Por Eduardo Rodrigues dos Santos - 06/06/2016
Muhammad Ali, nascido Cassius Clay, marcou-se no mundo do boxe como sendo o “maior de todos”, o “maior pugilista de todos os tempos”, sendo eleito o maior atleta estadounidense do séc. XX. Foi verdadeiramente uma lenda do box mundial, atingindo feitos incríveis, conquistando vários títulos e sagrando-se como um dos lutadores mais resistentes dentro dos ringues (o único boxeador que até hoje suportou 12 assaltos com o maxilar quebrado).
Mas, a maior luta de Ali não foi contra um homem nem se deu dentro de um ringue. Ali marcou-se no mundo pela sua luta política em prol da igualdade racial e do pacifismo. Essa foi sua maior batalha: lutar contra o preconceito racial em tempos de extremo racismo nos Estados Unidos da América do Norte.
Campeão olímpico de boxe aos 18 anos, em 1960, nas Olimpíadas de Roma, Muhammad Ali atirou sua medalha fora no Rio Ohio depois de ser proibido de entrar em um restaurante nos Estados Unidos. Naquele momento, o país vivia o auge do racismo contra os negros.
Em 1966, Ali foi convocado pelo exército estadounidense para combater na Guerra do Vietnã. Mesmo ficando claro que ele serviria como uma espécie de porta-voz e não lutaria diretamente no campo de batalha, ele se recusou, afirmando: “Nenhum vietcongue me chamou de crioulo, porque eu lutaria contra eles?”
Se o esporte perdeu uma de suas maiores lendas e o boxe o seu maior lutador, o mundo perdeu um de seus maiores símbolos da luta pela igualdade racial. Uma luta que Ali não pode ver findar, pois os assaltos (rounds) se prolongaram para o séc. XXI. Muhammad Ali se foi no último 3 de junho, mas sua luta contra o preconceito racial continua. Seu mais feroz adversário ainda continua de pé, continua forte e ardiloso, golpeando a comunidade negra violentamente, dia após dia.
O sangue negro inocente escorre, seja nos guetos dos Estados Unidos, seja nas favelas do Brasil, seja na devastada terra Africana, seja em qualquer lugar do mundo. O preconceito racial se mostra forte, se mostra rasteiro e impiedoso. Motivo? Nós fingimos/negamos sua existência.
Quantas vezes já não ouvi frases como: “Eu não tenho preconceito, mas não quero que meu filho se case com uma negrinha”; “Eu não tenho preconceito, só não beijaria uma negra”; “Eu não tenho preconceito, mas você já viu algum negro bonito?”; “Eu não tenho preconceito, mas esses pretos favelados são culpados por viverem nessa miséria, eles nunca gostaram de trabalhar” etc.
Basta olharmos para os canais de televisão do Brasil e vamos facilmente verificar que quase não se tem profissionais negros à frente das telas. No jornalismo são pouquíssimos. Nas telenovelas poucos também e, normalmente, fazendo o papel da empregada e do motorista.
Há poucos dias, circulou nas mídias sociais a foto de um jornal, de 2013, de Joinville, no qual o jornalista Claudio Loetz, escreve “Em Joinville, considerando-se todos os tipos e portes de empresas, há vagas em aberto para aproximadamente 7 mil trabalhadores. A estimativa é do vice-presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos em Santa Catarina (ABRH-SC), Pedro Luiz Pereira. O perfil ideal de trabalhador procurado é homem, branco, de 25 a 35 anos de idade. Em parte, as vagas não são preenchidas porque os candidatos não têm as habilidades e competências necessárias”.[1]
Poderíamos citar ainda a repugnante e conhecida ordem da PM (Polícia Militar) de Campinas que determinou, em uma Ordem de Serviço no ano de 2013, que seus integrantes abordassem prioritariamente jovens negros e pardos, com idade entre 18 e 25 anos, na região do bairro Taquaral, uma das áreas mais nobres da cidade.[2] Essa foi apenas uma ordem escrita a que se teve acesso, mas é mais que sabido que se trata de instrução corriqueira da PM abordar o estereótipo “PPP”.
O racismo é cultural no Brasil, nos Estados Unidos e no mundo. É uma cultura silente e que vem se mantendo por séculos, pois se tornou fato comum, recorrente, insistente e negligenciado. Já passou da hora de reconhecermos que essa cultura existe, ou ela continuará forte e golpeando o povo negro, massacrando e excluindo, mantendo à margem.
Há décadas Muhammad Ali entrou nessa luta, golpeou e foi golpeado. Lutou incansavelmente contra esse que se mostrou seu pior e mais repugnante adversário: o preconceito racial. Muhammad Ali se foi, mas sua luta contra o preconceito racial continua! A luta pela liberdade, pela igualdade e pela dignidade do povo negro perde mais um de seus heróis. Ali nos deixou e juntou-se a King, Zumbi, Anastácia e outros. Agora, nós precisamos continuar lutando por ele, pelo povo negro e pela igualdade entre os homens.
Notas e Referências:
[1] Disponível em: <http://wp.clicrbs.com.br/loetz/2013/10/17/empresas-de-joinville-tem-7-mil-vagas-em-aberto/?topo=84,2,18,,,84> . Acesso em 06 de junho de 2016.
[2] Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2013/01/23/ordem-da-pm-determina-revista-em-pessoas-da-cor-parda-e-negra-em-bairro-nobre-de-campinas-sp.htm>. Acesso em 06 de junho de 2016.
. Eduardo Rodrigues dos Santos é Mestre em Direito Público pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Pós-graduado em Direito Constitucional. Professor de Direito Constitucional. Autor de obras e artigos na área do Direito Constitucional. Membro do Laboratório Americano de Estudos Constitucionais (LAEC). Advogado. .
Imagem Ilustrativa do Post: Muhammad Ali vs. Ernie Terrell, Houston Astrodome, Houston, TX, 1967 // Foto de: Cliff // Sem alterações
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