Narremos no Direito – Por Paulo Silas Taporosky Filho

22/01/2017

Ah, a importância de contar histórias. Precisamos dinamizar as coisas. A fala e a escrita devem ser feitas para serem compreendidas. Não se diz aqui de pecar pela simplicidade rasa, mas de tornar as coisas mais palatáveis. O complexo, e muito assim no Direito o é, deve ter suas estruturas respeitadas, o que não significa que ao lançar uma ideia para sua forma escrita o texto deva ser intrincado. Digo isso enquanto a escrita produzida no fenômeno processual. As peças processuais são escritas para serem lidas (assim sempre se espera), de modo que aquele que as redige deve levar em conta que o texto é produzido para o outro.

Alexandre Morais da Rosa assim evidencia a questão aqui exposta:

É preciso contar histórias. E isso deve ser aprendido. Alguns nascem sabendo como fazer. Outros precisam ser ensinados. A narrativa precisa contagiar. Conhecemos bons e maus contadores de piadas, assim como bons e maus narradores de versões processuais. No processo oral, a partir da mesma informação probatória podemos depender de quem conta, da forma com que conta, enfim, do potencial de contaminação do conteúdo.[1]

Isso vale de igual forma para a narrativa enquanto falada. Numa sustentação oral, por exemplo, é preciso ser objetivo, se ater ao que ali estiver em jogo, adotando uma postura cuja fala seja convincente. Se já é difícil chamar a atenção para mais um caso que está sendo julgado numa sessão, imagine se o orador não fizer um bom uso da palavra. Daí que trabalhar em cima disso é fundamental para um bom desempenho. Há de se dinamizar a compostura de modo que aquilo que é dito e escrito seja feito de maneira profícua. A narrativa exerce aqui um papel essencial.

Uma proposta interessante e que merece atenção é a Teoria Narrativista do Direito de José Calvo González. O jurista explana que “a Teoria Narrativista do Direito pretende dinamizar as narrativas desniveladas do raso modelador, da igualdade simbólica, do selecionado como narrativas da Verdade infalível e indivisível do Direito[2]. É, como diz Paulo Ferrareze Filho, evidenciar a necessidade de “pensar, antes, a coerência das narrativas fáticas e, depois, a coerência das normas segundo sua criteriologia[3], já que teoria e jurisdição se detêm na norma (“onde o direito não está”).

Repensar a forma de se contar aquilo que precisa ser dito é a chave da questão. E isso precisa ser colocado em prática, começando, por exemplo, pela forma com a qual se redige um documento jurídico. É ir para além do “copia e cola”, das citações doutrinárias e jurisprudenciais (que muitas vezes nem mesmo que as faz lê) utilizadas apenas para dar mais volume à peça, da redação impensada, do texto confuso. É dar vida ao texto por uma perspectiva literária, por exemplo. O estudo do Direito em conjunto com a literatura é algo bastante salutar. Lenio Streck evidencia muito bem isso:

Não tenho dúvida de que a literatura pode ensinar muito ao direito. Faltam grandes narrativas no direito. A literatura pode humanizar o direito. Há vários modos de dizer as coisas. Uma ilha é um pedaço de terra cercado por água, mas também pode ser um pedaço de terra que resiste bravamente ao assédio dos mares. É comum dizer que o galo canta para saudar a manhã que chega; mas, quem sabe, ele canta melancolicamente a tristeza pela noite que se esvai.[4]

Já que há vários modos de dizer as coisas, utilizemos aqueles que soem mais agradáveis, mais compreensíveis, mais dinâmicos. Repito que não se trata de ser simplório, mas sim de ser pontual dizendo o que de fato vale e deve ser dito. Contar histórias é uma arte[5]. Busquemos e aprimoremos, portanto, essa arte, a fim de que possamos narrar, cada vez mais e melhor, no Direito.


Notas e Referências:

[1] ROSA, Alexandre Morais da. Guia Compacto do Processo Penal Conforme a Teoria dos Jogos. 3ª Ed. Florianópolis: Empório do Direito, 2016. p. 459.

[2] GONZÁLEZ, José Calvo. Direito Curvo. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2013. p. 57

[3] FERRAREZE FILHO, Paulo. Manual Politicamente Incorreto do Direito no Brasil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016. p. 46

[4] Ibidem p. 227.

[5] https://artrianon.com/2016/12/15/a-arte-de-contar-historias/


 

Imagem Ilustrativa do Post: 70's Typing // Foto de: Sarah Scicluna // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/sarahxic/3113628758

Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura