É extremamente alto o número de processos judiciais propostos por cidadãos em face de profissionais da Medicina[1].
Esta não é uma realidade apenas brasileira. Na Itália, por exemplo, o cenário é comparado a uma guerra civil[2]. Esta é a frase que materializa o livro de Ivan Cavicchi: Medici vs cittadini. Un conflitto da risolvere[3].
Do aludido texto, algumas reflexões merecem ser observadas:
- na Itália também há muitos processos e poucas condenações, geralmente por falta de provas[4];
- o alto número de processos judiciais traz a necessidade de redefinição jurídica do médico[5];
- os médicos, ao longo do tempo, estão perdendo autonomia[6];
- “parece inacreditável mas muitas vezes o tribunal oferece ao cidadão algo que o médico não é capaz de oferecer. Hoje muitas pessoas são obrigadas a ir aos tribunais para solicitar explicação exauriente sobre o seu caso.”[7] (tradução livre)
- “atualmente o médico perdeu autonomia e sua capacidade de autoderminação em razão da prevalência do ambiente jurídico, que confere primazia ao paciente.”[8] (tradução livre)
- “é preciso reequilibrar a autonomia. Não se pode aceitar que a autonomia do doente cresça e a do médico diminua.”[9] (tradução livre)
Em razão da crise decorrente da judicialização exacerbada do ato médico, criou-se a Comissão D’Ippolito (Itália, 2023), para estudo e aprofundamento da problemática sobre a culpa profissional médica[10]. Alguns temas debatidos na Comissão: despenalização da culpa médica[11]; sancionar o cidadão que vai ao tribunal[12]; ou uma redefinição jurídica do papel do médico na sociedade atual[13].
Importante compreender que a falibilidade é inerente à Medicina. Muitas vezes a escolha médica envolve um alto grau de complexidade. E isso, segundo Cavicchi, poderia servir como um atenuante especial capaz de afastar a culpa[14].
No Brasil, algumas razões que podem justificar o excesso de ações judiciais:
- desinformação;
- assimetria de informações;
- falta de esclarecimento;
- falta de compreensão dos fatos;
- facilidade de acesso à Justiça;
- fomento mercadológico;
- ausência de tentativa de diálogo prévio;
- eventos adversos;
- deficiências na formação médica;
- judicialização como um negócio.
Como se observa, o problema existe e é preciso encontrar mecanismos para conferir mais segurança aos profissionais da saúde, sob pena de ampliação da crise sanitária.
Portanto, é dever da sociedade adotar medidas para tutelar adequadamente as pessoas e evitar os efeitos da judicialização excessiva, predatória e inconsequente.
Notas e referências
[1] BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/sistemas/datajud/. Acesso em: 03 Jun. 2024.
[2]CAVICCHI, Ivan. Medici vs cittadini. Un conflitto da risolvere. Lit Edizione: Roma, 2024, p. 15/18.
[3] CAVICCHI, Ivan. Medici vs cittadini. Un conflitto da risolvere. Lit Edizione: Roma, 2024.
[4]CAVICCHI, Ivan. Medici vs cittadini. Un conflitto da risolvere. Lit Edizione: Roma, 2024, p. 114.
[5]CAVICCHI, Ivan. Medici vs cittadini. Un conflitto da risolvere. Lit Edizione: Roma, 2024, p. 79.
[6]CAVICCHI, Ivan. Medici vs cittadini. Un conflitto da risolvere. Lit Edizione: Roma, 2024, p. 82.
[7]CAVICCHI, Ivan. Medici vs cittadini. Un conflitto da risolvere. Lit Edizione: Roma, 2024, p. 18.
[8]CAVICCHI, Ivan. Medici vs cittadini. Un conflitto da risolvere. Lit Edizione: Roma, 2024, p. 82.
[9]CAVICCHI, Ivan. Medici vs cittadini. Un conflitto da risolvere. Lit Edizione: Roma, 2024, p. 83.
[10]CAVICCHI, Ivan. Medici vs cittadini. Un conflitto da risolvere. Lit Edizione: Roma, 2024, p. 8.
[11] Medida que seria aparentemente inconstitucional, na visão de CAVICCHI (p. 95).
[12]CAVICCHI, Ivan. Medici vs cittadini. Un conflitto da risolvere. Lit Edizione: Roma, 2024, p. 11/12.
[13]CAVICCHI, Ivan. Medici vs cittadini. Un conflitto da risolvere. Lit Edizione: Roma, 2024, p. 13/14.
[14]CAVICCHI, Ivan. Medici vs cittadini. Un conflitto da risolvere. Lit Edizione: Roma, 2024, p. 109/110.
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