MEMORANDO PARA A RECUPERAÇÃO ECONÔMICA FUTURA: SUPERAR O MERO CONSUMISMO

22/04/2022

Coluna O Direito na Sociedade de Consumo / Coordenador Marcos Catalan

Na medida em que se aproxima o próximo período eleitoral, a costumeira associação entre desenvolvimento econômico e consumo passa a figurar como eixo central dos planos políticos para a retomada do desenvolvimento econômico no Brasil. A recuperação econômica brasileira passa obrigatoriamente pela retomada do consumo, de acordo com a narrativa generalizada repercutida na mídia convencional, nos partidos políticos de quaisquer matizes, e nas organizações e empresas que respondem por aquele ente chamado Mercado.

Verifica-se que esse receituário foi empregado contemporaneamente nos Governos do início do século XXI no Brasil, liderados pelo Partido dos Trabalhadores. A fórmula associativa entre desenvolvimento econômico e consumo foi eixo central das políticas públicas no referido período. Conforme esclarece a economista brasileira Laura Carvalho:

Na contramão do ocorrido na maior parte dos países ricos no mesmo período, esse crescimento no Brasil e em outros países da América Latina foi marcado pela redução em diversos indicadores de desigualdade e expansão do nível de emprego formal.[1]

Conforme referido, no período dos Governos Lula, a geração de empregos, postos de trabalho e, consequentemente, de renda, foi direcionada para a aquisição de bens de consumo e serviços por uma fatia dos brasileiros que até então não poderia adquiri-los [2]. Os índices de desigualdade socioeconômica, por sua vez, contemplam como um de seus critérios o acesso a bens de consumo e serviços. A título de exemplificação, convém citar as pesquisas formuladas pelo IBGE que inseriram entre seus critérios de análise questões para que os cidadãos indicassem quantos e quais eletrodomésticos possuíam na residência, serviços como internet e pacotes de televisão, entre outros.

É razoável dizer que o acesso a tais bens de consumo é importante para o desenvolvimento da sociedade brasileira e para a melhora da qualidade de vida dos cidadãos. Em que pese tais avanços, muitos pesquisadores e movimentos sociais apontaram possíveis consequências desastrosas ocasionadas pela adoção das referidas políticas econômicas [3]. Entre elas, pode-se asseverar que a associação intensa e desenfreada entre desenvolvimento econômico e consumo constitui parte essencial do consumismo. Esse contexto merece ser detalhado para os fins a que se propõe esse singelo texto.

A centralidade do consumo para a referida estratégia econômica ao espraiar-se para a sociedade assemelha-se ao que o Zigmunt Bauman define como consumismo. Veja-se:

O ‘consumismo’ chega quando o consumo assume o papel-chave que na sociedade dos produtores era exercido pelos trabalhadores […] De maneira distinta do consumo, que é basicamente uma característica e uma ocupação dos seres humanos como indivíduos, o consumismo é um atributo da sociedade.[4]

Conforme o contexto acima ilustrado, não é exagero referir que o consumo passou a exercer papel-chave no Brasil contemporâneo, inclusive como motor de desenvolvimento econômico e, portanto, pauta central de planejamentos políticos de governos diversos. O consumismo consolida-se nesse contexto, na medida em que as pessoas vivenciam conjuntura que coletivamente as induz a comprar, adquirir e organizar as suas vidas em torno desses atos.

O consumismo, dessa forma, é deturpação do ato de consumo, que atinge tanto as pessoas em sua individualidade como a sociedade em sua organização coletiva, moldando o futuro de ambos. Novamente, convém destacar o que foi objeto de estudo e manifesto por pesquisadores e movimentos sociais: contemporaneamente, o consumismo é considerado um dos principais motores de destruição do planeta e do futuro das sociedades. Isto porque está interligado a problemas como a destruição do meio ambiente, a má alimentação, e até mesmo a precarização de direitos trabalhistas.

Com efeito, novamente com Bauman, importante estabelecer com clareza a prejudicialidade de uma economia estruturada no consumismo, muito mais que no consumo:

Além de ser um excesso e um desperdício econômico, o consumismo também é, por essa razão, uma economia do engano. Ele aposta na irracionalidade dos consumidores e não em suas estimativas sóbrias e bem-informadas; estimula emoções consumistas e não cultiva a razão. [5]

Por tais motivos, entende-se como absolutamente necessário e urgente o estabelecimento de um debate amplo voltado para o plano de recuperação econômica do Brasil atualmente, sobretudo após as severas crises pelas quais a sociedade brasileira passou após a pandemia de COVID-19 e os últimos 4 turbulentos anos no tocante ao cenário político.

Espera-se que um governo progressista projete a retomada do crescimento econômico no futuro próximo, com redução das desigualdades sociais e preservação dos direitos e garantias fundamentais, entre elas a preservação do meio ambiente e de direitos trabalhistas, por exemplo. Não obstante, sabe-se que se tal planejamento for calcado somente em políticas de incentivo intenso ao consumo, obrigatoriamente deve desandar em práticas consumistas generalizadas, o que nitidamente não há de fazer com que a sociedade brasileira avance com profundidade nas questões importantes para a contemporaneidade.

 

Notas e Referências

[1] CARVALHO, Laura. Valsa Brasileira: Do boom ao caos econômico. São Paulo: Editora Todavia, 2018. P. 17.

[2] Para ver mais: https://exame.com/economia/aumenta-o-consumo-das-classes-d-e-e-no-governo-lula-m0117063/. Acesso em 18 abr. 2022.

[3] Para ver mais: https://piaui.folha.uol.com.br/materia/o-longo-prazo-chegou/. Acesso em 18 abr. 2022.

[4] BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadoria. Tradução: Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. P. 41.

[5] BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadoria. Tradução: Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. P. 65.

 

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