1 - UMA FUTURA LEI DEVERIA VETAR EXPRESSAMENTE QUE OS PROCURADORES GERAIS DO MINISTÉRIO PÚBLICO FUNCIONASSEM COMO ÓRGÃOS DE ATUAÇÃO OU EXECUÇÃO JUNTO AOS TRIBUNAIS.
Esta nossa sugestão resolveria os maiores problemas que envolvem a escolha e nomeação dos Procuradores-Gerais, assegurando maior independência aos Ministérios Públicos (Federal e Estaduais).
Neste caso, o “promotor natural” para atuar nos processos judiciais seria uma ou mais procuradorias (órgãos de atuação), lotadas através de remoção institucional, por meio de critérios objetivos. Este membro do Ministério Público seria inamovível, conforme previsão Constitucional.
Os Procuradores Gerais continuariam como “chefes” da Instituição, desempenhando as diversas atribuições administrativas que lhes são atribuídas por lei. Vale dizer, atribuições apenas administrativas e não investigatórias e persecutórias junto aos Tribunais.
2 – UMA NOVA LEI DEVERIA PREVER UM MECANISMO PROCESSUAL DE CONTROLE DOS ARQUIVAMENTOS POSTULADOS PELOS PROCURADORES GERAIS.
No Estado Democrático de Direito, é de rigor a existência de sistemas de controle das atividades (e inatividades) dos órgãos públicos. Nele, não se pode admitir que um só agente do Estado tenha poder ilimitado, não submetido a qualquer forma de controle.
Assim, uma nova lei deveria, a exemplo do que ocorre no primeiro grau de jurisdição, prever e disciplinar um sistema processual que permita que os arquivamentos das investigações criminais, postulados pelos Procuradores Gerais do Ministério Público, sejam objeto de revisão e reexame, vale dizer, de efetivo controle do chamado princípio da obrigatoriedade do exercício da ação penal pública.
Tal controle se faz mais necessário exatamente no caso de crimes da competência originária dos tribunais, tendo em vista que os titulares de foro por prerrogativa de função, quase sempre, têm ligações políticas com o sistema de poder então vigente.
Como se sabe, a investidura no cargo de Procurador Geral tem sempre um componente político e torna o “chefe” do Ministério Público devedor de “consideração especial” para quem o nomeou ...
Destarte, sugerimos que um novo diploma legal autorize expressamente que o tribunal possa indeferir o arquivamento da investigação do Procurador Geral, submetendo-o à apreciação e revisão do Conselho Superior do Ministério Público, tudo em respeito ao sistema acusatório (que não deve ser concebido de forma radical, sectária e absoluta).
Na hipótese acima, o Conselho Superior manteria o arquivamento postulado pelo Procurador-Geral ou decidiria pelo exercício da ação penal púbica condenatória, sendo a denúncia oferecida pelo Procurador que primeiro tiver votado neste sentido no mencionado Colegiado.
3 – ENQUANTO NÃO SE CRIA O SISTEMA ACIMA REFERIDO, DEVE SER ADMITIDA A AÇÃO PENAL PRIVADA SUBSIDIÁRIA DA PÚBLICA, MESMO NA HIPÓTESE DE ARQUIVAMENTO, NOS CASOS DA COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DOS TRIBUNAIS.
A ação pena privada subsidiária deve merecer uma intepretação ampliada, como mecanismo de controle do princípio da obrigatoriedade do exercício da ação penal pública. Neste caso, torna-se desnecessária uma nova lei. Basta uma interpretação extensiva das regras processuais já vigentes. Esta interpretação é expressamente admitida pelo artigo terceiro do Código de Processo Penal.
Os fatos nos fazem pensar. Os fatos é que provocam o pensamento teórico. A teoria só faz sentido se encontrar ressonância nos fatos. A teoria nos permite desenvolver um pensamento racional sobre os fatos, vale dizer, melhor compreendê-los.
Digo isso, com os olhos voltados para a nossa realidade atual, sendo noticiada pela imprensa uma certa inércia de Procuradores-Gerais diante de investigações de cunho político.
De longa data, venho sustentando a necessidade de uma lei que crie um mecanismo de controle do princípio da obrigatoriedade do exercício da ação penal pública por parte dos Procuradores Gerais da Justiça dos Estados e do Procurador Geral da República, consoante item acima deste estudo.
Em princípio, eles são os únicos legitimados para a ação penal e só eles têm atribuição para o arquivamento dos inquéritos policiais ou quaisquer investigações criminais, isto quando se tratar de indiciados com prerrogativa de função.
Como se sabe, em face do sistema processual acusatório, os tribunais não podem instaurar, de ofício, o processo penal, como também não podem obrigar os procuradores gerais a proporem a ação penal (denúncia).
Assim, em recente e breve texto, publicado na minha coluna do site Empório do Direito, sustentei que a nova redação dada pela lei n.13.964/19 ao artigo 28 do Cod.Proc.Penal autorizaria submeter a decisão de arquivamento dos Procuradores Gerais ao novo procedimento, introduzido em nosso sistema processual penal, na medida em o novo dispositivo legal não mais se refere a juiz e não mais se vincula ao primeiro grau de jurisdição.
Entretanto, esta atual redação do mencionado artigo 28 restou suspensa através de provisória e equivocada decisão monocrática do ministro Luiz Fux, que costuma retardar, ao máximo, a remessa dos autos para apreciação do Plenário do Supremo Tribunal Federal.
Desta forma, tem maior relevância o que agora sustentamos, através de interpretação extensiva do disposto no artigo 29 do Cod.Proc.Penal, que nada mais é do que um mecanismo a mais de fiscalização do princípio da obrigatoriedade da ação penal pública. Vale dizer, a ação penal privada subsidiária deve ser compreendida como uma forma legal de controle do não exercício da ação penal pública.
