Esse juiz virou assunto. Não será o primeiro. Lembro de Denise Frossard que, por sentenciar bicheiros, cumprindo tão simplesmente com seu dever, restou como heroína e deputada federal. O mais notório foi Joaquim Barbosa, cujo dedo em riste empolgou os tantos que acreditam que uma voz iracunda dará jeito no Brasil.
Agora temos o Sérgio Moro. “Até aqui, deveria ser óbvio a todos, está apenas fazendo o que deve fazer. Não vejo (e nada demonstra) que ele esteja fazendo do processo (Lava Jato) qualquer tipo de autopromoção e, muito menos, que esteja a serviço da direita ou da esquerda” (Pietro Nardella-Dellova, Facebook).
Mas, o que acontece? Determinada direita, dado que este juiz, como o juiz Barbosa o fez, está desmontando o esquema de ladroagem do PT, vê no indivíduo a salvação da dignidade (antipetista) da Pátria; não enxerga o servidor público do Judiciário cumprindo o dever.
Por outro lado, certa esquerda (que considero de direita) execra o magistrado, insistindo que ele faz mira judicante apenas nos ladrões petistas, quando deveria democratizá-la, caçando larápios em outras siglas. Diria um petizante: “peraí, nós roubamos, mas não nos venham com perseguição seletiva”.
Mesmo fora dos extremos alienados do arco ideológico, muita gente se pergunta o que quer Moro: objetiva o Congresso, manobra para o Supremo, devaneia o Planalto? Não, diz Nardella-Dellova, “como juiz, Moro está agindo de forma correta e com perfeição técnica (o que irrita muitos)”. O sujeito é um bom juiz, e só.
Bem, o Direito não é puro nem o juiz é ingênuo. E Moro não é um leguleio, ele sabe que lei e magistratura antes de serem Justiça são relações de poder. Então, nos limites da legalidade, Moro conhece que dispõe de um arsenal de combate: a larga margem de interpretação e aplicação dos códigos.
Moro não permite que testemunhas citem políticos, pois se isso acontecer, a Lava Jato sai de suas mãos, vai para o Supremo; determina prisões preventivas temerárias, disso arrancando confissões e delações; não faz com que se investiguem vazamentos seletivos de peças do processo, pois isso dá mídia.
Mas então labora em ilegalidade? Sim e não. Do que se tentou contra Moro no STF, pouco ou nada se conseguiu. Agora, contudo, Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados, entrou na parada. Ele deseja que o presidente do Supremo, Ricardo Lewandowski, traga a Lava Jato para a Corte.
Por quê? Bem, eu não vi os autos, mas me parece que, quando não pode calar uma referência a político por parte de um depoente, Moro “tarja” o dito. Juízes usam desse recurso: riscam o que, ao seu talante, parece impertinente ao processo. Acontece que, no caso, as referências aos deputados são da essência da coisa.
A Lewandowski, durante o julgamento do “mensalão”, imputou-se a defesa dos ladrões do PT. Agora, se o ministro fizer subir a Lava Jato, será acusado de proteger Cunha. Nem uma coisa nem outra, creio eu. Lewandowski apenas judicia conforme interpreta as leis: sem pureza, sem inocência, dentro da movediça bitola da legalidade.
Moro sabe que adquiriu notoriedade, e que se lhe tirarem das mãos esse processo, não o farão impunemente. A galera pró punição vai gritar. As suas manobras legais, contudo, talvez não consigam contornar o fato e o peso Cunha. Ele foi citado, isso está comprovado, e deputado é, ainda bem, julgado pelo Supremo.
Usurpar competência do Supremo para mexer com o cidadão comum, acontece e fica por isso. Mas usurpar o direito de Cunha ser julgado na corte pertinente é outra coisa. O Cunha é o Cunha. Eu não gosto nada das ideias dele, mas no momento talvez ele seja a nossa única autoridade a ter noção da autoridade que tem.
E agora? Subtrai-se a Lava Jato da fama de moralizador de Moro? Sustenta-se uma briga com Cunha? Isso eu não ouso saber, mas sei que juridicamente se fará política, como sói acontecer. Para essa ou aquela decisão algum magistrado honestamente referirá essa ou aquela lei. É assim que funciona.
Imagem Ilustrativa do Post: Judge with Books // Foto de: Michael Coghlan // Com alterações
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