Há uma vaga para ministro(a) do Supremo Tribunal Federal (STF) que deveria ser ocupada por uma mulher e negra, mas, por quê?
Oportuno, inicialmente, salientar que, mulheres e homens, ao longo da história, desempenhavam papéis sociais muito distintos. E por vários séculos, a mulher viveu (e ainda vive) numa cultura patriarcal e machista, onde o papel da mulher na sociedade estava direcionado exclusivamente para as atividades domésticas e familiares. Essa divisão sexista de gênero insculpida na formação e organização da sociedade resultou em desigualdade na representação da mulher nos espaços institucionais públicos e privados que ainda persiste na atualidade, ocasionando sub-representação feminina nos espaços de poder públicos e privados, configurando uma lacuna a ser superada.
No âmbito do Poder Judiciário, por exemplo, verifica-se que apenas três mulheres (num universo de 26 homens) tornaram-se ministras do Supremo Tribunal Federal (STF): Ellen Gracie, Cármen Lúcia e Rosa Weber. As nomeações ocorreram entre 2000 e 2011. Em que pese as mulheres estarem representadas na atual composição do STF, somente 2 (duas) das 11 (onze) cadeiras são ocupadas por mulheres. No entanto, é importante destacar que apesar de ocuparmos diversos cargos no Judiciário brasileiro, a representatividade das mulheres nas instituições judiciárias ainda está aquém das expectativas.
Vale destacar que, como estudantes, somos maioria nas Instituições de ensino superior, de acordo com dados do Censo da Educação Superior[1], realizado em 2021, pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) em parceria com o Ministério da Educação (MEC), 61% dos(as) estudantes concluintes de graduações no ano de 2021 são mulheres, além disso, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2021, as mulheres representavam 51,1%[2] da população brasileira, logo, estamos sub-representadas.
Nesse contexto, o Poder Judiciário encontra-se em débito com a população feminina, considerando que apenas em novembro de 2000, a Ministra Ellen Gracie, foi a primeira mulher a ocupar uma cadeira na Suprema Corte brasileira. Tal débito origina-se desde a criação das instituições judiciárias, tendo perdurado até o início do ano século XXI, considerando que a primeira mulher a compor o quadro de um Tribunal Superior foi a jurista baiana Eliana Calmon, tendo exercido o cargo de Ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no período de 1999 a 2013.
Esse débito é ainda maior no que se refere às mulheres negras. Nossa história é permeada pela escravidão e se constitui a partir de ideologia racista, de superioridade de uma raça sobre as demais, que se mantêm mesmo após abolição. Ademais, essa ideologia é alimentada pela discriminação de gênero e se difunde no país como matriz para a participação de mulheres negras nos espaços de poder, contribuindo para a construção de barreiras ao acesso e permanência das mulheres não brancas nesses espaços.
Dessa forma, é possível dizer que a interseccionalidade existente nos marcadores de desigualdades sociais de raça e gênero constituem a formação histórica da sociedade brasileira, em suas dinâmicas sociais e estruturas, atuando na produção e manutenção de hierarquias de gênero e raça nos espaços públicos, nos permitindo compreender que a presença e/ou ausência das mulheres nesses espaços, em especial nos Tribunais Superiores, perpassa pela colisão das estruturas de poder, de política e das instituições jurídicas.
Considerando que o sistema de justiça vigente numa democracia pluralista e igualitária deve guardar consonância com a diversidade existente em sua população, bem como diante do débito histórico no que se refere às mulheres negras, reforça-se a urgente e necessária nomeação de uma mulher negra para ocupar a vaga de Ministra do Supremo Tribunal Federal (STF), pois, as instituições jurídicas não devem se desvincular das discussões e dos fatores sociais que contribuem para a (des)construção das estruturas identitárias discriminatórias, visto que a manutenção desses marcadores sociais da diferença restringe oportunidades e reproduz desigualdades de raça e gênero existentes em nosso país.
Por fim, conclui-se que, há muitas mulheres negras dotadas de notório saber jurídico e reputação ilibada, capazes de preencher os requisitos constitucionais necessários para a nomeação para o cargo de Ministra do STF, uma vez que a representação de gênero e raça nos espaços decisórios são essenciais para a consolidação de uma democracia igualitária.
Notas e referências
[1]Fonte:https://download.inep.gov.br/educacao_superior/censo_superior/documentos/2021 apresentacao_censo_da_educacao_superior_2021.pdf. Acesso em 9 de maio de 2023.
[2] Fonte: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101957_informativo.pdf
BRASIL. CNJ. Diagnóstico da Participação feminina no Poder Judiciário. Publicado no ano de 2019. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2021/08/relatorio-participacaofeminina.pdf Acesso em 08 maio 2023.
BRASIL. CNJ. Gestão de memória do Poder Judiciário. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/gestao-documental-e-memoria-proname/gestao-de-memoria/memoria-do-poder-judiciario-historia-e-linha-do-tempo/#:~:text=Pela%20import%C3%A2ncia%2C%20essa%20data%20tornou,Tribunais%20de%20Rela%C3%A7%C3%A3o%2C%20totalizando%20onze. Acesso em 08 maio 2023.
BRASIL. STF. Supremo marca pioneirismo das mulheres no Judiciário brasileiro. Publicado em 08/03/2021. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=461793&ori=1 Acesso em 08 maio 2023.
BRASIL. INEP. Censo da Educação Superior – 2021. Disponível em: https://download.inep.gov.br/educacao_superior/censo_superior/documentos/2021/apresentacao_censo_da_educacao_superior_2021.pdf. Acesso em 9 de maio de 2023.
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