Menor desacompanhada - resposta de uma filha a Murillo Andrade 

10/01/2017

Por Ivy Farias – 10/01/2017

Aos 35 anos, não consegui resolver minha opinião sobre bambus. Isso porque eles eram (são?) sinônimo de alegria e tristeza. Alegria por ver o meu pai e ir para casa dele, em Salvador. Tristeza por deixá-lo: ver o bambuzal do aeroporto do 2 de Julho (me recuso a chamar de Luís Eduardo Magalhães) significava seis meses sem vê-lo. Desde os cinco anos, minha vida no ar era o que o DAC (Departamento de Aviação Civil para os jovens) chamava de “menor desacompanhada”.

Os 2 mil quilômetros que separam a capital baiana da paulista, a comunicação não tão rápida como de hoje e as brigas constantes entre meu pai e minha mãe nunca foram capazes de tirar de mim o cuidado que ambos tinham.

Foi com surpresa que li o artigo do nobre colega Murillo Andrade nesta tribuna que é a internet associando a chacina de Campinas e outro crime bárbaro à alienação parental. O advogado, muito versado sobre o assunto, não sei porquê esqueceu de mencionar em seu artigo o caso da médica que matou o próprio filho, a nora e depois se matou. Ela era minha vizinha aqui na Vila Leopoldina, em São Paulo.

Senti falta do outro caso, que a mãe pulou do prédio junto com o filho pequeno pois suspeitou que o marido mantinha relações com sua mãe. E, claro, o do pai que matou os dois filhos porque também achava a mulher infiel. Destinos que nem Machado de Assis ousou traçar para sua Capitu.

Assassinados, principalmente os premeditados com riqueza de detalhes e requinte de crueldade como os por ele citados, não são resultado de desespero por não ver seus filhos. Por sentir falta deles. Porque, já disse Mia Couto, “morto amado nunca pára de morrer”. Não foram saudades, não foi o judiciário, não foram advogados que levaram a estes finais trágicos. A causa mortis nos dois exemplos nada mais é do que o egoísmo materializado em sua mais perversa forma.

A distância física e ouvi os constantes “você não presta igual ao seu pai” não foram capazes de deter as saudades do meu pai- nem todos os seus muitos esforços para fazer parte da minha vida. É inaceitável que credite-se mortes brutais como estas à alienação parental e os motivos por Murillo expostos.

Um pai desesperado não mata. Um pai desesperado primeiro lembra-se que ele é pai e mantém a calma. Escreve cartas (aquele papel que ia dentro de um envelope levado transportados pelos Correios) e cartões postais, como um dos Smurfs no Elevador Lacerda. Um pai desesperado usa sua única folga em dois anos para visitar sua filha. Em alguns casos, o desespero pode levar ao suicídio e não ao assassinato de sua prole. A chacina de Campinas e outros crimes do gênero nada mais são do que um pensamento mesquinho na linha de “se eu sofro você sofrerá mais”.

A alienação parental é um fato, existe e sim, dói para pais e filhos. O caso que acho mais emblemático é o do menino Sean, cujo pai enviava ursinhos, cartas e, ao contrário do meu, recebia “returned to the sender”. Se o judiciário tem que se posicionar com relação à questão? Certamente. As varas de família precisam ser mais céleres? Sem sombra de dúvida- e Sean está aí para provar. Mas utilizar o instituto e a instituição como justificativa para o injustificável é um deserviço como também desumano ao tentar atribuir qualquer tipo de responsabilidade a outro que senão o assassino.

. Na foto abaixo, meu pai dança a valsa da formatura do primário em 1991 comigo. Ele viajou de Salvador para São Paulo durante dois dias e meio de carro só para estar presente na ocasião.

unnamed


ivy-farias. Ivy Farias é jornalista e estudante de Direito da UMC Campus Villa-Lobos/Lapa em São Paulo e uma das co-fundadoras do movimento Mais Mulheres no Direito. Crédito da foto: Gustavo Scatena/Imagem Paulista/Divulgação . .


Imagem Ilustrativa do Post: Window seat // Foto de: Lars Plougmann // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/criminalintent/24248728203

Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode


O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura