Mercantilização do corpo humano: entre a liberdade de dispor e a liberdade de alienação

19/03/2016

Por Laura Mallmann Marcht, Carolina Debesaitis Hohemberger e Felipe Halfen Noll - 19/03/2016

Muitos conceitos a respeito dos termos “disposição” e “mercantilização” do corpo humano estão confusos para a comunidade brasileira. Atualmente, entende-se a partir da Constituição de 1988, que é livre a disposição do corpo nas limitações do ordenamento brasileiro. Essa disposição diz respeito ao livre uso do corpo nas relações humanas, por exemplo, bem como a doação de certos órgãos, nos limites da legislação, mas quais são esses limites?

A Constituição Cidadã, como ente protetivo que é, buscou tutelar a forma como o corpo do individuo é tratado. Nesse sentido, buscou evitar a coisificação do corpo humano, de acordo com tratados e convenções internacionais.

Como discorre Lionês Araújo dos Santos, no capitalismo contemporâneo, o mercado e o consumo fazem com que o corpo, tanto como entidade física quanto simbólica, seja agente e alvo de consumo em seus diversos aspectos e a publicidade, por sua vez, ocupa-se de anunciar esse novo filão.

Bauman, em acordo, na clássica obra “Vida para Consumo”, enfatiza que a lista de consumo aumenta de acordo com as tendências, mas a única coisa que não se insere nela é a opção de não consumir. Nesse amplo aspecto, é possível notar que com a deturpação de certos valores, bem como da coisificação do corpo humano, o ser não é mais ser, mas sim, objeto.

Sandel, em “Justice”, retrata a história de Baby M, em que a bebê Melissa foi concebida em uma barriga de aluguel. O maior dilema ético presente na obra é a discussão sobre quem deveria ficar com a criança, uma vez que quem gestou, sentiu-se mãe da mesma. O principal argumento foi a caracterização de “comercialização” de bebês. Esse exemplo é meramente explicativo, já que se refere ao julgamento perante a corte americana.

O que é reflexo à legislação brasileira, é a vedação, por exemplo, das barrigas de aluguel. As técnicas de reprodução assistida atualmente possibilitaram que os pais escolham as características de seus filhos por meio de um “catálogo” de doadores, comercializando seus filhos. As pesquisas realizadas com material genético e segmentos de DNA dá margem ao patenteamento dos resultados obtidos, caracterizando mais uma vez a coisificação do ser humano, mas legalmente permitidas nos últimos dois casos supracitados.

Pela vedação da comercialização do corpo humano, surge o debate do tráfico de órgãos. É a terceira atividade mais lucrativa do mundo, ficando atrás apenas do trafico de armas e drogas, ele atinge as pessoas economicamente vulneráveis, que são pagos para retirarem seus órgãos. Como visto, ele é proibido na maioria dos países, e o Brasil é um deles, devido o art. 199, parágrafo 4 da CF/88 e a Lei nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997.

A lei abrange sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo, para fins de tratamento e transplante, estabelecendo regras para doação, que poderá ser entre vivos ou post mortem, sem fins lucrativos. Também, referindo-se ao crime da remoção, sendo em paga ou promessa, a compra ou venda de órgãos, a realização do transplante ou do enxerto, publicar apelos públicos, entre outros.

Fica claro que a Carta Magna buscou deixar clara a distinção de comercialização e disposição. É permitido, por exemplo, a doação de órgãos e até mesmo a prostituição. Mas é defesa a comercialização de bebês, bem como a venda de partes do corpo, o que reduz o ser humano em sua dignidade. Como Kant resolve a questão, o ser humano deve ter fim em si mesmo, e não ser apenas mais um produto posto numa estante.


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Laura Mallmann Marcht. Laura Mallmann Marcht é acadêmica do Curso de Direito da UNIJUÍ-RS e bolsista voluntária no projeto de pesquisa “Direito e Economia às Vestes do Constitucionalismo Garantista”, coordenado pelo Prof. Dr. Alfredo Copetti Neto. . .


Carolina Debesaitis Hohemberger. . Carolina Debesaitis Hohemberger é Acadêmica do Curso de Direito da UNIJUÍ/RS. . . .


Felipe Halfen Noll. Felipe Halfen Noll é acadêmico do Curso de Direito da UNIJUÍ-RS e bolsista voluntário no projeto de pesquisa “Direito e Economia às Vestes do Constitucionalismo Garantista”, coordenado pelo Prof. Dr. Alfredo Copetti Neto. . .


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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