MEDIDAS EXECUTIVAS ATÍPICAS E SEUS LIMITES – RECENTE ENTENDIMENTO DO STJ NO HC 711.194

11/12/2022

Coluna Advocacia Pública e outros temas Jurídicos em Debate / Coordenadores José Henrique Mouta e Weber Oliveira

O presente texto pretende discutir aspectos ligados à utilização das medidas executivas atípicas, a proporcionalidade e sua temporariedade, abordando, em relação a este último, recente entendimento do Superior Tribunal de Justiça.

Além das medidas de cunho pecuniário, um dos aspectos que vem provocando a doutrina e a própria jurisprudência nestes primeiros anos de vigência do CPC/15, diz respeito à interpretação das medidas executivas atípicas, visando estimular o cumprimento das ordens ligadas às obrigações de fazer, não fazer, coisa e dinheiro.

Esta é a redação do art. 139, IV, do CPC/15:

“Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:

(...)

IV - determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária” 

Este dispositivo deixa claro o poder do juiz visando à adoção das medidas necessárias para assegurar o cumprimento da decisão judicial, inclusive nas demandas de natureza pecuniária. Em uma frase: o Código aproxima as medidas de apoio para todas as obrigações judiciais, com claro estímulo para a adoção da conduta.

Com efeito, se antes a multa era a medida clássica para estimular o cumprimento da ordem de conduta – tutela específica de fazer, não fazer e entrega de coisa[1], o CPC/15 amplia o rol de possibilidades, inclusive no que respeita às obrigações de pagamento de quantia[2].

O Enunciado 12 do FPPC elenca alguns requisitos importantes para a aplicação deste dispositivo:

“(arts. 139, IV, 523, 536 e 771) A aplicação das medidas atípicas sub-rogatórias e coercitivas é cabível em qualquer obrigação no cumprimento de sentença ou execução de título executivo extrajudicial. Essas medidas, contudo, serão aplicadas de forma subsidiária às medidas tipificadas, com observação do contraditório, ainda que diferido, e por meio de decisão à luz do art. 489, § 1º, I e II”.

Vários questionamentos estão sendo feitos em relação a constitucionalidade das condutas (v.g., apreensão e suspensão de utilização de passaporte, carteira de motorista, CPF, cartão de crédito, créditos em programa de vantagens como o Nota Fiscal Paulista, etc.) bem como em relação ao próprio dispositivo do CPC (ADI 5941/STF).

Neste sentido, demonstrada, no caso concreto, a recalcitrância vazia de fundamento, o art. 139, IV, do CPC deve ser utilizado como instrumento de estímulo visando o cumprimento das ordens judiciais e, em última análise, de efetividade da prestação jurisdicional nela contida.

No julgamento de um habeas corpus, impetrado contra decisão que determinou a apreensão do passaporte e carteira de motorista daquele que descumpria ordem judicial a 30ª Câmara Direito Privado do TJSP (HC 2183713-85.2016.8.26.0000 – Rel. Des. Marcos Ramos, j. 29/03/17) entendeu que:

“‘Habeas corpus’ Ação de execução por quantia certa – Decisão que determinou a apreensão do passaporte e a suspensão da CNH do executado, até que efetue o pagamento do débito exequendo, fundamento no art. 139, IV, do NCPC – Remédio constitucional conhecido e liminar concedida – Medidas impostas que restringem a liberdade pessoal e o direito de locomoção do paciente Inteligência do art. 5o, XV, da CF – Limites da responsabilidade patrimonial do devedor que se mantêm circunscritos ao comando do art. 789, do NCPC – Impossibilidade de se impor medidas que extrapolem os limites da razoabilidade e da proporcionalidade. Ação procedente para conceder a ordem”[3]. 

O STJ, no RHC 99606/SP (3ª T – Rel. Min. Nancy Andrighi – J. em 13.11.2018 – DJe 20.11.2018)  também enfrentou a questão, inclusive citando precedentes da própria Corte, concluindo que: “a  suspensão  da  Carteira Nacional de Habilitação não configura dano  ou  risco potencial direto e imediato à liberdade de locomoção do  paciente,  devendo  a  questão  ser, pois, enfrentada pelas vias recursais próprias”[4]

Mais recentemente, como ocorreu nos REsp 1963739 / MT (Rel. Min. Herman Benjamin – 2ª Turma – J. em 26/10/2021 – Dje 10/12/2021 e REsp 1929230 / MT (Rel. Min. Herman Benjamin – 2ª Turma – J. em 04/05/2021 – Dje 01/07/2021) , o STJ analisou e confirmou a possibilidade de aplicação das medidas executivas atípicas às ações de improbidade, desde que atendidos os parâmetros da razoabilidade e proporcionalidade.

A propósito, o raciocínio ligado à proporcionalidade é ponderado em também em precedente da 3ª Turma do STJ, senão vejamos:

"A adoção de meios executivos atípicos é cabível desde que, verificando-se a existência de indícios de que o devedor possua patrimônio expropriável, tais medidas sejam adotadas de modo subsidiário, por meio de decisão que contenha fundamentação adequada às especificidades da hipótese concreta, com observância do contraditório substancial e do postulado da proporcionalidade." (REsp 1.788.950/MT, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 26.4.2019).

Há, sem dúvida, muito ainda a ser analisado em relação à aplicação destas medidas atípicas, inclusive pelos próprios Tribunais Superiores. O binômio que a temática provida está relacionado entre efetividade do processo X direitos constitucionais do executado.

De outro prisma, outra questão a ser enfrentada está relacionada ao tempo: quanto tempo deve durar a medida executiva atípica?

Imagine hipótese de recalcitrância continuada, com medida executiva atípica (ex. Suspensão de Carteira Nacional de Habilitação ou do Passaporte) que não surte o efeito imediato, há limite temporal para a liberação do devedor de tal “incômodo processual”?

Sem dúvida que o tema é tormentoso, atual e absolutamente necessário. Seria necessário fixar um tempo ou até a satisfação da obrigação? Há limite temporal para a medida executiva atípica ou deve permanecer até o efetivo cumprimento da obrigação, respeitados os padrões da proporcionalidade e razoabilidade?

A questão foi debatida em sessão da 3ª Turma do STJ no HC  711.194 – com votação por maioria – prevalecendo o voto divergente proferido pela Exma. Nancy Andrighi.

 No caso concreto, a determinação de bloqueio dos passaportes dos devedores ocorreu 14 anos após o início da execução e os mesmos tentaram suspender a decisão oferecendo valor pequeno. Nos dizeres da Min. Nancy Andrighi: “O oferecimento dessa insignificante quantia mensal, após mais de 16 anos de execução sem que nenhuma outra forma de pagamento fosse viabilizada, não é apenas inócua, mas até mesmo desrespeitosa e ofensiva ao credor e à dignidade do Judiciário, na medida em que são oferecidas migalhas em trocas de um passaporte para o mundo e, quiçá, para a inadimplência definitiva”

E concluiu: É correto afirmar que não há formula magica e nem deve haver tempo pré-estabelecido para duração de medida coercitiva. Ela deve perdurar pelo tempo suficiente para dobrar a renitência do devedor, de modo a efetivamente convencê-lo de que é mais vantajoso adimplir obrigação do que não poder realizar viagens internacionais, por exemplo"

Realmente, a discussão envolvendo a utilização das medidas executivas é extremamente importante, também em relação à eventual fixação de temporariedade e a própria conduta do executado no que respeita a adoção de medidas que mitiguem o não alcance da plenitude do objeto litigioso.

Tudo depende do caso concreto. Esta última hipótese tratada pela 3ª Turma do STJ, em entendimento por maioria de votos, por certo não exaure a discussão acerca da importância do tempo para a viabilidade da utilização das medidas atípicas como suspensão de passaporte ou CNJ mas, de qualquer maneira, abre as portas para este importante debate.

Penso que, apenas no caso concreto poder-se-á concluir acerca da eventual limitação temporal, desde que atendidas as premissas anteriormente debatidas e, principalmente, analisando qual a conduta do réu em relação à obrigação que não está sendo cumprida. O que o não pode ocorrer é a manutenção da recalcitrância e requerimentos de levantamento da medida judicial, o que, se ocorrer sem parâmetro, pode significar descrédito ao próprio Poder Judiciário e, em última análise, ao próprio direito do credor.

Seguir daqui aguardando o acórdão e afirmando que de início deve durar até o adimplemento ou apresentação de outras formas razoáveis para cumprir a obrigação.

Fechar e aguardar acórdão – publicação será dia 26.06.

 

SEGUIR DAQUI EM DIANTE E VER O HC DO STJ

EM 23.06.22

 

Notas e referências

[1]        O STJ tinha restrições no que respeita à aplicação de multa cominatória para as execuções de quantia (ex. RESp 1.343.775, Rel Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Relator p/ Acórdão Ministro João Otávio de Noronha, 3ª Turma, J. em 15/09/2015, DJe de 26.11.2015: “Processual civil e civil. Plano de saúde. Tratamento médico. Obrigação de fazer satisfeita tempestivamente. Obrigação de pagar. Imposição de multa cominatória. Impossibilidade. 1. Satisfeita tempestivamente a obrigação de fazer, consistente em autorizar a realização de tratamento médico urgente, a obrigação de pagar quantia certa acaso remanescente não pode ser alvo da multa cominatória prevista no art. 461 do CPC. 2. Recurso especial provido”). 

[2]        Essa aproximação deve ser feita com algumas ressalvas, tendo em vista que o procedimento de cumprimento de sentença é diferente. Como bem apontam Wambier, Conceição, Ribeiro e Torres de Mello: “se há disciplina específica para a prestação de tutela jurisdicional em cada conjunto de espécies de obrigações, é necessário que se interprete este dispositivo (inciso IV do art. 139) com grande cuidado, sob pena de, se se entender que em todos os tipos de obrigações, inclusive na de pagar quantia em dinheiro, pode o juiz lançar mão de medidas típicas das ações executivas lato sensu, ocorrer completa desconfiguração do sistema engendrado pelo próprio legislador para as ações de natureza condenatória”. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil – artigo por artigo. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2015, p. 264.

[3]        Esta passagem do voto do Relator (Des. Marcos Ramos) merece destaque: “quanto mais não fosse, mesmo que se entenda que as medidas coercitivas em comento sejam proporcionais e razoáveis em função da lamentável renitência do devedor em quitar débito de há muito reconhecido, as providências ligadas à apreensão do passaporte e à suspensão da Carteira Nacional de Habilitação não se apresentam necessariamente efetivas à satisfação da pendência financeira objeto da execução”.

[4] STJ -HC 411519-SP, RHC 97876-SP.

 

 

Imagem Ilustrativa do Post: the cage // Foto de: Jason Trbovich // Com alterações 

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/jasontrbovich/22379723711/

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