Mulheres encarceradas: dupla punição no ordenamento jurídico brasileiro e o espaço prisional

29/12/2018

Universo da pesquisa;

Desde a Antiguidade verifica-se a ausência das mulheres nos relatos dos feitos históricos da humanidade. Por serem caracterizadas como gênero frágil, elas não participavam dos espaços públicos destinados aos homens, sendo tais espaços o marco de grandes acontecimentos da sociedade, restando para elas apenas o desprezo por conta de suas condições.

Ante o estereótipo enraizado na sociedade de que os homens possuíam papéis distintos dos que eram concedidos às mulheres, no Brasil, o Código Civil de 1916, que vigorou até 2002, concedia ao marido a posição de chefe da sociedade conjugal. A mulher que contraia matrimônio era considerada relativamente incapaz e, até a edição do Estatuto da Mulher Casada, Lei n. 4.121, de 27 de agosto de 1962, esta só́ podia exercer profissão ou aceitar mandato com autorização do marido (BRANCO, 2013).

Além disso, “em razão da construção social e cultural em torno de sua condição biológica, as mulheres experimentaram e seguem experimentando uma forma bastante particular de violação a direitos humanos”, pois não bastando as agressões verbais, elas ainda são subjugadas a comportamentos discriminatórios e “são vítimas de diversas formas de violência dentro de suas casas, nos ambientes de trabalho e em espaços públicos, diferenciando-se profundamente das definições tradicionais de direitos humanos” (GONÇALVES, 2013, p. 90-93).

Traçando um paralelo entre a consagração constitucional da igualdade entre os sexos e as diferenças de tratamento que permanecem, e “olhando para a história, se compreende como é possível que, em pleno século XXI, tenha sido necessária a edição de uma Lei como a Maria da Penha, Lei n. 11.340/2006”. Visando, pois, buscar coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher que também sofre discriminação, alijamento das práticas sociais, baixos salários em relação aos do sexo masculino, dentre outros problemas. (BRANCO, 2013, p. 84).

Não obstante, a busca pelo lugar ao sol das mulheres ainda se depara com uma luta incansável por mudanças sólidas e efetivas. Torna-se notório, então, que para fazer valer os direitos das mulheres e de outros grupos vulneráveis, não basta simplesmente estarem asseverados na Constituição Federal, assim como não basta apenas a incorporação legislativa infraconstitucional. “A norma, por si, é importante instrumento, mas apenas ela não leva à efetivação do direito” (ARAÚJO, 2013, p. 31).

Afinal, é um fato a lei dever tratar a todos igualmente, mas, da mesma forma, ela deve também tratar desigualmente os desiguais, não devendo isso ser encarado com hostilidade. Cada passo dado em direção aos direitos das mulheres, tanto pelo poder público quanto pela sociedade, precisa contribuir para que o machismo cultural, que coloca a mulher de forma inferior, acabe e se estabeleça a verdadeira igualdade entre mulheres e homens.

 

Peculiaridades da mulher encarcerada;

São diversas as violações sofridas pelas mulheres que passam pelo sistema carcerário. Desde a violência no momento da detenção, problemas enfrentados dentro da prisão devido às más condições, superlotação, deficiências na assistência à saúde o que eleva o risco de contágio de doenças, até a dificuldade de conseguir emprego após o egresso. Todavia, não são apenas esses os empecilhos enfrentados pelas mulheres, existindo, ainda, a necessidade de lidar com demandas específicas do gênero, ou seja, é preciso que também cuidem de suas peculiaridades.

Ainda assim, com a Constituição da República de 1988, foi assegurado e reconhecido o caráter fundamental de direitos individuais das mulheres que deveriam cumprir sanções penais. Sendo assim, apesar da necessidade de estabelecimentos distintos em razão do sexo, às mulheres reclusas foram asseguradas algumas condições especiais, como a possibilidade de permanecer com seus filhos durante o período de amamentação, nos termos dos incisos I, XLVIII e L, do artigo 5º, da Constituição da República de 1988, consoante com o disposto no artigo 89, da Lei de Execução Penal (DALMÁCIO; CRUZ, 2014).

O Departamento Penitenciário Nacional, (DEPEN), reconheceu existir singularidades femininas e declarou também, que:

O cárcere de mulheres possui peculiaridades se comparado ao cárcere de homens, e que, por isso, os normativos para a população prisional feminina precisam ser diferenciados, principalmente na questão da estrutura física, de necessidades materiais específicas, de maternidade, de permanência e separação das mães e filhos entre outros; o que fez com que surgissem inúmeras leis de proteção às mulheres encarceradas, tais como: a Convenção de Belém do Pará, a Lei de Execução Penal e suas alterações, a Resolução nº 04/2009, as Regras de Bangok e a própria Constituição Federal, sendo, tais documentos essenciais para dar inicio a um quadro de melhora no encarceramento da mulher infratora (COSTA; BATISTA, 2012, p. 2).

Na prática, entretanto, estes direitos e assistências impostos às encarceradas são constantemente violados, como se vê diariamente nos noticiários. A realidade dos ambientes insalubres, da falta de vagas nos estabelecimentos prisionais, dos diversos casos de tortura moral e até abusos físicos é constantemente traga à tona pela mídia. Vale destacar que soma-se a isso também outras mazelas que afligem essas detentas, tal como a maneira em que o Estado aparenta punir de forma mais grave essas mulheres em relação aos homens (CHACON, 2015).

Percebe-se então que faz-se necessário que o país ponha em prática os instrumentos normativos de proteção às encarceradas e também busque conscientizar mais população sobre essa problemática, “fazendo-a compreender que a carcerária, independente de onde se encontre ou qual tenha sido a sua conduta, é uma mulher como qualquer outro cidadão, não importando sua cor, classe social ou gênero” (COSTA; BATISTA, 2012, p. 8).

Contudo, diante o exposto, restou-se claro que as diferenças entre os sexos são visíveis, não sendo uma questão de preconceito tratá-los de forma diferente quando necessário. É sabido, pois que o Brasil como um Estado Democrático de Direito, não falha quanto à iniciativa legislativa para proteção da mulher, a qual possui todas as suas particularidades reconhecidas e resguardadas pela legislação, sendo necessário apenas o aprimoramento com relação a colocar em prática essas normas estipuladas.

 

Processo de dupla estigmatização

São muitos os dissabores que ainda margeiam a dignidade feminina em todo o mundo e ao longo da história, a luta das mulheres sempre foi pontuada por tragédias e injustiças enquanto buscavam por uma vida livre de violência e pela igualdade de direitos e oportunidades. Ainda assim, por mais que as mulheres conquistem influência social e direitos políticos, as restrições no âmbito pessoal continuam por atrasar o seu desenvolvimento.

Em boa parte do mundo, bem como no Brasil, reconhecer e aceitar o fato da mulher poder estar associada a práticas ilícitas não foi algo simples e nem brando. “Esperar que um ser dotado de feminilidade, recato, docilidade e delicadeza, praticasse ações que fossem contra a moral e os bons costumes e, além de tudo, prejudicasse outrem, era quase inimaginável” (SILVA, 2015, p. 159).

A visão cultural da população brasileira sobre a mulher não é diferente da ótica das outras sociedades que a rotulam como sentimental e cuidadora da família, sendo um ser dócil e submisso. No entanto, caso a mesma esteja presa, essa visão muda, pois, dentro da realidade carcerária, a mulher julgada acaba sendo moralmente exposta, agravando a situação de como é vista pela coletividade e intensificando a desigualdade de gênero na sociedade brasileira.

Ainda neste particular, Olga Espinoza observa a situação diferenciada da mulher presidiária asseverando que: “interessa destacar que o estigma que normalmente cerca a mulher se origina não só do exterior, mas, igualmente do próprio interior da reclusa, que não aceita a prisão e pretende proteger aos que ama”, pois, para essa autora, a detenta acaba “afastando-os, possivelmente para justificar a rejeição que o cárcere provoca” (2004, p. 153).

De fato, a mulher sofre um processo de dupla estigmatização, visto que, “criada por uma cultura machista, que lhe reserva os papéis de manutenção e guarda de filhos, a mulher criminosa acaba recebendo mais severa reprovação social, bem como manifesta mais elevada penitência interior”, o que acaba sendo transmitindo para seus entes familiares. “Todas estas circunstâncias clamam, portanto, por um serviço de assistência social especializado” (BESSA, 2007, p. 123-124).

Por fim, é certo que a mulher continuará em uma batalha árdua, não para vencer os homens, mas para alcançar a justiça que lhe é devida, fugindo do anonimato causado pela sombra de uma sociedade altamente patriarcal e, em diversos momentos, ultrapassada. Afinal, a mulher pode ser delicada e de menor força, todavia, sua fragilidade não afeta sua potência, e a sua vontade de lutar e vencer.

 

Legislações aplicáveis;

Atualmente, as leis que visam proteger as encarceradas são inúmeras e fundamentais, sendo, inclusive, instituída na Carta Magna como um de seus pilares, a dignidade da pessoa humana, afirmando que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza ou gênero. No entanto, é de se observar que os direitos das mulheres presas são constantemente feridos, restando demonstrada a cruel distância entre teoria e prática, em razão da perceptível falta de os instrumentos normativos serem colocados em prática.

São diversas as legislações direcionadas às mulheres, as quais, através de muito lutar, acabaram por alcançar seus direitos e garantias, ainda que estes direitos nem sempre cheguem a seus alcances.  Nesse prisma, aduz Ana Carolina de Morais Colombaroli, que: [...] “as políticas penitenciárias foram pensadas pelos homens e para os homens. As mulheres são, portanto, uma parcela da população carcerária situada na invisibilidade, suas necessidades por muitas vezes não são atendidas, sua dignidade é constantemente violada”. (2011, p. 4).

Diversos dispositivos foram criados em prol da mulher, tal como a Convenção de Belém do Pará, a Lei nº 12.121/2009, a qual determinou que os estabelecimentos penais femininos tivessem por efetivo de segurança interna, somente agentes do sexo feminino, a Lei nº 11.942/2009, assegurando condições mínimas de assistência às mães presas e aos recém-nascidos, a resolução nº 04/2011, criada com o objetivo de discriminar as necessidades e direitos da mulher carcerária, além de garantir a igualdade de gênero nas políticas públicas, bem como as Regras de Bangkok, tratando das especificidades da mulher encarcerada e de medidas não privativas de liberdade para as mesmas, entre muitas outras (COSTA; BATISTA, 2012).

No mais, restou-se claro que a mulher, apesar de sua busca em se inserir de forma igualitária na sociedade, ainda deve ser vista sob uma ótica diferenciada por conta de o gênero feminino demandar maior zelo. Ademais, isso não significa que este seja superior ao masculino, mas apenas esclarecendo que algumas especificidades aspiram maior atenção, razão pela qual surge a necessidade de diplomas legais que lhes assegurem direitos, principalmente com relação às encarceradas. Logo, a prisão da mulher que é mãe apresenta implicações não só em sua vida, mas também significativamente na vida de sua prole.

Diante desta realidade, resta clara a necessidade de um acompanhamento do Estado por meio de assistentes sociais que supervisionem essas mulheres, principalmente no campo da Execução Penal, para que seus direitos sejam garantidos e para que elas possam ter condições de reestabelecer uma boa relação com sua família. Bem assim, por meio desse auxílio, ainda que com limitações, os assistentes sociais poderão e deverão buscar amenizar a verdadeira condição na qual essas encarceradas estão inseridas.

 

Estrutura do sistema prisional;

Como já visto, o Brasil conheceu, desde a época de seu descobrimento, os mais severos tipos de regimes repressivos, quando as mais cruéis expressões de violência recaiam sobre o corpo do condenado, não existindo o menor envolvimento com a ética e a moral, mas apenas com a vingança por meio de castigo, o qual acabava por ser desproporcional ao mal causado.

Ademais, a história do sistema prisional brasileiro começou a se difundir com a de Portugal, tendo, na época, vigorado as Ordenações Afonsinas, promulgadas em 1446, sob o reinado de D. Afonso V, as quais, entretanto, “não tiveram influência no Brasil, pois, neste período que vigorava o regime das capitanias, o arbítrio dos donatários é que impunha as regras jurídicas, instalando-se um regime jurídico despótico” (BITENCOURT, 2003, p. 26).

Bem depois, em 1921 foi inaugurada a “Penitenciária do Estado”, no Carandiru, que durante muito tempo foi prestigiada por seus aspectos arquitetônicos e administrativos, entretanto, aos poucos, “tal estabelecimento foi esmorecendo, chegando a pontos críticos, ocorrendo um massacre em 02 de outubro de 1992, com a morte de 111 presos, por integrantes da Polícia Militar de São Paulo” (BIZATTO, 2005, p. 28).

No Brasil, pode-se dizer que a raiz do problema enfrentado pelo sistema prisional encontra-se, principalmente, nos anos da ditadura, os quais trouxeram graves consequências por serem utilizadas unidades militares como locais de custódia e detenção, priorizando-se ações de repressão e vigilância. Em consequência, por inércia ou pouco caso do Estado com relação às questões penitenciárias, o sistema foi levado ao descrédito, tornando os presídios obsoletos e instáveis. Medo e pavor tornou-se a realidade daquilo que era para ser uma garantia de segurança para a população (BIZATTO, 2005).

Pode-se, lamentavelmente, afirmar que a sociedade brasileira enfrenta total perplexidade e desgosto frente ao paradigma do atual sistema prisional. Na visão de Célia Regina Nilander Maurício, “as cadeias e penitenciarias brasileiras são reais depósitos humanos, em que mulheres e homens são amontoados sem um pingo de dignidade que merecem como seres humanos”. Bem assim, o excesso de lotações das penitenciárias e presídios contribui para piorar a situação do sistema carcerário (2011, p. 66).

A expectativa para a estrutura do Sistema Prisional, de acordo com a Lei nº 7.210/1984, seria a de organizar, supervisionar e também regular o jeito como se deve punir, deixando o indivíduo de ser “mero objeto da execução para transformar-se em pessoa humana que, imperfeita por natureza ou por razões sociais, tem condições de retornar ao convívio social”, proporcionando condições para a sua integração social (BIZATTO, 2005, p. 63).

A referida Lei possui deveres claros, tais como a reeducação do preso baseada no trabalho, boa higiene nos ambientes prisionais, harmônica integração social do condenado, alimentação, vestuário e instalações higiênicas, assistência social e respeito à sua integridade física e moral. Entretanto, mesmo sendo considerada uma norma de primeiro mundo, a Lei de Execução Penal tem encontrado diversos obstáculos no que tange à sua aplicabilidade, principalmente pela falta de entendimento da sociedade quanto a sua finalidade (BRASIL, 1984).

Não obstante, as mulheres que se encontram dentro deste mundo como presidiárias, na maioria das vezes acabam por suportar a negação de seus direitos por conta de um sistema caótico que precisa de reestruturação. Ademais, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 3º, inciso IV, estabelece como fundamental, entre vários objetivos da República, o de assegurar o bem estar de todos, sem qualquer distinção ou descriminação, sendo, então, obrigação do governo retratar o cenário precário que é o encarceramento dessas mulheres (BRASIL, 1998).

 

Os direitos fundamentais e o princípio da dignidade da pessoa humana;

A luta pelos direitos fundamentais das mulheres com o intuito de que haja, entre outras coisas, proteção à dignidade humana em seu mais amplo sentido, sempre percorreu uma trajetória árdua até que esses direitos fossem reconhecidos, sem os quais a vida se torna algo impossível de ser vivida de forma plena e digna. Por serem vetores estruturantes, os direitos à proteção do gênero feminino e à sua autodeterminação tornaram-se bases para a positivação e normatização dos direitos fundamentais, buscando dar maiores chances aos mais fracos em relação aos mais fortes. 

O marco da Revolução Francesa e, consequentemente, a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, foi de grande importância para que se aperfeiçoa-se os direitos humanos, tendo como fundamento, principalmente, a igualdade, fraternidade e liberdade e, de acordo com o objetivo da declaração, a finalidade de “declarar solenemente os direitos naturais, inalienáveis e sagrados do homem, como uma lembrança permanente ao corpo social dos seus direitos e, também, dos seus deveres” (GRECO, 2011, p. 27).

Outrossim, alguns atos internacionais de proteção dos direitos humanos, apesar de nem sempre desempenharem um papel constitutivo, possuem natureza afirmativa e essencial, pois visam à proclamação formal de valores já disseminados na sociedade internacional, facilitando a individualização e a compreensão dessas prerrogativas. Considerando que os direitos humanos estão estritamente relacionados à ética e à moral de toda uma sociedade, ou seja, seus costumes, regras e tabus, “pode-se afirmar que os direitos que melhor reflitam esses valores serão aqueles com maiores chances de êxito na implementação, ainda que não seja divisada a existência de um ato formal contemplando-os” (GARCIA, 2015, p. 47).

Certamente, é importante realçar que os direitos fundamentais apesar de visarem uma vida digna, vão além dos direitos básicos individuais, pois são baseados nos próprios direitos humanos, garantindo a liberdade, a igualdade, a educação, a segurança, entre outros, pois advêm da própria natureza humana, daí seu caráter inviolável, intemporal e universal. Ainda assim, em um Estado Democrático de direito, é sabido que deve-se considerar todos de forma análoga, bem como tratar de forma especial os considerados de setores fragilizados, como por exemplo, as mulheres. 

Assim sendo, o conjunto de bens e valores que permitem que o Estado se desenvolva, apesar de amplamente garantidos, acabam por necessitar de mais do que estarem resguardados na Constituição. Para se fazer valer essas prerrogativas, tanto com relação às mulheres, quanto com relação aos outros grupos de vulneráveis, é preciso mais, é preciso de campanhas do Estado envolvendo os cidadãos, promovendo a divulgação dos direitos concernentes a cada grupo, impulsionando a cidadania para que os direitos efetivamente se cumpram.

 

Posicionamento dos tribunais;

É de se saber que a jurisprudência pode ser compreendida como uma fonte, aonde diversas decisões judiciais de tribunais buscam solucionar conflitos de casos semelhantes e os interessados podem utilizar tais julgamentos em suas próprias causas, interpretando e aplicando tais normas para garantir a legitimação da democracia, servindo como parâmetro para outros julgamentos. Com o passar do tempo os posicionamentos podem acarretar mudanças, renovando-se, visando uma melhora na sociedade na medida em que esta evolui.

Um exemplo do exposto pode ser dado pelo julgado do Supremo Tribunal Federal onde o Ministro Relator Luiz Fux no Habeas Corpus n. 109960 – DF, publicado em 29 de agosto de 2011, indeferiu o pedido de liberdade provisória de Giseli Cristina do Nascimento, presa cautelarmente, a qual alegava sofrer constrangimento ilegal. Alegou a ré que havia dado a luz, mas não havia sido transferida para uma unidade com suporte adequado para cuidar de seu bebê, motivo este que a obrigou a entregar seu filho recém-nascido, com apenas três dias de vida, para a avó materna cuidar, privando-o do alimento essencial materno.

Os posteriores pedidos de liberdade provisória e de prisão domiciliar, também postulados por Giseli, foram indeferidos, tirando-lhe novamente a chance de poder estar com seu bebê, com os argumentos de que já havia anterior habeas corpus com idêntico objeto (liberdade provisória), pois por ainda não ter sido julgado, seria mera reiteração. Bem assim, com relação ao pedido de prisão domiciliar, este não seria apreciado antes que as instâncias judiciais inferiores não se manifestassem, não fazendo qualquer menção específica concernente à maternidade 

No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, a situação das mulheres-mães encarceradas pode se dizer que também estava em “maus lençóis”, como por exemplo, no Habeas Corpus n. 133287, publicado em 03 de maio de 2010, uma mãe postulou pela prisão domiciliar para que pudesse amamentar e cuidar de seu filho menor que também era deficiente físico. Laudos que demonstravam a necessidade dos cuidados da mãe foram apresentados, contudo, por meio de um ofício do Centro de Ressocialização Feminino que garantia boas condições para que a mulher cuidasse de seu filho, no seu estabelecimento em que se encontrava, o Ministro Félix Fischer negou o pedido.

