Menos pessoalidade, mais instituição – Por Léo Rosa de Andrade

20/04/2016

Os males políticos de que padecemos mais nos vieram das ditaduras que nos violentaram a História do que dos vícios que são atribuídos ao povo. Nossa gente não é exatamente politizada, é certo, mas não por deliberação sua.

Ditaduras maleficiam não somente pelo que impõem, mas também pelo que suprimem; não apenas deseducam e conformam, mas impedem que se conheçam e que se exercitem possibilidades de convívio cívico.

Como recuperar o que eu não li? O que não vi? As conversas que não tive? É coisa perdida... Pior! Como buscar a prática sociopolítica que me foi abstraída? Não tendo hábitos públicos, erodimos a possibilidade institucional.

Democracia são menos pessoalidades e mais instituições. Depois de tantos atropelos ditatoriais nossa vida institucional restou não só desmanchadiça por frágil, mas pouco estimada por falta de proximidade com ela.

Se, contudo, queremos o que manifestamos querer, não temos, dentre as invenções políticas contemporâneas, outro caminho que não seja o de investir na consolidação de nossas instituições jurídico-políticas.

Seja: temos que abrir mão de boa parte de nossa soberania pessoal e confiá-la (com as devidas cautelas) ao Estado. Exemplifico com o Supremo Tribunal Federal: um julgado seu, ainda que dele discorde, vou ou não acatá-lo?

Devo deliberar sobre isso “em absoluto”, não “em relativo”. Dizendo de outro modo: reconheço as decisões do STF, ou sempre, ou nunca; não posso é respeitá-las por ocasião, quando lá se vota conforme o discurso da minha turma.

Claro, se compusesse a Corte, talvez eu votasse em divergência com a maioria dos demais ministros algumas vezes. Mas não é esse o lance. O caso é: reconheço a autoridade do Supremo, ou não?

A Constituição atribui ao Supremo a última palavra em questões legais, logo, vigendo o Estado de Direito, não me resta mais do que a conformidade legal ao decidido, seja ela adequada ou não aos meus interesses.

Quando os milicos da Ditadura de 1964 desgostavam do voto de um ministro do STF, aposentavam-no. Quando fascistas de direita ou de esquerda vão às mídias desabonar sentenças que os contrariam, estão fazendo o quê?

Os milicos insultavam sentenças (não muitas, porque o Judiciário colaborou bastante) escudados por armas. Os fascistas (de esquerda e de direita) midiáticos, se pudessem, fariam igual? Deporiam ministros da Suprema Corte?

Nesse momento de impeachment, doidivanas de direita veem comunismo e apelam às Forças Armadas; porras-loucas do lulopetismo (esquerda?) acusam de conspiração a Corte que tem 90% de seus membros indicados por presidentes do PT.

Democracia não é o império da razão pessoal. É inconcebível desejar que decisões sobre o impeachment em curso advenham de passeatas. Na vida democrática impera a legalidade, a qual pressupõe legitimidade, ou tudo é farsa.

Sinto desagrado por muitas execráveis figuras públicas, mas não recebi mandato. Para ser mandatário do povo, tenho que persuadi-lo a votar em mim. É a regra do jogo, e da sua observância decorre a estabilidade democrática.

Muitas vezes dá-me vontade de insubordinação, mas, em não sendo legitimado pelos eleitores, devo acatar a decisão de quem o foi. Ou é isso, ou, medindo gosto e desgosto, junto meu pessoal e caio na “tentação totalitária”.

Pulei do STF ao Parlamento porque diante Congresso há um muro apartando manifestantes “democráticos” em excesso: se não houver polícia e parede, os argumentos serão as vias de fato: pau, pedra, porrada.

O muro é uma infâmia. A necessidade de erguer um muro é infamante. Não cabe justificar que espíritos se exaltam com a relevância da causa. Não percebo inteligências em exaltação, mas rosnados intimidadores.

A civilização ideou a política; política é persuasão; a persuasão sagra o representante; o representante tem função institucional. Temos Cunha, Dilma et caterva. São, consoante a torcida, o que mal ou bem elegemos, afinal.

Eu não lhes gosto, mas não é caso de gosto. É de democracia, de instituição. Se o Congresso impedir Dilma, se o STF afastar Cunha, o que advir, que não advenha por ostentação de força, mas via institucional.

A Câmara recebeu a denúncia que pede o impeachment. A instauração do processo depende do Senado. Instaurado, o julgamento transcorre na Casa Alta sob comando do presidente do STF. Tudo sob supervisão do Supremo.

Acatar clamores que imputam ilegalidade ao processo é conferir autoridade a claques insatisfeitas em prejuízo da Constituição. Afinal, que tipo de democrata se arroga a si mesmo legitimidade para fazer-se substituir às instituições?


 

Imagem Ilustrativa do Post: When There is Nothing Left but a Profit Margin // Foto de: Surian Soosay // Sem alterações

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