MÉTODOS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS: PRÁTICAS EMERGENTES DAS RELAÇÕES HUMANAS EMPREGADAS PELO PODER JUDICIÁRIO

26/07/2019

 Coluna Práxis / Coordenadoras Juliana Lopes Ferreira e Fabiana Aldaci Lanke

            O presente estudo se dirige a observações sobre um contexto de utilização de meios autocompositivos pelo Poder Judiciário. No entanto, o que se propõe é um olhar em “metaposição”, ou seja, analisar o tema tratado, colocando-se “fora” dele. O objetivo é subsidiar reflexões críticas sobre a inserção dos métodos complementares, junto ao Judiciário, no tratamento de conflitos.

            A relação humana traz em seu âmago organização linguística com seu conteúdo de percepção individual da realidade. (CAPRA e LUISI (2014, p. 307). Assim, ocorrem constantes negociações, no âmbito micro da vida social, inclusive por situações oriundas do cotidiano. Seccionam, também, da relação entre pessoas, os variados conflitos que emergem em momentos nos quais as negociações diárias fogem a naturalidade. Do mesmo modo que os conflitos, também os métodos para sua resolução permeiam a História das sociedades humanas.

            Um breve resgate histórico aponta que a arbitragem teria surgido há cerca de três milênios, na Babilônia, para resolver questões conflituosas. Além, disso, merece destaque o fato de que desde épocas remotas, visa-se a resolução das questões conflituosas via autotutela, pela responsabilidade pessoal em exercer a gestão e a resolução do conflito. Em algumas culturas do mundo se apresentam formas de mediação dos casos conflituosos. Nas comunidades judaicas antigas, a mediação era usada por líderes religiosos e políticos, visando solucionar conflitos. Posteriormente, na Europa mediterrânea, na África do Norte e no Oriente Médio, os rabinos praticaram mediação para definir assuntos religiosos, pois os judeus em vários lugares não acessavam demais meios para resolução de conflitos.   (AMARAL, 2008, p.59).

A autora mencionada recorre a Watanabe (IDEM, p.60), e, afirma que há duas vertentes de entendimento distintas sobre os meios de resolução de conflitos que fogem a regra judicial possuem. Uma linha norte-americana a qual compreende como meios “alternativos” todas as técnicas que promovam a solução de conflitos por via diferente da tradicional Judiciária. Outra linha é europeia, para este entendimento “o meio alternativo é a solução pelo Judiciário”, pois, desde tempos antigos essas práticas vêm sendo resolvidas pela sociedade sem a interferência do Estado. Reforça, ainda, que no direito romano o juiz privado antecede a ideia da figura do juiz estatal.

Adentrando neste mote de debate, um aspecto que rotineiramente vem ocupando espaço nos debates sobre a ação judiciária se refere as práticas de acesso à Justiça. Inclusive, se remete aos métodos “complementares” como priorização ou facilitação do acesso à justiça por meio das denominadas “novas” práticas de resolução de conflitos.

Importante, compreender que embora a relação de mudança de comportamento institucional possa estar presente, há um aspecto condutor das ações do Estado e da sociedade que definem a sociedade do capital.  

Nesta questão está a relação de procura e oferta a qual pela redução do Estado, tornando-o mínimo, afetou de sobremaneira a administração judiciária e com ela os serviços desenvolvidos tanto em quantidade como em qualidade. Para Santos (1994, p. 216), no início do século XX Austria e Alemanha (1971) empenharam tentativas de resposta as denúncias de incapacidade do Estado. As propostas de respostas vieram pelo Estado com reforma do processo civil de Franz Klein na Austria (1958) e pelos centros de consulta jurídica dos sindicatos alemães. 

O autor supramencionado descreve ainda que, sobretudo com as dificuldades implantadas nas sociedades em razão do período pós Segunda-Guerra, houve emergiram direitos sociais do denominado Estado providência, Estado de Bem-Estar Social. Assim, compreendeu-se também, que a justiça civil e a tramitação processual não poderia ser reduzidas a dimensão técnica, socialmente neutra como concebidas pela teoria processualista, os custos de litígio impediam o acesso pelo cidadão pobre. As Constituições dos Estados reconheceram direitos inovadores como direito ao trabalho, à saúde e à educação. Pautado na compreensão da ação positiva do Estado como essencial para a garantia de direitos sociais e, também, do acesso à justiça.

Posteriormente, com o cenário sócio-econômico mundial instalou-se, um movimento universal de acesso à Justiça, que se voltava a preservação das liberdades civis.  Considerou-se então, que o processo judicial deveria ser acessível aos diversos segmentos da população. As sociedades modernas assumiram ideias individualistas do laissez faire, e ações e relacionamentos passaram para um caráter coletivo, amplo. (CAPELETTI, 1994, p. 124). 

No entanto, a pessoa vulnerável socialmente, ainda que possa reconhecer seus direitos, o que é raro, nega-se a interpor uma ação. Isso ocorre, por um lado, por experiências anteriores frustradas e descrédito na causa, e, por outro, por dependência e temor de sofrer represálias no mercado por ter recorrido aos tribunais. Além disso, há o fator do desconhecimento de profissionais que atuam com o Direito, pois, é comum limitação geográfica que concentram escritórios de advocacia e tribunais. A discriminação social em relação acesso à justiça é um fenomeno mais complexo do que possa parecer, a efetivação deste acesso se mostra essencial para a materialização dos direitos humanos por possibilitar aos indivíduos a concretização de outros direitos[1]. (SANTOS, 1994, p.208).

No caso do Brasil, o Poder Judiciário vem demonstrando falhas no atendimento as demandas – algumas decorrentes de ações ou ausência de ação dos demais Poderes estatais. Assim, se instalou uma crise de eficiência institucional com distanciamento do Poder Judiciário e o público usuário, postura forjada por intenso ritualismo presente no contexto histórico da instituição. (TARUTUCE; BORTOLAI, 2015, p. 110). Contudo, neste interim, o Estado tem adotado medidas para garantir a população o conhecimento dos seus direitos subjetivos, inclusive, através de vias alternativas de resolução de conflito. Nestes casos, a solução passa a ser determinada pelas próprias partes, isso resulta em economia de tempo e desgaste emocional (além de dinheiro). A decisão tomada com a anuência das partes, tende a refletir as capacidades operacionais adequadas para a execução da medida decidida.

Neste contexto, o acesso à Justiça deve ser considerado tanto no que se refere a chegada dos indivíduos a este Poder Estatal, mas também no efetivo atendimento das demandas encaminhadas pelo indivíduo à Instituição. Inserido neste campo estão as diversas propostas e ferramentas autocompositivas, executados por leigos no espaço estatal. Ou seja, como forma de atender, de modo individualizado e, promissora em humanização, no atendimento às demandas do Judiciário, que segundo os dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2017, 80 milhões de processos[2].

Reforça Santos (1994, p.216), que as formas diferenciadas de tratamento de conflitos de interesse devem ser pensadas e implementadas em adequação com a finalidade de tratamento de conflitos “e não com a preocupação fundamental de solucionar a crise da Justiça. Não é porque o Poder Judiciário está sobrecarregado que tentaremos descobrir formas de aliviar a carga no fornecimento de Justiça Barata para os indivíduos”.

            Fundamental, portanto, que haja atenção sobre o que ocorre atrás das “cortinas” do cenário atual. Esta distinção entre o que se apresenta e as intenções motivadoras desta apresentação podem ser analisadas sob a ótica da ideologia hegemônica. Mas, este será tema para uma outra reflexão.

 

 

Notas e Referências

AMARAL, M. T. G. O direito de acesso à justiça e a mediação. Brasília, Uniceub: 2008. Disponível em: < https://pt.scribd.com/document/265695640/Livro-Acesso-a-Justica-e-Mediacao>. Acesso em 18 abr. 2019.

CAPPELLETTI, Mauro. Os métodos alternativos de solução de conflitos no quadro do movimento universal de acesso à justiça. Revista Forense, v. 326, n. 90, p.121-130, abr. / jun.1994, p.124.

CAPRA, Fritjof; LUISI, Pier Luigi. A visão sistêmica da vida: uma concepção unificada e suas implicações filosóficas, políticas, sociais e econômicas. São Paulo: Cultrix, 2014. p. 307.

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Dados Estatísticos. Disponível em: < http://cnj.jus.br/programas-e-acoes/politica-nacional-de-priorizacao-do-1-grau-de-jurisdicao/dados-estatisticos-priorizacao >. Acesso em 26 abr. 2019.

SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela Mão de Alice. O Social e o Político na Pós-Modernidade. Porto: Afrontamento, 1994.p. 216

TARTUCE, F; BORTOLAI, L. H. Mediação de Conflitos, Inclusão Social e Linguagem Jurídica: potencialidades e superações. Civil Procedure Review. v. 6, nº 2, pp. 107-129, mai/ago 2015. Disponível em: http://www.civilprocedurereview.com/index.php?option=com_content&view=article&id=462:mediacao-de-conflitos-inclusao-social-e-linguagem-juridica-potencialidades-e-superacoes-fernanda-tartuce-and-luis-henrique-bortolai-&catid=84:pdf-revista-n22015

TOMAZI, Nelson Dacio. Iniciação à sociologia. 2. ed. São Paulo, Atual: 2000.

[1] "Estudos revelam que a distância dos cidadãos em relação à administração da justiça é tanto maior quanto mais baixo é o estrato social a que pertencem e que essa distância tem como causas próximas não apenas fatores economicos, mas também fatores sociais e culturais, ainda que uns e outros possam estar mais ou menos remotamente relacionados com as desigualdades economicas"(SANTOS, 1994, p.208).

[2] Dados do Relatório Justiça em Números 2018 revelam que dos 80 milhões de processos que tramitavam no Judiciário brasileiro no ano de 2017, 94% estão concentrados no primeiro grau. Disponível: cnj.jus.br/programas-e-acoes/politica-nacional-de-priorizacao-do-1-grau-de-jurisdicao/dados-estatisticos-priorizacao

 

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