Publico no Facebook foto de duas meninas que se beijam tomadas de meiguice. Epigrafo-a: “Não sou preconceituoso nem nada, mas acho que se for fazer isso tem que ser em lugar fechado. Ninguém precisa ver essas coisas; e se uma criança ver essa indecência!? Vai pensar que é certo fazer coisas assim... Onde se viu pichar no muro dos outros?
O texto anteposto à imagem, eu o adapto da redação de Teresa Lisboa Claymore; a foto, procuro-a no Google, encontro-a, mas não identifico autoria. Trago, com edição, comentários que estão em minha página e no grupo Feminino.
São opiniões de várias ordens, a maioria divertida, curtindo a “pegadinha” (sutil ironia, diz Wilson) da redação, que inicia com ar moralista, parecendo censurar o gesto de beijar em público, e acaba repreendendo a prática da pichação, cena de fundo da fotografia.
Há quem estabeleça beleza de gênero: “É quase um prazer ver duas mulheres se beijando, já assistir dois homens fazendo o mesmo, dificilmente não se evita olhar” (Jorge). Thaise adverte: “Creio que não gostarmos de homens se beijando deve-se à cultura machista em que vivemos”.
Glaucienne acrescenta: “Se fosse casal hétero teria que beijar num lugar fechado?”. Jorge replica: “Não é incomum se ter notícias de que homossexuais masculinos tenham sofrido violência nas ruas, mas nunca vi notícias de que mulheres tenham sofrido por isso”. Glaucienne (que me parece policial) treplica: “Quantas vezes fui chamada para intervir porque um casal de homossexuais estava se beijando, e eu tinha que explicar que isso não é crime”.
Beijo ainda sofre interdição. Mas o espírito dos tempos enuncia sensibilidades atualizadas: “Caramba, que foto linda, que pessoas lindas. Se houver um sentimento muito forte entre elas, uma paixão quase insuportável, que chega a doer na ausência... Cara, estar envolvido\a numa atmosfera dessa é estar vivo. É sublime. O preconceituoso que quer agir como um demiurgo, e com o seu ‘poder’ de criar o mundo perfeito ao seu preconceito quer apagar, tirar da paisagem, esconder, sempre diz ‘é inadmissível em local público’. Está aí o porquê: São pessoas lindas, envolvidas por sentimentos legítimos, tateando o mundo como qualquer um de nós, buscando encontrar o caminho, sempre difícil de ser encontrado, da felicidade” (Antonio).
Não obstante “Todas as formas de amor é amar” (Andréa), o preconceituoso quer mesmo esconder: “Se chama senvergonhice” (Vandir); “O maior problema é induzir crianças a situações que confundem suas cabecinhas” (Kátia);“Falta de respeito com a gente, que vê isso abertamente... Escondam-se” (Cida); “Com certeza tem que ter respeito, ser privado” (Rosana); “Estão erradas... Essas duas indecentes. Cada um faz o que quer da vida, mas respeito é bom. Credo!”. (Mara).
Querem tirar da paisagem o que não suportam. Ainda bem que: Tânia, “Acho bonito. Gosto.”; Simone, “Amor é lúdico!”; Lincoln, “Concordo!”; Amábily, “Muito bom!”; Thayrini, “Concordo”; Richard, “Compartilharei”; Vanessa, “Só li verdades”; Gigi, “Concordo”; Suzy, “Certíssimo”. Já há respostas à altura do preconceito. Valdete tem razão: “O preconceito cega as pessoas”.
Aí os ares começam a ficar religiosos: “Não sejamos hipócritas em pensar que isto seja normal. Nossa sociedade nos ‘ensinou’ que isto não é algo normal ou aceitável e depois fica complicado simplesmente dizer Amém” (Alessandro). Retruco: “Estás sugerindo um amém aos ensinamentos postos entre aspas.
Escatologia: Jefferson: “Eu fiz o ser humano de um jeito e ele usa o dom sobre o qual Eu DEUS (sic) já não tenho poder para agir, devido ao livre-arbítrio”. Respondo: “O tal deus perdeu o poder sobre a garotada”. Marcos insiste no “livre-arbítrio”. Rebato: “Cuidado com livre-arbítrio concedido, pois se não te comportas conforme a vontade divina, ‘fogo eterno’”. Marcos garante que “Para o enxofre, muitos irão antes de mim. Deus se revela aos ignorantes como eu”. Pensei em concordar com a declaração de ignorância, mas não me pareceu elegante fazê-lo.
Jefferson e Marcos supostamente não sabem, mas livre-arbítrio é uma questão teológica importante para a cristandade: o seu deus é potência dominus (que pode tudo sobre tudo), ou é potência ordinata (que pode no limite de regras, inclusive a de respeitar o livre-arbítrio até o “juízo final”? Foi discutindo isso que Kierkegaard criou a individualidade apartada do humano generalizado sobre as regras do deus cristão e reputou ao indivíduo responsabilidade por cada ato ou omissão sua.
Kierkegaard postou a possiblidade da Psicanálise e do Existencialismo. A Psicanálise e o Existencialismo livraram-se e nos livraram a todos do arbítrio divino sobre o livre-arbítrio humano. Livres, podemos pecar, inclusive beijar em público. Quanto aos que seguem crentes, têm seu alvedrio adstrito à moral religiosa. Amofinam a vida; se a viverem serão, por sua fé, justiçados à danação.
Imagem Ilustrativa do Post: Kiss // Foto de: Alberto Garcia // Sem alterações
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