Dispõe o citado artigo 29 da lei processual:
“Art. 29. Será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal, cabendo ao Ministério Público aditar a queixa, repudiá-la e oferecer denúncia substitutiva, intervir em todos os termos do processo, fornecer elementos de prova, interpor recurso e, a todo tempo, no caso de negligência do querelante, retomar a ação como parte principal”.
A doutrina e a jurisprudência majoritárias sustentam que esta ação penal privada em face de crimes de ação penal pública só teria cabimento no caso de inércia do Ministério Público, deixando de se pronunciar nos prazos legais, não oferecendo denúncia e nem postulando o arquivamento do inquérito policial ou quaisquer outras peças de informação.
Este também sempre foi o meu entendimento, embora, em texto mais recente, já tenha aceito esta ação privada subsidiária na hipótese de arquivamento dos Procuradores Gerais e somente nesta hipótese (à míngua de um outro mecanismo de controle).
O argumento para justificar este entendimento é político, vale dizer, o Estado de Democrático de Direito precisa que também haja mecanismos legais de controle dos atos dos Procuradores Gerais, únicos legitimados para o exercício da ação penal pública nos casos de competência penal originária dos tribunais.
Controles são essenciais ao Estado Democrático de Direito, prometido na Constituição da República de 1988. Nele, ninguém e nenhum órgão público pode ter poder absoluto. Sempre devem existir recursos ou outros mecanismos para questionar o que foi decidido ou se deixou de decidir.
A interpretação extensiva que se propõe em face do artigo 29 parte de uma premissa: se o Procurador Geral decide pelo arquivamento do inquérito, não está “intentando a ação penal no prazo legal”.
A controvérsia sobre esta tormentosa questão é antiga e bastante conhecida, sendo desnecessário retomá-la aqui. Importante notar que, quase sempre, o tema é debatido apenas com base no arquivamento no primeiro grau de jurisdição, vale dizer, arquivamento postulado pelo Promotor de Justiça ou pelo Procurador da República. Ora, realmente, nestes casos, já existe um mecanismo de controle do princípio da obrigatoriedade da ação penal pública, disciplinado no artigo 28 do Cod.Proc.Penal (seja na atual redação, seja na redação primitiva).
Nada obstante, vale a pena ressaltar mais uma vez: no caso de arquivamentos decididos pelos Procuradores Gerais não haveria qualquer forma de controle de seu ato ou de sua indevida omissão, pois, no nosso sistema processual acusatório, não cabe ao Poder Judiciário provocar a sua jurisdição ou impor ao Ministério Público o exercício da ação penal.
Assim, buscamos interpretar o transcrito dispositivo legal para que não tenham os Procuradores Gerais um poder absoluto e ilimitado, sem qualquer controle interno ou externo.
Atualmente, vou mais adiante. Acho que a legitimação para esta ação penal privada subsidiária da pública não deve ficar restrita ao ofendido, pois muitos dos crimes tipificados em nosso sistema penal não têm vítimas, tornando impossível a deflagração deste salutar controle da não denúncia.
Acho que a legitimação para esta ação penal privada subsidiária da pública deve ser ampliada para as instituições, entidades e órgãos que a Constituição Federal legitima para a ação direta de inconstitucionalidade (art.103), sempre que o crime investigado tiver como objeto um bem jurídico em que seja do interesse público a sua tutela.
Esta mesma Constituição coloca a ação penal privada subsidiária da pública como um direito fundamental, conforme se vê do disposto no seu artigo 5º, inc.LIX.
A lei processual penal admite expressamente a analogia, a interpretação extensiva e o suplemento dos princípios gerais do Direito, consoante se vê do disposto no artigo 3º do Código de Processo Penal.
Desta maneira, retifico quase que integralmente a crítica que fizemos a um interessante anteprojeto de lei, elaborado por um grupo de juízes do antigo e famoso Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo. Digo, retifico parcialmente, porque aquela proposta legislativa objetivava dar legitimidade a qualquer do povo para ação penal privada subsidiária, bem como abrangeria os arquivamentos no primeiro grau de jurisdição.
A tanto não vamos, a tão longe não chego. Entretanto, agora compreendo melhor o desiderato da saudosa professora Ada Pellegrine Grinover, que coordenou aquele colegiado de magistrados. Este meu texto está publicado no livro “Direito Processual Penal, Estudos e Pareceres”, 15.edição, Juspodium, que passei a dividir com o amigo, magistrado e professor Pierre Souto Maior Amorim.
Naquela oportunidade, jovem ainda, não percebi ou atentei para a sabedoria e experiência da veterana e festejada professora titular da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
Nunca me causou qualquer constrangimento a mudança de entendimentos. Ao contrário, me dá bastante satisfação, pois é uma prova de que, como ser pensante, ainda não estou intelectualmente “morto”.
Concluo, dizendo e confessando: procuro uma interpretação extensiva e sistemática para que tenhamos um mecanismo legal de controle da não ação penal por parte dos Procuradores Gerais.
Fácil perceber que aí é que mais se faz necessário este controle do princípio da obrigatoriedade da ação penal pública, seja pela forma política de sua nomeação e investidura, seja pela relevância política dos investigados nos casos de competência originária dos tribunais. Em outro texto, também constante do meu livro acima citado, deixei dito que “controle” é uma palavra-chave do Estado Democrático do Direito (op.cit.p.487, 15ª.edição)
Imagem Ilustrativa do Post: Statue of Justice - The Old Bailey // Foto de: Ronnie Macdonald // Sem alterações
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