Natal e ano novo: começo e recomeço  

30/12/2018

 

O período de fim de ano representa uma mistura de sentimentos, positivos e negativos, pelo conflito inerente à natureza do Natal, sua origem enquanto comemoração pagã, de um lado, e seu significado dentro do Cristianismo, de outro.

Para entender um pouco sobre a origem do Natal e os problemas de sua incorporação ao Cristianismo, indico o vídeo “O Cristão pode comemorar o Natal?” (https://www.youtube.com/watch?v=xkMh9eqGo3c) do canal Dois Dedos de Teologia; sendo, ainda, interessante a leitura do livro “Cristãos, Judeus e Pagãos”, de Roque Frangiotti, no qual o tema do Natal também é abordado dentro do contexto do surgimento do Cristianismo.

O ponto positivo do Natal é trazer à memória pública o evento mais importante da História, depois do início da própria História, porque é o recomeço que nos liga ao começo de tudo, remetendo à origem da Humanidade e ao significado de nossa presença nesse planeta.

Natal é Teologia, é um tema ligado ao Criador e sua relação com a Humanidade, referindo-se ao conceito mais profundo de Humanidade. Não é Papai Noel, não é a melhor época para o comércio, ainda que o seja, não é a distribuição de presentes, ainda que o seja.

Natal é a Graça de Deus, o Presente de Deus para nós, nossa nova oportunidade, a despeito de não a merecermos, porque a primeira foi perdida com Adão, no começo que se desviou, no humano que caiu no erro, na tentação, assumindo uma postura egoísta, tentando exercer uma autonomia impossível, de sair do âmbito da Ordem Cósmica, a autonomia de ser superior à Natureza, de desobedecer a Deus, contrariando a Razão que Ele nos deu, o Logos.

Eis porque, como por meio de um só homem o pecado entrou no mundo e, pelo pecado, a morte, e assim a morte passou a todos os homens, porque todos pecaram. Pois até a Lei havia pecado no mundo; o pecado, porém, não é levado em conta quando não existe lei. Todavia, a morte imperou desde Adão até Moisés, mesmo sobre aqueles que não pecaram de modo semelhante à transgressão de Adão, que é figura daquele que devia vir... Entretanto, não acontece com o dom o mesmo que com a falta. Se pela falta de um só todos morreram, com quanto maior profusão a graça de Deus e o dom gratuito de um só homem, Jesus Cristo, se derramaram sobre todos” (Rm 5, 12-15).

O Natal, contudo, só é Natal em conexão com a Cruz, pois é esta que dá àquele momento do nascimento carnal, em unidade simbólica, com efeitos retroativos e atemporais, toda a glória do renascimento humano, na ressurreição, ainda que Jesus já em sua vida tenha manifestado essa mesma glória, cumprindo a vontade do Pai.

Tivesse Jesus caído em tentação, no deserto ou no monte das Oliveiras, ou no Getsêmani, não haveria Cruz ou Natal. E da ideia da tentação surge um grave problema teológico, porque Deus não pode ser tentado: “Ninguém, ao ser tentado, deve dizer: ‘É Deus que me está tentando’, pois Deus não pode ser tentado pelo mal e a ninguém tenta’” (Ti 1, 13).

Se Jesus foi tentado, como narrado pelas Escrituras, então, ele não é Deus, Que não pode ser tentado, pelo que o Natal não representa o nascimento de Deus, e sim da Humanidade, que em Adão era mera figura, que foi realizada, tornada real, enfim, em Cristo. Se Jesus não pudesse errar de fato, caindo em tentação, seu mérito não seria o mesmo, pelo que a possibilidade de erro era real e concreta; contudo, Deus não está sujeito sequer à possibilidade de errar, ao contrário de Jesus, o que reforça que conceitualmente a trindade é teologicamente equivocada. Por isso o Natal significa o nascimento do Humano, em sua perfeição original, ideal, que enfim foi concretizada, na Cruz.

Existe, pois, simultaneamente, uma continuidade, que é o recomeço, e uma ruptura, o começo de novo, da Humanidade, pelo Natal, é o nascimento do alto, do Espírito: “Em verdade, em verdade, te digo: quem não nascer da água e do Espírito não pode entrar no Reino de Deus. O que nasceu da carne é carne, o que nasceu do Espírito é espírito” (Jo 3, 5-6).

