acreditava que as discussões sobre justiça são debates inevitáveis sobre honra, virtude e a natureza de uma vida boa (SANDEL, 2012, p.233/234).[1]

Seguindo essa ideia de Aristóteles a justiça realiza-se quando damos a alguém o que ele merece, ou seja, a justiça acontece a partir da concepção de algo a alguém dentro de suas virtudes. (SANDEL, 2012, p. 234)[2]

Apesar das diretrizes dadas por Aristóteles no intuito de traçar uma forma de se alcançar a justiça, esse conceito é muito complexo e apesar das contribuições filosóficas ao longo dos anos, chegar a um ponto comum é tarefa difícil ou quase impossível.

A justiça ou que entendemos ser a mesma irá se constituir em cada um de nós a partir dos nossos valores éticos, filosóficos, religiosos e culturais. Assim, definir a mesma depende de uma infinidade de variantes e que por vezes sofrem mudanças se considerarmos caso a caso, pessoa a pessoa, época, motivações, entre outros.

Essa dificuldade remonta a atual discussão e traz as novas concepções de justiça, algumas mais complexas, porém todas com o objetivo de traçar um único caminho a sua conceituação.

A partir dessas incertezas e com a ideia de tentar chegar a um consenso, o presente trabalho irá discutir as teorias elencadas por Rawls, bem como, as ideias hobbesianas sobre justiça, demonstrando as diferenças existentes entre as ideais contratualistas de Rawls e Hobbes.

Apesar do contrato social ter surgido com Hobbes no século XVI, seguido por Locke (século XVII) e após Rousseau e Kant (século XVIII), Rawls trouxe no século XX uma nova visão do contrato social, uma interpretação inovadora do mesmo. Apesar de concordar com alguns aspectos de Hobbes, alguns pontos são controversos dentro da visão contratualista de Rawls e seu contrato hipotético, tendo esse último redesenhado a visão clássica contratual, não estando os indivíduos obrigados a entrega de seus direitos naturais ao legislador absoluto – o Leviatã.

I – Rawls e o véu da ignorância:

Rawls acreditava que uma sociedade para alcançar o bem comum ou ainda a liberdade fundamental, que na sua concepção significava não submeter essas liberdades a nenhum cálculo de utilidade, devemos estar sob o véu da ignorância, remetidos à posição original, situação em que nossas decisões não terão como propósito o interesse particular.

“Posição Original. Imaginemos uma asamblea em la que todos los membros de uma sociedad van a elegir sus instituciones de base. Por <instituiciones de bse> se entende el conjunto de instituciones fundamentales que determinarán el modo em que se organizará la vida económica y política de essa sociedad... Los indivíduos que participan em ella saben que las decisiones que tomen van a condicionar toda su vida, así como la vida de sus hijos e de sus nietos.  Todos aceptan que essas reglas serán fijadas mediante um acuerdo que contemple los interesses y preocupaciones de cada uno. Agreguemos dos nuevos datos. El primeiro es que, por más diferentes que sean entre sí, todos los membros de la sociedad comparten dos capacidades morales fundamentales: la capacidade de desarrollar y de intentar poner em prática uma concepción del bien (esto es, um conjunto de ideas acerca de como vale la pena vivir que orientará sus elecciones particulares) y la capacidad de desarrollar um sentindo de la justicia (esto es, la capacidad de entender los princípios normativos que se haya decidido respetar y de actuar em consonância com ellos). Rawls resumirá estas ideias diciendo que los indivíduos son al mismo tempo racionales y razonables. El segundo dato es que, em el momento de ingressar em esta assemblea imaginaria, los indivíduos caen bajo um velo de ignorância. Esto significa que los indivíduos <olvidan> cuáles son sus características particulares: no saben si son ricos o pobres, hombres o mujeres, blancos o negros, creyentes e no creyebtes. Tampouco conocen cuál es sua própria concepción del bien, es decir, el <sistema de fines> que van orientar sus elecciones.”[3]

Dessa concepção entende Rawls que o contrato social é uma espécie de acordo hipotético em uma posição original de equidade. Ele na realidade faz um convite para que façamos o raciocínio sobre os princípios que nós – como pessoas racionais e com interesses próprios – escolheríamos caso estivéssemos nessa posição. Ele não parte do pressuposto de que todos sejamos motivados apenas pelo interesse próprio na vida real; pede que deixemos de lado nossas convicções morais e religiosas para realizar essa experiência imaginária. (SANDEL, 2012, p. 178).[4]

Para isso, o que Rawls pede que façamos é nos colocarmos em uma posição hipotética original, sob o véu da ignorância, na qual não teríamos noção de nós mesmos, nem sequer de nossa posição na sociedade. Dessa forma, teríamos cuidado nas escolhas dos princípios que norteariam nossas vidas, pois desconheceríamos nossa classe, religião, etnia, cultura, evitando que as escolhas feitas fossem benéficas a alguns e prejudiciais a outros.

Por isso, não optaríamos pelo utilitarismo, pois “pensando bem posso vir a ser um membro de uma minoria oprimida.” Dessa forma ninguém se arriscaria a ser o cristão atirado aos leões para o divertimento da multidão. Tampouco escolheria o simples laissez-faire, utilitarista ou ainda libertário. O princípio libertário que daria às pessoas o direito de ficar com todo o dinheiro recebido em uma economia de mercado. Uma vez que “posso acabar sendo o Bill Gates”, alguém raciocinaria, “mas também posso, por outro lado, ser um sem-teto. Portanto é melhor evitar um sistema que me deixe desamparado ou que não me ajude.” (SANDEL, 2012, p. 178/179)

Para Rawls a ideia de justiça é alcançada quando desconhecemos a nossa posição na sociedade, bem como, estamos desvinculados de qualquer outro critério, seja religioso, cultural, étnico, ou qualquer situação que possa caracterizar em uma escolha discriminatória ou vantajosa a algum grupo ou pessoa.

Segue Rawls em sua teoria afirmando que quando nos encontramos na posição original, o racional seria adotar uma estratégia chamada maximin que na gíria econômica significa maximizar o mínimo. Isso porque Rawls acreditava em uma divisão igualitária de riquezas, permitindo desigualdades sociais ou econômicas, somente quando visavam beneficiar os menos favorecidos.

“Maximin. Rawls afirma que lo racional em essas condiciones seria adoptar uma estratégia llamada maximin (uma palavra que proviene de la jerga econômica y que abrevia la expression. <maximizar el mínimo>. Recordemos que los princípios ynormas que vamos adoptar van influir a lo largo de nuestra vidas. Recordemos tambien que no sabemos cual es nuestra concepcion del bien ni qué lugar ocupamos em la sociedad. Puestos em estas condiciones, si negociamos mal podemos lamnetarlo mientras vivamos. Por ejemplo podemos condenarnos a nosostros mismos a no estar nunca em condiciones de realizar nuestras própria concepicin del bien.”[5] 

Neste aspecto a teoria de Rawls contraria a de Hobbes, já que esse último considera que as escolhas feitas pelo indivíduo são racionais e por isso se espelham em seus interesses, não estando vinculados a essa imparcialidade trazida na teoria Rawlsiana, que na posição original estariam sob um véu de ignorância.

Assim, para Rawls a sua teoria em parte segue da escolha racional, porém a razoabilidade vem antes daquela, não sendo racional maximizar os benefícios obtidos, sem que essa atitude minimize as desigualdades dos menos favorecidos.

Podemos vislumbrar a crítica de Rawls à ideia racional de Hobbes no trecho in verbis:

“Em seu estado de natureza, todas as pessoas têm o fim privado ou pessoal de sua própria felicidade, ou de sua própria segurança. Esses fins, evidentemente, não são compartilhados; podem ser do mesmo tipo, mas não são precisamente o mesmo fim. O contrato social de Hobbes que estabelece a soberania não envolve um fim compartilhado, menos ainda um fim que todos devem compartilhar, exceto na medida em que são racionais (em contraposição a razoáveis). Ademais, as instituições do Estado são um fim comum apenas no sentido de são um meio para a felicidade ou segurança isolada de cada indivíduo. Essas instituições não especificam uma forma de vida política pública que deve ser vista pelos cidadãos como certa ou justa em si mesma e a partir da qual eles são movidos a agir em virtude de seu senso de justiça. A sociedade do Leviatã é um tipo de sociedade privada (...) Não há uma unidade real, uma vez que não há um mesmo fim publicamente compartilhado.”[6]

