Na cadeira do barbeiro o impeachment

03/12/2015

 Por Leonardo Isaac Yarochewsky - 03/12/2015

No início da semana, portanto antes da atitude mesquinha e retaliatória do presidente da Câmara, estava fazendo a barba em uma barbearia na mesma rua em que fica o meu escritório, quando o barbeiro, com sua afiada navalha próximo ao meu pescoço, indagou: “Doutor, a Dilma não vai cair?”. Evidentemente, o gentil barbeiro esperava uma resposta positiva de minha parte. Antes de respondê-lo perquiri ao barbeiro: “Por que você me pergunta isso?” Sem pensar o barbeiro me respondeu: “Doutor o preço da gasolina na estrada está quase chegando a cinco reais”.

O preço da gasolina está um absurdo; a carne ficou mais cara; a venda de carro zero caiu no último mês; o trânsito piorou; a mensalidade da escola aumentou; comer fora está inviável; o preço de dólar disparou; as ações da Petrobrás caíram; faltou luz; faltou água; o desemprego aumentou; o senador foi preso; o delator foi solto; a polícia prendeu, mas o juiz soltou; o Joinvile caiu; o Aécio perdeu; a chuva acabou; o calor aumentou; a mulher separou; o homem enfartou.

A culpa é da Presidenta! Não faltam razões para o impeachment! Será?

Não resta dúvida que boa parte da sociedade, principalmente da classe médio-alta e da elite, está desde o primeiro dia do ano querendo arrancar – este é o termo – Dilma Rousseff da Presidência da República. Naquele dia 26 de outubro, um domingo chuvoso  – pelo menos em Belo Horizonte - assim que foi proclamado o resultado de uma das mais acirradas e brigadas eleições presidenciais deu-se início ao “terceiro turno”. A oposição, principalmente o PSDB, inconformado com mais uma derrota para o PT iniciou uma campanha sórdida e prejudicial ao país contra a Presidenta da República. É evidente e até saudável para democracia que haja oposição. Mas que haja oposição consciente, responsável e lúcida. Oposição que almeja sim o poder, mas que coloca os interesses da República e do povo brasileiro em primeiro lugar.

Para justificar a perda do mandato da Presidenta da República, eleita com mais de 54 milhões de votos, não basta, como pretendia o barbeiro, que o preço da gasolina esteja alto, que tenha faltado água, que a inflação tenha aumentado ou, ainda, uma crise econômica. Isto pode ser bons motivos para criticar o governo, para questionar a política econômica etc., mas em hipótese alguma para o impeachment da Presidenta. O impeachment é uma medida drástica, extrema e excepcional. Não pode ser instrumento utilizado para satisfazer interesses pessoais.  A insatisfação política deve ser demonstrada através do voto em eleições livres e democráticas como a que elegeu a presidenta Dilma. Para que seja declarado o impedimento e cassado o mandato da Presidenta da República é necessário e imprescindível, de acordo com a Constituição da República (CR), que a Presidenta tenha praticado crimes de responsabilidade que atentem contra a própria Constituição e especialmente contra o que dispõe o art. 85, incisos I a VII da CR. Por seu turno a Lei nº 1.079, de 10.04.1950, em atendimento ao princípio da legalidade define os crimes de responsabilidade.

Dentre os crimes previstos, em estrita obediência ao princípio constitucional e penal da legalidade estrita e da taxatividade, por mais que a vingança e ódio queiram não se pode atribuir à Presidenta da República Dilma Vana Rousseff nenhum dos crimes previstos em lei. Vale aqui citação de parte do culto, técnico e substancioso parecer emitido pelos juristas, professores e doutores JUAREZ TAVARES e GERALDO PRADO, in verbis:

As pressões pela ‘flexibilização dos mandatos presidenciais’ via ampliação das hipóteses de impeachment, para abranger situações não enquadráveis, taxativamente, no art. 85 da Constituição – ou ainda para alargar o conceito de ‘crime de responsabilidade’ – atentam contra o significado da proteção constitucional ao voto direto, secreto, universal e periódico. É neste sentido que MARTINEZ investe contra o que denomina como ‘tergiversação jurídica’, que afeta a segurança jurídica do sistema democrático ao permitir o emprego do ‘juízo político’ ‘como um mecanismo de responsabilidade política, de controle da atuação cotidiana do presidente’ e termina por afirmar tratar-se de um recurso inconstitucional. No Brasil a questão ganha contornos mais delicados dado o fenômeno que os cientistas sociais observam, relativamente a ‘atitudes ambivalentes perante a democracia’[1].

É evidente que a Câmara dos Deputados não pode e não deve admitir a acusação de crime de responsabilidade contra a Presidenta da República, de igual modo, caso a Câmara aceite, o que seria um absurdo e se admite ad argumentandum tantum, o Senado não pode condena-la por crime que a mesma não praticou e por conduta que sequer está descrita como crime.

Por mais que os oportunistas de plantão e os fascistas convictos desejem, a legalidade democrática e ordem constitucional prevalecerão para que meu barbeiro, inclusive ele, possa continuar vivendo em um Estado Democrático de Direito.

Belo Horizonte, Primavera de 2015.


Notas e Referências:

[1] http://emporiododireito.com.br/wp-content/uploads/2015/12/Parecer-Dilma-completo-e-definitivo-2015-assinado.pdf


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. Leonardo Isaac Yarochewsky é Advogado Criminalista, Professor de Direito Penal da PUC Minas, Membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP). . .


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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