O Natal é o novo nascimento, depois que o vivo nasce da Vida, o mesmo vivo nasce na Vida, quando o Espírito vence a carne, quando a tentação é superada pela obediência a Deus, quando o indivíduo humano encarna em si a Humanidade de todos, respeitando a Ordem, encarnando o Logos.

Nesse período de renovação, quando um ciclo natural se completa, no solstício, e nasce um ano novo, que, de fato, é a continuidade do velho, mas com nova cara, devemos entender que o Natal é permanente, o Natal de Cristo ocorre todos os dias, sete dias por semana, vinte e quatro horas por dia, o tempo todo, no ciclo sem fim, que é a Vida eterna, quando aceitamos a Cruz, que, contraditoriamente, nos coloca diante do Amor de Deus, que é Infinito, porque o Natal só tem valor uma vez que a tentação foi superada, a Cruz foi aceita, permitindo que a graça de Deus e o dom gratuito de um só homem, Jesus Cristo, fossem derramados sobre todos, tornando-nos Humanidade, tendo a Ressurreição manifestado o verdadeiro nascimento de Cristo, nascimento perpétuo, na anunciação, no natalício em si, quando vencida a tentação e na ressurreição, símbolo definitivo do Natal, o fruto da Vida.

De modo análogo também vós, meus irmãos, pelo corpo de Cristo fostes mortos para a Lei, para pertencerdes a outro, àquele que ressuscitou dentre os mortos, a fim de produzirmos frutos para Deus. Quando estávamos na carne, as paixões pecaminosas que através da Lei operavam em nossos membros produziram frutos de morte” (Rm 7, 4-5).

O verdadeiro Natal é a Ressurreição, é a aceitação do Espírito que supera a morte, “pois, se os mortos não ressuscitam, também Cristo não ressuscitou. E, se Cristo não ressuscitou, ilusória é a vossa fé; ainda estais nos vossos pecados” (1Cor 15, 16-17). Natal não é nascimento do perecível, e sim do imperecível; é a fé segundo a qual a Vida está no corpo e além do corpo mortal, do que passou pelo primeiro nascimento e pelo renascimento, é a fé na Vida que nasce do Espírito, diariamente, quando nos expomos à morte, pela Vida.

E nós mesmos, por que a todo momento nos expomos ao perigo? Diariamente estou exposto à morte, tão certo, irmãos, quanto vós sois a minha glória em Jesus Cristo nosso Senhor. De que me teria adiantado lutar contra os animais em Éfeso, se eu tivesse apenas interesses humanos? Se os mortos não ressuscitam, comamos e bebamos, pois amanhã morreremos” (1Cor 15, 30-31).

E aqui reside um dos problemas das festas de fim de ano, quando comemos e bebemos além da conta, sem moderação, sem medida. Podemos, sim, celebrar a vida, a Graça de Deus em nós, em comunhão com os que amamos, o que pode ser feito também nos feriados de fim de ano, quando as famílias se reúnem para celebrar o Natal e o Ano Novo, mas sem que nos esqueçamos de vigiar, orar e dar o Bom exemplo, que deve ser a conduta permanente do Cristão, para não cairmos em pecado, vivendo apenas o mundo, em detrimento do Espírito, e para não sermos surpreendidos por um julgamento iminente, humano ou divino.

Cuidado para que vossos corações não fiquem pesados pela devassidão, pela embriaguez, pelas preocupações da vida, e não se abata repentinamente sobre vós aquele Dia, como um laço; pois ele sobrevirá a todos os habitantes da face de toda a terra. Ficai acordados, portanto, orando em todo momento, para terdes a força de escapar de tudo o que deve acontecer e de ficar de pé diante do Filho do Homem” (Lc 21, 34-36).

Que o fim de ano, o natal, o Natal, seja, enfim, um recomeço, o começo da Humanidade, para que estejamos acordados, sóbrios, ainda que alegres, em Paz, por meio de um compromisso, uma aliança com o melhor de nós, da Humanidade, dos filhos de Deus, desde já, agora, e para sempre, Amém!

 

Imagem Ilustrativa do Post: God // Foto de: John Christian Fjellestad // Sem alterações

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