Ainda quanto à racionalidade não tratar-se da obtenção de benefícios, tem-se:

“...Argumenta Rawls, lo racional no seria tratar de maximizar los posibles benefícios que podamos obtener, sino minimizar los riesgos a los que podriamos enfrentarnos em el caso que nos toque estar entre los membros menos favorecidos de la sociedad. Em otras palabras, lo que tenemos que hacer no es maximizar nuestras ganancias potenciales en el caso de que nos toque ganar, sino minimizar los eventuales daños em el caso de que nos toque perder. Rawls resume esta idea diciendo que tenemos que diseñar las instituciones de base de la sociedade bajo el supuesto de que nuestro lugar será assignado por nuestro peor enemigo.”[7] 

Na concepção de Rawls determinar as normas que vão conduzir uma sociedade sob o véu de ignorância vai a favor de nossos próprios interesses, tomando por base o esquecimento que deve nos nortear nesse momento, o que nos impossibilita conhecer nossa real posição social, buscando fazer escolhas que consideram o bem comum, certos da incerteza do que o futuro nos reserva.

II – Os princípios trazidos por Rawls em sua teoria da justiça: 

Rawls apresenta fundamentalmente dois princípios que irão nortear sua teoria da justiça. São eles o princípio da liberdade e o princípio da diferença e igualdade.

Porém, antes de adentrar aos referidos princípios deve-se ter em mente o princípio da justiça, a ser conferido quando Rawls nos convida a ocupar a posição original sob o véu da ignorância, na qual iremos nos esquecer de nossa posição social, inteligência, crença, etnia, ou qualquer outra informação que possa nos favorecer em nossas escolhas.

No que tange a liberdade o mesmo relaciona-se basicamente a permitir a todos um igualitário direito ao mais amplo sistema de liberdades fundamentais. Essas liberdades relacionam-se aos direitos e liberdades básicas, liberdade política, de expressão, de pensamento, de associação, de propriedade, todas protegidas pelo estado de direito.

Com relação ao princípio da diferença esse é entendido no contexto em que Rawls autoriza a existência de uma diferença, quando a mesma representa a melhoria de determinada classe ou pessoa. Ou seja, quando há uma desigualdade justificada para que haja um visível benefício a uma classe menos favorecida.

Assim, segundo Rawls (1999, seção 17, apud SANDEL, 212, p. 194:

“O princípio da diferença representa, na verdade, um acordo para considerar a distribuição das aptidões naturais um bem comum e para compartilhar quaisquer benefícios que ela possa propiciar. Os mais favorecidos pela natureza, não importa quem sejam, só devem usufruir de sua boa sorte de maneiras que melhorem a situação dos menos favorecidos. Aqueles que se encontram naturalmente em posição vantajosa não devem ser beneficiados simplesmente por ser mais dotados, mas apenas para cobrir os custos com treinamento e educação e usar seus dotes de modo a ajudar também os menos afortunados. Ninguém é mais merecedor de maior capacidade natural ou deve ter o privilégio de uma melhor posição de largada na sociedade. Mas isso não significa que essas distinções devam ser limitadas. Há oura maneira de lidar com elas. A estrutura básica da sociedade pode ser elaborada de forma que essas contingências trabalhem para o bem dos menos afortunados.”[8] 

Apresar das diferenças entre as teorias de Rawlsiana e Hobbesiana, comparativamente aos princípios trazidos por aquele, podemos encontrar algumas semelhanças com as leis naturais de Hobbes, como vê-se na relação existente entre o princípio da diferença de Rawls e a 5ª. Lei de Hobbes, que suma traz:

“5- Que cada um se esforçe por ajustar-se aos outros; lei da sociebilidade...”[9]

Bem, como da relação entre o princípio Rawlsiano de igualdade, e a nona lei de Hobbes, in verbis:

“9 – Que cada um reconheça no próximo seu igual por natureza.”[10]

Apesar das singularidades entre alguns pontos abordados por Rawls e Hobbes aquele remonta o seu conceito de justiça baseado na racionalidade deliberativa, na qual busca-se o bem de todos, os interesses comuns, diferentemente da visão racional hobesiana em busca de seus próprios interesses ou alcance de benefícios.

A maior crítica de Rawls é à arbitrariedade moral. Não sendo justo que a distribuição de renda siga fatores ou se baseie em pontos que não alcancem a moral e consequentemente a equidade. Por isso entende Rawls, esboçando a despeito de sua primeira afirmação sobre os seus princípios: 

“Primeiro: cada pessoa deve ter um direito igual ao mais abrangente sistema de liberdades báscias iguais que seja compatível com um sistema semelhante de liberdades para as outras.

Segundo: as desigualdades sociais e econômicas devem ser ordenadas de tal modo que sejam ao mesmo tempo (a) consideradas como vantajosas para todos dentro dos limites do razoável, e (b) vinculadas a posição e cargos acessíveis a todos.”[11] 

O que se percebe da análise das ideias de Rawls é que o mesmo tem como propósito a formação de uma sociedade adepta a um contrato social hipotético que tenha como escopo o bem estar de todos, não admitindo que aqueles que possuam dotes naturais, ou sejam, mais afortunados não venham auxiliar aos demais menos favorecidos.

Neste sentido, para Rawls a ideia libertária, de livre mercado não tem qualquer relação com justiça, que em termos legais irá permitir que todos possam se esforçar e competir, mas diante das diferenças naturais existentes, essa ideia não traz igualdade, em virtude dos dotes naturais, aquele com menos virtudes ficará sempre aquém daqueles mais afortunados ou virtuosos.

Assim argumenta Ralws (1999, seção 12, apud SANDEL, 2012, p. 191:

“...que a distribuição de renda e fortuna que resulta do livre mercado com oportunidades formalmente iguais não pode ser considerada justa. A injustiça mais evidente do sistema libertário “é o fato de ele permitir que a divisão de bens seja indevidamente influenciada por esses fatores tão arbitrários do ponto de vista moral” [12] 

III – Críticas à Rawls e a sua teoria igualitária: 

Rawls por remontar sua teoria nos princípios da liberdade, da diferença e igualdade, além de criticar a meritocracia, recebeu diversas críticas, pois alguns entendiam que o seu desejo era a limitação dos indivíduos e de suas aptidões.

Ocorre que Rawls não foi bem compreendido neste aspecto, pois não era ele a favor da limitação do indivíduo ou de suas aptidões, mas sim da distribuição de benefícios que essas características pudessem gerar para o dono dos dotes naturais.

Acreditava Rawls que para uma sociedade alcançar a equidade, deveria o Estado proporcionar igualdade de condições a todos, isso inclui educação, saúde, moradia e demais necessidades importantes ao desenvolvimento social.

Acontece, que como bem expressa Rawls, ainda que houvesse essa igualdade de condições, poderíamos nos deparar com situações que fugiriam desses padrões, ou seja, os dotes naturais ou aptidões que são natas a alguns e a outros não, independente de sua formação.

E é com base nessa situação que o renomado filósofo vislumbrava poder ocorrer outras desigualdades. Concluindo que uma meritocracia justa tentará corrigir as diferenças sociais e econômicas.

Ou seja, traz Rawls que nem mesmo o mercado funcionando em uma sociedade com oportunidades iguais de educação conseguirá atingir uma distribuição justa de renda e riqueza, sendo a razão disso: (SANDEL, 2012, p. 192).[13]

A distribuição é determinada pelo resultado da loteria natural; e esse resultado é arbitrário do ponto de vista moral. Não há mais razão para que se permita que a distribuição de renda e riqueza seja determinada pela distribuição dos bens naturais do que pela fortuna histórica e social.[14]

Conclui ainda Rawls que a concepção de meritocracia de justiça é falha pelo mesmo motivo (embora em menor grau) que a concepção libertária: ambas fundamentam a distribuição de direitos em fatores moralmente arbitrários. (SANDEL, 2012, p. 192)[15]

“Uma vez que somos influenciados tanto pelas contingências sociais quanto pelas oportunidades naturais na determinação da distribuição de direitos, poderemos ser prejudicados pela influência de uma ou de outra. Do ponto de vista moral, ambas parecem igualmente arbitrárias.”[16]

Ainda foram feitas objeções às ideias de Rawls quanto aos incentivos e esforços de cada um. A primeira relacionava-se de modo que não haveria incentivo aqueles com mais dotes, visto que como deveriam auxiliar aos menos favorecidos, isso poderia gerar um desestimulo ao trabalho. A segunda relacionava-se a fato de que os talentos naturais não são apenas méritos, mas o resultado de muito trabalho ou esforço para alcançar o seu objetivo.

Quanto à primeira questão sobre os incentivos, Rawls volta a explicá-la utilizando o seu princípio da diferença, em que uma desigualdade só se justifica quando favorece aqueles menos afortunados. Assim, não é a favor de salários iguais para todos, ou da limitação de seus talentos, pois isso sim poderia gerar o desestímulo, mas acreditava na distribuição indireta, dentro do benefício conferido aquele com mais talentos naturais, causando uma melhoria na vida dos indivíduos que estão na base da pirâmide.

Contudo, é importante esclarecer:

“... que permitir diferenças salariais a título de incentivo não é o mesmo que dizer que os bem-sucedidos têm mais direitos morais aos frutos de seu trabalho. Se Rawls estiver certo, as desigualdades de renda só serão justas na medida em que incentivarem esforços que, no cômputo geral, ajudem os menos favorecidos, e não porque os altos executivos ou os astros do esporte mereçam ganhar mais do que os operários de fábrica.”[17]

No que diz respeito à crítica relacionada ao esforço, Rawls esclarece que em alguns casos, independente, de serem conferidas oportunidades igualitárias, teremos indivíduos que sairão na frente e isso estará atrelado as oportunidades que teve, ao produto de sua educação ou base familiar e que esses aspectos nos criam uma barreira para equalizar a situação dos menos dotados ou com oportunidades diversas.

Rawls (1999, seção 18, apud SANDEL), responde que até o esforço pode ser produto de uma educação favorável. “Até mesmo a vontade de se esforçar, de tentar e portanto, de merecer no sentido geral depende de circunstâncias familiares e sociais mais confortáveis.[18] Como outros fatores que determinam nosso sucesso, o esforço é influenciado por contingências cujos créditos não podemos reinvindicar. “Parece claro que o esforço que uma pessoa está disposta a fazer é influenciado por sua habilidade natural e pelas alternativas que tem. Os mais favorecidos tendem, além de outras coisas, a se empenhar conscientemente...”[19]

IV – Considerações finais:

Analisando a teoria de Rawls tem-se que sua ideia é voltada a equidade social e o bem de toda uma sociedade a partir do contrato hipotético em posição original que o mesmo pede a que todos se submetam sob o véu de ignorância, com a certeza de que o Estado se desenvolve a partir dos ideais de todos e participação da população de forma direta nas tomadas de decisões que envolvem as normas que irão nortear a convivência social.

Ao contrário de Rawls, Hobbes entendia que os indivíduos precisam de um soberano para administrar os interesses, abrindo mão das liberdades naturais em prol da civil, renunciando o seu direito de julgar e transferindo o mesmo ao Estado, dotado de consciência pública. Entendendo ainda que o homem age no intuito de satisfazer seus desejos e por isso com interesses próprios.

Concepções essas das quais Rawls discordava já que o interesse individual trazia a concepção de Estado não unitário, carente de um fim público, requisitos necessários ao alcance de uma sociedade justa.

Partindo das concepções trazidas por Rawls o que se evidencia é toda sua energia concentrada em algo que acreditava ser a única forma de sociedade justa e longe das diferenças sociais que assolam a todos.

A sua concepção de imaginarmos estar em posição original, esquecendo os títulos e nos abstendo de todos os preconceitos é a ideia mais razoável de se alcançar o bem comum, já que nessa situação não estaríamos vinculados a qualquer traço cultural, racial, econômico, intelectual, ou seja, estaríamos livres de qualquer pré-conceito, e de fato em posição de escolher com clareza e justiça as bases que serviriam de direção a todos.

Apesar de a primeira vista sua teoria parecer um tanto romanceada, em realidade é de suma importância, pois a imparcialidade tão pregada por Rawls, cujos interesses de todos devem estar voltados para todos, só é possível sob o véu da ignorância. Prova disso é a atual conjuntura na qual nos encontramos, em uma sociedade egoísta e com líderes interessados apenas em satisfazer seus próprios interesses, retrato do caos hoje presenciado em todo o mundo.

Contudo, apesar de acreditar que sob o véu de ignorância a justiça é mais latente, é válido trazer que a dificuldade encontrada quanto ao fato de alcançarmos esse ponto de imparcialidade traçada por Rawls é imensa, e por isso a crítica por mim aqui é feita. Como poderíamos, pessoas já donas de inúmeras convicções e rótulos filosóficos, religiosos, sociais, chegar ao patamar de nos abstermos completamente ou ainda que por algum tempo de nossas ideias para pode contribuir de forma neutra na formação de normas que norteariam os direitos de todos indivíduos?

Por isso, apesar de acreditar que somente assim chegaríamos à concepção real de justiça, não vislumbro como poderíamos realizar tal proeza, já tão submersos em nossos vícios sociais e tão cheios de egos em decorrência de nossos talentos naturais.

Assim, concordo com a teoria exposta por Rawls e acredito ser a mesma de grande relevância para traçar as diretrizes da atualidade no caminho da justiça, em uma época em que essa é a palavra que mais se ouve e pouco se ver concretizada. Contudo, sua teoria apenas balizaria nossos novos rumos, cabendo a nós agregar ao direito todos os valores filosóficos hoje tão discutidos e enaltecidos pela concepção pós-positivista, evitando julgamentos subjetivos e baseados em concepções discriminatórias, egoístas e autoritárias, tentando ao menos diminuir o abismo que existe entre nossa sociedade e a complexa e necessária teoria da justiça de Rawls.


Notas e Referências:

[1] SANDEL, Michael J. Justiça: O que é fazer a coisa certa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 6ª. Edição, 2012, p. 233/234;

[2] Ibidem, p. 234;

[3] SILVEIRA, Pablo da, John Rawls y la Justicia Distributiva. Campos de Ideias. SL. Madrid, 2003, p. 23/24;

[4] Ibidem. 178;

[5] Ibidem, p. 27;

[6] RAWLS, J. História da filosofia moral, Martins Fontes, São Paulo, 2005, p. 419;

[7] Ibidem, p. 27/28;

[8] Ibidem, p. 194;

[9] FERREIRA, Eduardo Oliveira. Thomas Hobbes e o Leviatã. 2012. Em:< http://www.justocantins.com.br/artigos-9154-thomas-hobbes-e-o-leviata.html> Acessado em: 10/04/2017;

[10] Ibidem;

[11] Ibidem, p. 64;

[12] Ibidem, seção 12. In: Ibidem, p. 191;

[13] Ibidem, p. 192;

[14] Ibidem. In: Ibidem, p. 192;

[15] Ibidem, p. 192;

[16] Ibidem, p. 196;

[17] Ibidem, p. 196;

[18] Ibidem, secão 18. In: Ibidem, p. 196;

[19] Ibidem. In: Ibidem, p. 196/197.


Alessandra Wanderley. Alessandra Wanderley é Advogada atuante na área do direito do trabalho, previdenciário e militar. Cursando Especialização em Advocacia Pública – UERJ/RJ e EAGU, Delegada da Comissão de Defesa Assistência e Prerrogativas – OAB/RJ, membro auxiliar nas Coordenações de Vara Cíveis e Atividades Estatais da Comissão de Defesa Assistência e Prerrogativas – OAB/RJ.


Imagem Ilustrativa do Post: Judicial Scale Law and Order // Foto de: Allen Allen // Sem alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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