MOTIVAÇÃO E CONSEQUÊNCIAS DA DECISÃO DO STF SOBRE A COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ELEITORAL PARA JULGAMENTO DE CRIMES COMUNS

23/04/2019

O Supremo Tribunal Federal, no dia 14 de março de 2019, reafirmou a competência da Justiça Eleitoral para julgar crimes comuns conexos a delitos eleitorais.

O Supremo Tribunal Federal entendeu que como os crimes apurados não tem relação com o cargo ocupado por parlamentar no exercício da função pública; e como os crimes comuns (corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa) tem conexão (relação) com crime eleitoral, os crimes não poderão ser julgado pelo STF e pela Justiça Federal, mas, sim, pela Justiça Eleitoral, por ser a justiça especial e, portanto, atrativa.

Para se definir a competência para o processo e julgamento de um crime, deve-se, primeiramente, analisar se o crime é de competência da justiça especial ou comum. Ou seja, deve-se analisar se o crime é da justiça militar ou eleitoral. Somente com a negativa deste questionamento, conclui-se que a infração é da competência da justiça comum.

Acontece que, segundo o Código de Processo Penal, havendo conexão entre um crime da justiça especial e da justiça comum, a competência para o processo e julgamento dos crimes será da justiça especial, que prevalecerá sobre a justiça comum, segundo o disposto no art. 78, IV, do CPP[1].

Isto é, quando um crime da justiça especial foi praticado conjuntamente com um crime da justiça comum, todos serão julgados na justiça especial, pela chamada atração da competência.

E como a Justiça Eleitoral é especial, os crimes comuns, como o de lavagem de dinheiro, corrupção e organização criminosa, que tiverem conexão com crime eleitoral serão processados e julgados perante a Justiça Eleitoral, que tem competência prevista constitucionalmente no art. 121 da Constituição Federal.

Definida, então, a competência da Justiça Eleitoral para o processo e julgamento dos crimes comuns conexos a delitos eleitorais, quais serão os efeitos dessa decisão da Suprema Corte.

Importante destacar, que um juiz ou tribunal somente poderá julgar um caso penal quando for competente. É exigência constitucional, em observância ao devido processo legal e ao princípio do juiz natural.

Como prevalece que a competência em razão da matéria é tida como absoluta, o ato processual praticado em violação a regra da competência sobre a matéria não se convalida e sua nulidade poderá ser reconhecida a qualquer momento, pois não há preclusão ou prorrogação de nulidade absoluta.

Ou seja, com essa recente decisão do STF os processos da Operação Lava Jato que processaram e julgaram crimes comuns em conexão com crimes eleitorais deverão ser anulados por violação ao devido processo legal e à garantia do juiz natural, isto é, por violação a princípios constitucionais.

E como a nulidade da competência jurisdicional sobre a matéria é tida como absoluta, o vício sobre sua regra não se convalida, é insanável e o prejuízo sofrido pelo acusado é presumido. Ou seja, a parte que requerer a declaração da nulidade do processo não precisará demonstrar a existência de prejuízos.

Registra-se, que até mesmo sentenças já transitadas em julgado deverão ser revistas. Portanto, os presos preventivos e os que estão cumprindo pena (definitiva ou antecipada), deverão ser colocados em liberdade, pois que a sentença e todos os atos decisórios serão anulados, em razão da atipicidade do ato processual, vez que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”, segundo preceitua o art. 5º, inciso LIV, da Constituição Federal.

Um ato será considerado nulo, quando violar regras processuais. Tem-se neste caso um ato com defeito, que deverá, portanto, ser refeito para que produza efeitos. E quando o defeito do ato processual violar princípio constitucional, haverá a chamada nulidade absoluta, que tem como consequência a anulação de todos os atos processuais.

E como dito acima, a violação à regra da competência jurisdicional quanto à matéria, viola o princípio constitucional do juiz natural, que exige que todos sejam processados e julgados por juiz competente. Portanto, todos os atos processuais praticados em violação à essa regra deverão ser anulados.

Ou seja, tudo que foi feito com defeito, deverá ser refeito para produza efeitos, com exceção dos crimes já prescritos, que não mais poderão ser processados e julgados, em razão da ocorrência da extinção da punibilidade.

Por fim, é importante lembrarmos que o sistema das nulidades está a serviço do réu. Portanto, havendo dúvidas sobre sua ocorrência, a nulidade deverá ser declarada, em observância ao princípio do favor rei.

Isso porque, a tipicidade processual é direito subjetivo do imputado, e exigência constitucional a um devido processo legal. Ou seja, o poder punitivo estatal não precisa ser garantido, mas controlado e limitado.

Jeffrey Chiquini da Costa. Advogado. Especialista em direito penal e processual penal. Professor de processo penal da Escola da Magistratura Federal do Paraná e Professor de direito penal do Centro Universitário Unisociesc.

 

Notas e Referênciais:

[1]Art. 78. Na determinação da competência por conexão ou continência, serão observadas as seguintes regras:

IV - no concurso entre a jurisdição comum e a especial, prevalecerá esta. 

 

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