Monitoramento eletrônico: ferramenta de segurança pública ou alternativa ao encarceramento?

10/07/2016

Por Carla Dietrich e Pollyanna Maria da Silva - 10/07/2016

Introdução

Nos últimos meses as discussões acerca do uso de tornozeleiras eletrônicas no Brasil tem-se popularizado. O acessório, já utilizado por alguns réus da operação Lava-Jato, recentemente, foi colocado no ex-diretor da área Internacional da Petrobrás - Nestor Cerveró. Além disso, Newton Ishii, conhecido como “Japonês da Federal” por conduzir os alvos da Operação Lava-Jato, também cumpre a sua pena de quatro anos e dois meses por facilitação de contrabando usando o dispositivo. A polêmica mais atual sobre o tema está na falta de aparelhos para monitoramento nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro. “A ausência dos equipamentos fez com que o empreiteiro Fernando Cavendish e o bicheiro Carlinhos Cachoeira, ambos detidos na Operação Saqueador da PF (...), continuassem encarcerados”.[1]

Diante disso, objetiva-se apresentar o conceito de monitoramento eletrônico, seus custos, previsão legal, hipóteses de utilização, assim como, os números referentes à sua implementação no Brasil.

O que é?

O monitoramento eletrônico (ME) também chamado de “tagging” ou vigilância eletrônica, “é a forma de controle dos movimentos dos condenados ou dos réus em processo penal, através de instrumentos atrelados ao corpo, que emitem sinais que possibilitam sua localização”[2]. Em poucas palavras, Conte[3] o define como ferramenta de supervisão contínua destinada a confirmar a localização de pessoas.

Com a utilização de dispositivos de controle (cintos, tornozeleiras, pulseiras) os condenados ou réus em processo penal passariam a ter a liberdade (ainda que mitigada ou condicionada) fora do estabelecimento prisional, controlada via satélite, evitando que se distanciem ou se aproximem de locais predeterminados.

O ME pode ser utilizado para três finalidades: detenção[4], restrição[5] e a vigilância[6].

Quanto aos custos por pessoa monitorada, verifica-se variação de R$167,00 a R$660,00.[7] Enquanto que, para a manutenção de um preso em penitenciária, gasta-se, em média R$2.500 (dois mil e quinhentos reais). No regime de autogestão um detento custa aproximadamente R$ 1.649,03 (mil seiscentos e quarenta e nove reais e três centavos). No regime de cogestão o valor sobe para R$ 3.010,92 (três mil e dez reais e noventa e dois centavos).[8]

Surgimento do monitoramento eletrônico

Em 1964, foram feitas as primeiras experiências de localização à distância. Um grupo de pesquisadores da Universidade de Harvard, nos EUA, desenvolveu um transmissor portátil denominado Behavior Transmitter-Reinforcer.[9]. As reações ao projeto, no entanto, foram negativas, sendo que o monitoramento eletrônico naquela época, não foi bem-sucedido.

O juiz Jack Love, do Novo México, idealizou uma nova concepção na década de 80. Inspirado em trecho de história em quadrinhos do personagem Homem-Aranha, que portava bracelete eletrônico para monitorar seus deslocamentos, teve a ideia de transpor tal conceito de vigilância para a realidade. [10]

Para materializar a ideia, Jack Love entrou em contato com diversas empresas de tecnologia, solicitando a fabricação do equipamento tal como havia visto na história em quadrinhos. A despeito do desinteresse da maioria delas, Michael Goss, um representante de vendas convenceu-se de que a ideia do magistrado era plausível e decidiu auxilia- lo. Para tanto, fundou, em 1982, a National Incarceration monitor and Control Services. Do tamanho de um maço de cigarro, a tornozeleira emitia um sinal de rádio a cada 60 segundos – que era capturado por um receptor ligado a uma linha telefônica- e, em seguida, transmitia os dados a um computador central. Antes de colocar em prática o equipamento foi testado por semanas pelo próprio juiz.  Os primeiros testes da tornozeleira eletrônica foram realizados em abril de 1983 com presos em liberdade condicional.[11]

Nesse contexto iniciaram-se as experiências de controle à distância por meio da utilização do ME. A partir disso, os Estados Unidos (sobretudo Washington, Virgínia e Flórida) deram início a projetos para a sua implementação que já é realidade em outros países como: Canadá, Inglaterra, Escócia, Reino Unido, Suécia, Holanda, França, Bélgica, Itália, Alemanha, China, Japão, Dinamarca, Espanha, Tailândia, Hungria, Portugal, Suíça, Andorra, Austrália, Noruega, Nova Zelândia, Argentina, Israel, Singapura e África do Sul.[12]

Monitoramento eletrônico na legislação brasileira

A Lei nº 12.258/10, instituiu o ME no âmbito da execução penal, modificando dispositivos da LEP (artigos 122 e 124) e incluindo outros (artigos 146-B a 146-D).  O artigo 146-B estabelece que: o juiz poderá definir a fiscalização por meio da monitoração eletrônica quando: autorizar a saída temporária no regime semiaberto ou determinar a prisão domiciliar.

Em 2011, com o advento da Lei nº 12.403, o ME começou a ser adotado também como medida cautelar diversa de prisão. Assim, o art. 319, inciso IX do Código de Processo Penal, passou a instituir, entre as medidas cautelares diversas da prisão, a monitoração eletrônica.

Estratégias do Departamento Penitenciário Nacional - DEPEN

O DEPEN vem financiando, desde 2013, projetos de estruturação de centrais de monitoração eletrônica no país. Com o objetivo de desenvolver o modelo de gestão para os serviços de ME e formular as diretrizes nacionais da política, vem adotando como estratégias: Grupo de trabalho - monitoração eletrônica (Portaria nº 42 de 10 de fevereiro de 2015)[13]; Acordo de cooperação n° 05/2015 CNJ/MJ[14]; e contratação de consultoria especializada - Modelo de Gestão de Monitoração Eletrônica Pessoas[15].

Implementação do monitoramento eletrônico nos estados brasileiros

No Brasil, a primeira experiência deu-se em 2007, na cidade de Guarabira, na Paraíba. Os estados de São Paulo, Rio Grande do Sul e Pernambuco aprovaram o sistema em 2008, enquanto o legislativo do Rio de Janeiro deu aval em 2009. No mesmo ano, os estados de Goiás, Mato Grosso do Sul, Alagoas e Distrito Federal já realizavam testes. Na sequência, outros estados da federação foram aderindo à proposta. [16]

De acordo com o relatório denominado A Implementação da política de monitoração eletrônica de pessoas presas no Brasil[17], produto de parceria entre DEPEN e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, entre os meses de fevereiro a julho de 2015, havia no Brasil 18.172 pessoas monitoradas eletronicamente, sendo 88% homens e 12% mulheres.

O relatório evidencia que a execução penal está no cerne da política de monitoração eletrônica, representando 86,18% dos serviços. Já as medidas cautelares ou protetivas juntas, somam apenas 12,63% dos serviços em todo o país. Diante desses dados, percebe-se que “a monitoração contribui, assim, de maneira superficial no desencarceramento e na promoção da liberdade, sendo necessários estudos e pesquisas mais aprofundados para verificar seu potencial efetivo enquanto alternativa à prisão”[18].

Registra-se que, de acordo com o relatório, há centrais de ME em 19 Unidades da Federação. Nos estados de Santa Catarina e Sergipe os serviços estão em fase de testes. No Acre, Alagoas, Amazonas, Ceará, Espirito Santo, Goiás, Maranhão, Minas Gerais, Mato Grosso, Pará, Pernambuco, Piauí, Paraná, Rio de Janeiro, Rondônia, Rio Grande do Sul e São Paulo o ME já está implementado.[19]

Como os dados quantitativos apresentados no relatório baseiam-se em fontes secundárias, construídas a partir de dados informados pelas centrais de monitoração eletrônica ou Secretarias Estaduais de Justiça, Administração Penitenciária ou similares, pertinente se faz apresentar os números de acordo com a empresa Spacecon S/A[20], que informa já ter alcançado a marca contratada de 37.251 monitorados, conforme apresentado abaixo[21]:

Acre 1.500 Paraíba 242
Ceará 1.300 Paraná 5.000
Goiás 4.000 Pernambuco 1.500
Justiça Federal do Paraná 500 Piauí 1.000
Rio Grande do Sul 84 Rio de Janeiro 5.000
Maranhão 1.500 Rio Grande do Norte 500
Mato Grosso 5.000 Rondônia 1.000
Mato Grosso do Sul 84 São Paulo 4.800
Minas Gerais 3.982 Tocantins 242

Com isso, nota-se significativas divergências entre os dados apresentados pela empresa Spacecon S/A e pela pesquisa apresentada pelo Ministério da Justiça. Além dos números de monitorados, percebe-se que não consta no relatório os estados de Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Norte, Tocantins e Paraíba – sendo que este último foi o primeiro estado do Brasil a implementar a tecnologia.

Nesse sentido, outro aspecto a ser registrado é que no site da empresa Spacecon S/A consta também a realização de monitoramento eletrônico interno em presídios (sistema SAC24). Contudo, não informa em quais unidades prisionais o recurso é utilizado. Já no relatório “A Implementação da política de monitoração eletrônica de pessoas presas no Brasil” não faz alusão a este tipo de recurso.

Considerações finais

É preciso discutir mais o modelo de gestão de monitoração eletrônica no Brasil, assim como, levantar dados mais precisos sobre o assunto. As lacunas nas informações apresentadas podem afetar as análises e inferências sobre realidade dos sistemas de ME no Brasil.

De qualquer forma, entende-se que para o aprimoramento dos serviços de ME exige-se “a adoção de políticas voltadas a garantir a promoção dos direitos fundamentais, enfocando medidas que favoreçam o desencarceramento e a inserção social do monitorado”[22]

A partir dos dados apresentados, verifica-se que, no Brasil, o ME tem sido concebido, na prática, como ferramenta de segurança pública e não como parte integrante da política penal. Com isso, mostra-se necessário a implementação de estratégias para fomentar sua utilização, efetivamente, como alternativa à prisão. E, conforme afirmou Neemias Prudente, “Se a medida será positiva ou negativa só o tempo dirá!”.[23]


Notas e Referências:

[1] REIS, Vivian; DOMINGOS, Roney. Atraso em licitações deixa presos em SP sem tornozeleiras eletrônicas. 2016. Disponível em: <http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2016/07/atraso-em-licitacoes-deixa-presos-em-sp-sem-tornozeleiras-eletronicas.html>. Acesso em: 04 jul. 2016.

[2]  BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Aspectos pragmáticos e dogmáticos do monitoramento eletrônico. Revista da Faculdade de Direito de Uberlândia, Uberlândia, v. 36, p.387-404, 2008. Semestral. Disponível em: <http://www.seer.ufu.br/index.php/revistafadir/article/view/18456/9888>. Acesso em: 10 maio 2015.

[3] CONTE, Christiany Pegorari. Execução Penal e Direito Penal do Futuro: uma análise sobre o sistema de monitoramento dos presos. Revista dos Tribunais, Volume 894, abril 2010. p.401.

[4] Como forma de detenção, o monitoramento visa manter o indivíduo em lugar predeterminado, geralmente em casa. Essa foi à primeira forma de utilização da solução tecnológica, permanecendo até os dias de hoje a mais comum. (ROSA, Alexandre Moraes da. Monitoramento eletrônico em debate. Rio de Janeiro: Lumen Juris LTDA, 2012, p.146)

[5] A restrição assegura que o monitorado não entre em determinadas áreas proibidas ou se aproxime de pessoas específicas, tais como as vítimas, as testemunhas. Assim, “é muito útil nos casos de violência doméstica ou de práticas criminosas associadas a determinados locais, como bares e casas noturnas”. (ROSA, Alexandre Moraes da. Monitoramento eletrônico em debate. Rio de Janeiro: Lumen Juris LTDA, 2012, p.147)

[6] A vigilância, permite o controle e o acompanhamento da localização do monitorado, bem como a prevenção de fugas.

[7] PIMENTA, Izabella Lacerda et al. A Implementação da política de monitoração eletrônica de pessoas presas no Brasil: análise crítica do uso da monitoração eletrônica de pessoas no cumprimento da pena e na aplicação de medidas cautelares diversas da prisão e medidas protetivas de urgência. Brasília: Ministério da Justiça, 2015. Disponível em: <file:///C:/Users/Pollyanna/Downloads/RelatrioMonitoraoEletrnica (1).pdf>. Acesso em: 22 jun. 2016.

[8]  ROSA, Alexandre Morais da. Precisamos conversar sobre gastar, no mínimo, 20 mil reais com cada preso. Vale a pena? 2015. Disponível em: <http://emporiododireito.com.br/precisamos-conversar-sobre-gastar-no-minimo-20-mil-reais-com-cada-preso-vale-a-pena-por-alexandre-morais-da-rosa/>. Acesso em: 29 jun. 2016.

[9] OLIVEIRA, Edmundo. Direito penal do futuro: a prisão virtual. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 27-29.

[10] SOUZA, Bernardo de Azevedo de. O panóptico virtual: como dois irmãos gêmeos, o musical West Side Story, o Homem-Aranha e um Juiz de Direito contribuíram para o nascimento do monitoramento eletrônico. Boletim do IBCCRIM, n. 241, dez. 2012.

[11] Idem

[12] ROSA, Alexandre Moraes da. Monitoramento eletrônico em debate. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris LTDA, 2012. p.142.

[13] Instituído no âmbito do Departamento Penitenciário Nacional, composto por profissionais com experiência na área de Monitoração Eletrônica a partir de diversas perspectivas – Juiz, Promotor, Defensor Público, Psicólogo, Agente Penitenciário, Pesquisador e Representante da Sociedade Civil. Objetiva dar suporte para a definição de diretrizes à política de monitoração eletrônica, colaborando na elaboração de modelo de gestão para a política.

[14] Visa elaborar diretrizes e promover a política de monitoração eletrônica de pessoas, com o intuito de estimular seu potencial desencarcerador e assegurar o uso da ferramenta com respeito aos direitos fundamentais, em substituição à privação de liberdade no país.

[15] Parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - ONU, para atuar na realização de análise sobre os serviços e experiências de monitoração eletrônica de pessoas.

[16] ROSA, Alexandre Moraes da. Monitoramento eletrônico em debate. Rio de Janeiro:Editora Lumen Juris LTDA, 2012.p. 143.

[17] PIMENTA, Izabella Lacerda et al. op. cit.

[18] Idem

[19] Idem

[20] Empresa integrante do consórcio SDS, também formado pelas empresas Daiken Indústria Eletrônica e Sascar Tecnologia e Segurança Automotiva.

[21] http://www.spacecom.com.br/?s=not&id=0046. Acesso em: 16 jun. 2016

[22] PIMENTA, Izabella Lacerda et al. op. cit.

[23] PRUDENTE, Neemias. Monitoramento eletrônico: uma efetiva alternativa a prisão? Disponível em: <http://neemiasprudente.jusbrasil.com.br/artigos/121942848/monitoramento-eletronico-uma-efetiva-alternativa-a-prisao>. Acesso em: 22 jun. 2016.


Carla Dietrich e Pollyanna Maria da Silva. Carla Dietrich é Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de Brusque – Unifebe. carladietrich@unifebe.edu.br

Pollyanna Maria da Silva é Mestre em Ciências Criminais pela PUC-RS, professora de Direito Penal na Universidade do Vale do Itajaí - Univali e no Centro Universitário de Brusque - Unifebe. .


Imagem Ilustrativa do Post: Unequal Justice in America // Foto de: DonkeyHotey // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/donkeyhotey/8387725205

Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode


O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura