NEM GORDA NEM MAGRA

31/10/2019

Coluna Direito e Arte / Coordenadora Taysa Matos

Centro comercial, um pequeno estande de produtos, todos referentes aos ditos “cuidados de beleza” e duas moças para atender os clientes. Ambas trajavam o mesmo uniforme, um maiô de cor fria combinado a uma calça de cor contrastante e sorrisos convidativos. Entretanto, uma delas me chamou a atenção, era alta, de cabelos cacheados fartos, riso fácil e gorda? Na verdade, não consegui defini-la imediatamente, meu cérebro precisou de alguns segundos para analisar e processar o que via. Para padrões de beleza, sim, ela era, mas outros títulos também lhe poderiam ser aplicados facilmente, tais como: “plus size”, “robusta”, “substanciosa”, “generosamente modelada”, “dotada de curvas acentuadas”, “estrutura grande”, “ossos largos” e tantos mais. Essa escolha, no mínimo inusitada da marca, acabou despertando minha curiosidade e de alguns passantes mais atentos.

Decidi me aproximar para conferir o que parecia ser uma estratégia de marketing e, à medida que a distância diminuía, avaliava mais e mais a moça que, atendendo, parecia extremamente feliz. Na metade do caminho comecei a perceber que o maiô não era tão bonito assim, seu corte não valorizava em absolutamente nada as curvas do corpo, aparentemente estava tão apertado quanto salário mínimo no fim do mês e, para piorar a situação, a malha de qualidade um tanto duvidosa, deixava-o quase tão transparente quanto as águas do mar do Caribe. Diante de tantas constatações me surpreendeu o fato dela, ainda assim, esbanjar beleza e não parecer fazer uma imitação barata do “Grinch”, numa versão de calças e menos peluda é claro. Automaticamente uma imagem formou-se em minha mente, se fosse tia Zuleide naquela mesma roupa, com certeza estaria se parecendo com uma ervilha ou uma melancia, quiçá até um abacate.

Uma melodiosa voz me tirou do devaneio. Decidi que era a hora de finalizar o percurso, estava perto o suficiente da moça, que agora tagarelava com uma pequena senhora. Concentrei-me no diálogo. Aparentemente ela defendia veementemente algo sobre todos possuírem um “corpo de praia” não importando idade, sexo, gênero, classe social ou biótipos. Nesse último quesito, fez questão de adentrar no assunto dos tão famigerados “quilinhos a mais” que sempre são motivos de insatisfação para as pessoas e continuou discorrendo sobre a importância da auto aceitação, com todas e quaisquer “imperfeições” possíveis que os corpos poderiam apresentar e como era vital a consolidação desse pensamento na formação humana e em seu processo de autoestima.

Tais palavras soavam quase como música aos ouvidos, era realmente brilhante, talvez se todas as pessoas desde a infância, principalmente mulheres, consolidassem esse pensamento, o número de suicídios, depressões, anorexias e bulimias diminuísse no mundo ou quem sabe, teríamos uma sociedade com princípios diferentes. Na verdade, nunca saberemos, a única certeza seria que o mundo da moda possuiria uma oferta maior de tamanhos em suas grades.

A senhora que ouvia tudo com olhos vidrados perguntou-lhe a queima roupa: “E você minha filha, se acha gorda ou magra?”, fez-se um minuto de silêncio. A meu ver, parecia que a pequena senhora havia ignorado todo o discurso anterior, esperei então pela resposta da moça tão avidamente quanto um camelo procura um oásis no deserto, em seu rosto pude ler algumas expressões, por fim, ela dedicou-lhe um sorriso quase travesso e respondeu: “nem gorda nem magra; e aí, a senhora vai levar?” Controlei a vontade de rir mediante a expressão de choque provocada pela resposta, dei as costas e saí antes que enfim minha presença fosse notada por ambas.

 

Imagem Ilustrativa do Post: Medusa's curse // Foto de: Jinx! // Sem alterações

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