Moro, Dallagnol: conversas ilícitas, processo ilegal

26/06/2019

 

Não desejo tratar de Sérgio Moro desmerecendo-lhe qualidades que eu mesmo já elogiei, mas dos “deslizes” do juiz; não me disponho a alegar a inocência de Luiz Inácio Lula da Silva, mas denunciar o insulto que os direitos de ampla defesa de um cidadão brasileiro sofreram.

Se um juiz se passou de seu poder, que na administração pública é atrelado a dever, o Poder Judiciário exorbitou de seu poder-dever. Se um cidadão foi insultado pelo Poder Judiciário ao ter obstaculizado o seu amplo direito de defesa, a cidadania brasileira foi enxovalhada.

Nunca tive ilusão de que o Poder Judiciário pudesse garantir prestação neutra aos jurisdicionados, mas acredito na equidistância do juiz honesto. Edito trecho de Liberdade Privada e Ideologia. Acadêmica, 1993, de minha autoria:

“Idealizações de justiça encaminham pretensões de neutralidade, quando ocorre bem o inverso. Juízes, prenhes de ideologia, ideologicamente pensam-se além delas. Algo só assim como pairando acima do bem e do mal.

Mas o jurista sensato adverte: nas conclusões do julgador ‘influirão sua formação jurídica, suas crenças políticas, religiosas, seu caráter e temperamento, sua condição econômica e os interesses dos grupos sociais com os quais se identifica [...].

A atividade jurídica, [...] no seu mais amplo sentido, é uma das práticas onde mais se faz sentir a influência das ideologias, podendo dizer-se que toda a atividade jurídica é uma prática ideológica’ (BRUM, Nilo Bairros de. Requisitos retóricos da sentença penal. Revista dos Tribunais, 1980)”.

Direito é ideologia codificada. Leis são expressão de relações de poder. Um juiz (em última instância, toda pessoa) é um ente ideológico que não consegue abstrair-se das concepções valorativas que incidem em seu tempo e lugar.

Não existe juiz neutro. O que se pode exigir de um magistrado é que, em sua contingência ideológica, seja honesto. O magistrado honesto se mantém equidistante das partes envolvidas nos processos sob sua apreciação.

Equidistância, pois, é o que se pode alcançar e o que se deve exigir do julgador. Sem isso não há Direito, há, simulacro: um aparato falseador de ritos jurídicos que legitimará impropriedades de um Poder da República.

Ninguém consentiria na presidência de um processo um juiz que confabulasse com a parte contrária. Imperativo categórico kantiano: se não aceito um juiz comprometido com o adversário, não posso aceitar que alguém o aceite.

O Brasil inteiro restou sem dúvida de que o juiz Moro articulou estratégias condenatórias com o procurador Dallagnol. Em assim procedendo, o juiz tomou lado, prejudicou a equidistância. Em uma palavra, o juiz foi promotor.

Bolsonaro, o presidente da República, considera que Moro “não agiu por mal”. Não se trata disso. Considerando o Direito Penal, se a intenção foi “por bem”, praticou um crime dolosamente. E se foi com uma impossível sem intenção, um declarado descuido, culposamente praticou um crime.

Não cometerei a afoiteza de tipificar sua atitude e adiantar julgamento a Moro. Não tenho autoridade para tanto nem me quero alinhar com os que prolatam sentença por mídias sociais. Tenho, todavia, direito e obrigação de defender o Direito e dizer que os atos de Moro e Dallagnol conspurcam a Justiça.

Quero explicitar que não se trata apenas das previsões do Código de Processo Penal: Art. 254 – “O juiz dar-se-á por suspeito, e, se não o fizer, poderá ser recusado por qualquer das partes: IV – se tiver aconselhado qualquer das partes”. Ora, Moro orientou Dallagnol, então colocou-se sob suspeição, incidindo o Art. 564, do mesmo Caderno: “A nulidade ocorrerá nos seguintes casos: I – por incompetência, suspeição ou suborno do juiz”.

Pretendo que a coisa é bem mais grave: a afronta é à Constituição Federal: Art. 5º, LV: aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; LVI: são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos.

Ora, o juiz Moro atraiçoou sua igualdade de distância: sabotou o contraditório e erodiu a ampla defesa de Lula ao pender sua balança de magistrado para a ampliação do poder acusatório do Ministério Público.

Ademais, ao orientar o MP sobre meios probantes, tornou ilícitas as provas produzidas sob aconselhamento. Os direitos constitucionais republicanos de um cidadão – eventualmente Lula da Silva –, pois, foram atropelados.

As tantas inferências advindas das reveladas conversas entre juiz e promotor animam sequazes lulistas e moristas. Para o que aqui me preocupa, o Direito em si mesmo, desconsidero-os.

Ficando com o Direito e supondo verdadeiras as mensagens divulgadas, há vício processual, há defeito prejudicial a uma das partes, há dúvida razoável (eu diria certeza) quando à devida aplicação da lei.

Esse apanhado que não é pequeno consubstancia a suspeição do juiz, causa de nulidade absoluta de um processo, então, não há prazo para tal arguição, nem importa que haja sentença transitada em julgado.

Um processo eivado de vícios insanáveis. No lugar de Justiça, justiciamento. Não obstante tudo isso, talvez Lula seja, afinal, culpado, mas jamais pode ser declarado como tal sem o devido processo legal. Legal e lícito.

 

Imagem Ilustrativa do Post: Figures of Justice // Foto de: Scott Robinson // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/clearlyambiguous/2171313087

Licença de uso: https://creativecommons.org/publicdomain/mark/2.0/

 

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura