Situação do cotidiano do advogado, o cálculo e pagamento de custas iniciais às vezes pode se tornar uma dor de cabeça. O motivo principal é que na Justiça Estadual cada ente federativo possui discricionariedade para fixar a forma de cálculo dos valores, inclusive prevendo valores mínimos e máximos. No Estado de São Paulo, por exemplo, o valor mínimo corresponde a cinco Unidades Fiscais do Estado de São Paulo, que em 2017 representa valor unitário de R$ 25,07, resultando em custas mínimas de R$ 125,35. Já o valor máximo a ser pago na justiça paulista representa 3.000 UFESPs, ou seja, vultosos R$ 75.210,00.
Que as custas judiciais (ou taxas judiciárias) são tributos da espécie taxa parece ser questão sobre a qual não pairam dúvidas. Com efeito, no julgamento da ADI 1.444[1] o Supremo Tribunal Federal reiterou o entendimento já aplicado quando vigia a Constituição de 1969, no sentido de que “’as custas e os emolumentos judiciais ou extrajudiciais’, por não serem preços públicos, ‘mas, sim, taxas, não podem ter seus valores fixados por decreto, sujeitos que estão ao princípio constitucional da legalidade.’”. Mas a subsunção ao princípio da legalidade não é a única consequência da conclusão de que as custas judiciais são tributo da espécie taxa: há que se observar, na fixação dos parâmetros de cálculo das custas judiciais, todo o regime jurídico da espécie tributária em questão.
Sendo assim, a instituição das custas judiciais deve observar o disposto no artigo 145, inciso II da Constituição Federal e também nos artigos 77 e 78 do Código Tributário Nacional: serão instituídas em razão da utilização efetiva do serviço público específico e divisível prestado ao contribuinte. As taxas, portanto, distinguem-se dos impostos na medida em que aquelas são cobradas em virtude da utilização efetiva ou potencial de um serviço (no caso das custas judiciais, utilização efetiva), enquanto que estes são cobrados de toda a coletividade para o custeio das atividades gerais do estado.
Na prática, portanto, qual a consequência da aplicação deste regime jurídico no estabelecimento do cálculo das custas judiciais?
Entende-se que a remuneração do serviço prestado ao contribuinte só poderá ser efetuada através da cobrança da respectiva taxa, a ser suportada por todos aqueles que utilizarem referido serviço. Posta esta premissa, o custo da atuação estatal deveria, em tese, ser dividido entre todos os que procurassem o Poder Judiciário. Nunca é demais lembrar que o serviço público, para que seja remunerado por taxa, deve ser “específico e divisível”, na medida em que deve ser possível destacá-lo em unidades autônomas de intervenção (e, consequentemente, deve ser possível mensurá-las).
Neste sentido, a taxa deve conter uma referibilidade entre o valor cobrado e o serviço prestado. Caso o ente federativo arrecade mais do que a atividade estatal lhe custa, todo o excesso será um imposto e não taxa. Utilizando-se das lições de Aires Fernandino Barreto[2], o que se pretende afirmar é que “o dimensionamento das taxas só pode dar-se em função da atividade estatal, imediatamente conectada ao contribuinte.”
Nas palavras de Paulo Victor Vieira da Rocha[3]:“[...] as taxas são tributos vinculados a uma atividade do Estado e é essa atuação que se deseja ver remunerada, pois implica uma despesa que, ao final de contas, é provocada ou pelo serviço posto à disposição de um particular identificável ou pelo exercício do poder de polícia que ele provoca.”
Com o intuito de ilustrar o que aqui é defendido, Luís Eduardo Schoueri[4] exemplifica: “Um exemplo pode ilustrar a questão: considere-se uma taxa cobrada pelas autoridades sanitárias para fiscalizar um lote de mercadorias importadas. Considere-se, de um lado, a importação de algumas toneladas de banha de porco e, de outro, algumas latas de caviar. É possível que as últimas custem mais que as primeiras. Se o tributo em questão fosse um imposto, ele seria exigido em maior valor do importador do caviar, já que este revelou maior capacidade contributiva. Por outro lado, tratando-se de uma taxa, é possível que a fiscalização das toneladas de banha de porco exija maior atenção das autoridades, em relação a poucas latas de caviar. Daí que a taxa cobrada pela fiscalização das últimas deve ser menor do que a das primeiras.”
O que o autor quer dizer, com toda a razão, é que para a fixação de um valor, a título de taxa, é necessário saber o custo da atuação estatal. É esta que será considerada para fins de fixação do montante a ser pago pelo contribuinte. No exemplo em questão, uma tonelada de banha de porco envolve uma fiscalização muito mais trabalhosa do que algumas latas de caviar, embora as latas de caviar apresentem valor muito superior às toneladas de banha de porco.
Trazendo-se para o assunto em debate – as custas judiciais, exemplos são igualmente úteis para uma melhor visualização:
(i) Uma ação declaratória de paternidade, do tipo puramente declaratória, sem pedido de alimentos, deverá obrigatoriamente possuir valor da causa, nos termos do artigo 291 do Código de Processo Civil: “Art. 291. A toda causa será atribuído valor certo, ainda que não tenha conteúdo econômico imediatamente aferível.”. Dessa forma, poderá ser atribuído valor da causa de R$ 10.000,00 (dez mil reais), apenas para efeitos fiscais (para fins de cálculo de custas).
(ii) Uma execução fiscal no valor de R$ 8.000.000,00 (oito milhões de reais) é ajuizada pelo Estado de São Paulo, exigindo tributo objeto de parcelamento firmado anteriormente até mesmo à inscrição do crédito em dívida ativa. O Exequente obtém êxito na citação e em bloqueio de ativos financeiros, abrindo-se o prazo para a oposição dos embargos. A ação deverá ter como valor da causa o valor do débito exequendo, atualizado, ou seja, R$ 8.000.000,00.
Em ambos os casos, no Estado de São Paulo as custas seriam calculadas na ordem de 1% sobre o valor da causa. No primeiro caso, da ação declaratória de paternidade, as custas iniciais recairiam no mínimo, ou seja, R$ 125,35. No segundo caso, dos embargos à execução fiscal, as custas judiciais recairiam no teto fixado naquele mesmo Estado: R$ 75.210,00. Qual das duas ações custará mais para o Estado?
A experiência nos mostra que uma ação declaratória de paternidade contará com, pelo menos, duas audiências (conciliação e instrução). Terá uma ampla instrução processual, com perícia realizando exames de DNA e as partes sendo reiteradamente intimadas a se manifestar sobre as provas apresentadas. Possivelmente envolverá litisconsórcio, caso o suposto pai possua outros filhos. Em épocas de autos físicos, certamente seriam diversos volumes, ocupando escaninhos inteiros dentro dos cartórios. Já os embargos à execução fiscal seguem rito muito mais célere: petição inicial, impugnação, manifestação à impugnação, sentença. Em se tratando de matéria de direito, sequer seria aberta instrução. O que os exemplos nos mostram é que, em se tratando de custas judiciais (modalidade de tributo da espécie taxa), nem sempre o valor da causa é indicativo do custo da atuação estatal.
Nas palavras de Yoshiaki Ichihara[5], “Analisada esta base pelo crivo da materialidade, sendo a taxa uma cobrança decorrente da contraprestação de serviço público ou do exercício do poder de polícia, a referibilidade ou nexo, deve ser sempre relacionada com o custo da atuação estatal. Qualquer desvio deste princípio básico fatalmente tornará a cobrança ilegal ou inconstitucional.”
Custas judiciais fixadas nos moldes do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, cujo teto alcança mais de setenta e cinco mil reais sem dúvida alguma ferem o acesso à justiça, assegurado pelo artigo 5º, inciso XXXV da Constituição Federal (ainda que o litigante sagre-se vencedor e, pelos ônus da sucumbência, seja ressarcido do sucumbente ao final).
Infelizmente, não é este o entendimento esposado pelo Supremo Tribunal Federal, que no julgamento da ADI 3826[6] fixou sua posição no sentido de que “a definição de valores mínimo e máximo quanto às custas judiciais afasta as alegações de óbice à prestação jurisdicional e ao acesso à Justiça”. Na edição da Súmula 667, sobre o mesmo tema, o tribunal reiterou seu entendimento de que apenas a ausência de limites é que viola a garantia de acesso à justiça: “Viola a garantia constitucional de acesso à jurisdição a taxa judiciária calculada sem limite sobre o valor da causa.”
O Código de Processo Civil, entende-se, poderia ter previsto uma sistemática de cobrança de custas intermediárias, por ato, com o intuito de minimizar os efeitos nefastos do cálculo das custas iniciais com base no valor da causa. Contudo, ainda assim defende-se que o argumento de impossibilidade material de cálculo do custo unitário da intervenção estatal não deve ser acatado como justificativa para uma “lucratividade” do Estado com a instituição de uma taxa.
Notas e Referências:
[1] ADI 1444, Relator(a): Min. SYDNEY SANCHES, Tribunal Pleno, julgado em 12/02/2003, DJ 11-04-2003 PP-00025 EMENT VOL-02106-01 PP-00046
[2] BARRETO, Aires Fernandino. Curso de Direito Tributário Municipal. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 168/469.
[3] A Inconstitucionalidade da Taxa de Serviços Administrativos Cobrada pela Suframa, in Revista Dialética de Direito Tributário nº 184, p. 108/109.
[4] SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 458.
[5] ICHIHARA, Yoshiaki. Taxas no Sistema Tributário Brasileiro. 1997, p. 55.
[6] "2. O requerente sustenta que as normas impugnadas violam o disposto nos artigos 5º, XXXV; 145, II e § 2º; 154, I; e 236, § 2º, da Constituição do Brasil, vez que utilizaram, 'como critério para a cobrança das custas ou emolumentos, o valor da causa ou o valor do bem ou negócio subjacente, ou sua avaliação, em face do qual se realiza algum ato de serventia judicial ou extrajudicial' (fl. 3). (...) Assim, com respaldo no entendimento desta Corte, no sentido de que (i) é admissível o cálculo das custas judiciais com base no valor da causa, desde que mantida correlação com o custo da atividade prestada, e de que (ii) a definição de valores mínimo e máximo quanto às custas judiciais afasta as alegações de óbice à prestação jurisdicional e ao acesso à Justiça, voto no sentido da improcedência da ação direta." (ADI 3826, Relator Ministro Eros Grau, Tribunal Pleno, julgamento em 12.5.2010, DJe de 20.8.2010)
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