No caso acima exposto, ficou configurado pelo Tribunal que, por se tratar de crime de tráfico de drogas, a ré não receberia a concessão do benefício de apelas em liberdade, pois a mesma ficou presa durante todo o período de instrução criminal. Com relação a possibilidade de poder ficar com seu bebê e amamenta-lo, o Tribunal entendeu que não compete a todas as lactantes esse direito de ficar em prisão domiciliar, antevendo, na realidade, que esta deveria ser recolhida em estabelecimento prisional público.

Com o passar do tempo e de acordo com as mudanças acarretadas pela evolução da sociedade, a jurisprudência acerca das mulheres presas também tiveram suas modificações. Como exemplo dessas modificações, o Supremo Tribunal de Federal, no julgamento do Habeas Corpus coletivo n. 143641, determinou que, excetuado os crimes praticados mediante violência ou grave ameaça contra seus descendentes, as mulheres encarceradas, gestantes, ou mãe de crianças e deficientes, bem como as puérperas, terão suas prisões preventivas substituídas pela domiciliar. Tratava-se de um caso em que uma mulher de 18 anos de idade, mãe de uma criança de pouco mais de dois anos, estava presa preventivamente pela suposta prática de delitos envolvendo o de tráfico de drogas.

Com base nesse novo entendimento do STF, o HC n. 437271- SP, desse ano de 2018, o qual trata sobre Habeas Corpus substitutivo de recurso próprio, com pedido de liminar, em benefício de Taiane Gonçalves do Nascimento, teve uma decisão proferida pelo Ministro Joel Ilan Paciornik, determinando que o juiz de primeiro grau substituísse a prisão preventiva pela domiciliar, permitindo que uma mãe pudesse ficar com seu filho. Relata-se que a ré foi presa em flagrante pelo suposto envolvimento com tráfico de drogas, bem como por estar em posse munição de uso proibido ou restrito, tendo sua custódia convertida em prisão preventiva.

A paciente expôs em sua defesa que a droga e a munição que a condenara, era de propriedade de seu companheiro, afirmação esta confirmada pelo mesmo, e também relatou que possui um filho de dois anos e um mês, sendo essencial que permaneça com a criança para o melhor desenvolvimento deste, sendo de seu mais justo direito. Em razão de restar configurado eventual constrangimento ilegal, o pedido de sua liminar fora atendido, resguardando a indispensabilidade da presença que da mãe para o desenvolvimento de sua criança.

Assim sendo, a importância dessas mudanças jurisprudenciais pode ser vista tanto na maneira em que os tribunais estão proporcionando para as mulheres a chance de permanecerem com seus filhos menores, em domicílio, e não no cárcere, desde que nos casos previstos pelo artigo 318, do Código de Processo Penal, quanto na questão de "desafogamento" do sistema prisional de forma geral, pois o custo que o Estado terá de arcar com o preso em domicílio é substancialmente menor do que o que se gasta com um preso em cela, acarretando na consequente queda da superpopulação  existente nos estabelecimentos prisionais.

 

Considerações finais

Diante do exposto, se verifica que as mulheres encarceradas sofrem dupla punição. A primeira refere-se a do ordenamento jurídico brasileiro, pois na realidade as prisões foram feitas para os homens. A segunda punição é feita pela sociedade, afinal, estas mulheres são vistas como o sexo frágil, como donas de casa, e não como uma pessoa que por algum motivo, as vezes por se achar sem opção, acaba por se envolver com o crime e, consequentemente, é afastada de seus filhos e seus lares.

Em diversas situações, as diferenças entre os gêneros são claras, mas isso não significa que cada um não possua suas peculiaridades, principalmente quando o assunto é o cárcere. Desta forma, é preciso que haja a devida aplicação dos direitos e normas prescritos, sem qualquer discriminação, reparando o cenário precário que é o encarceramento, por meio de um acompanhamento do Estado, principalmente para as mulheres, para que elas possam reestabelecer suas vidas, ou buscar fazê-lo.

Observa-se, pois, na trajetória desse trabalho, que as mulheres que se envolveram com o crime, independentemente do motivo, podem pagar sua dívida com a sociedade, por meio da pena, de forma decente e não de forma que a diminua como ser humano, as tratando como escória da sociedade, pois quando se refere a dignidade da mulher, deve-se considerar sua situação social e biológica de mães e/ou gestantes.

 

Notas e Referências

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