Medicalização da Vida

21/01/2019

Um dos grandes problemas da humanidade é a chamada Medicalização da Vida.

Muitas pessoas não precisam de tratamentos ou de ajuda médica, contudo, imaginam que somente tal profissional e/ou um medicamento poderá resolver os seus problemas.

Basta ver o aumento dos casos de doenças psíquicas no mundo. As pessoas vivem ansiosas. Ficam depressivas. As pessoas não sabem mais se relacionar (neste aspecto, as redes sociais ajudaram a fomentar tal situação). Uma frustração passageira e sem muito impacto às vezes é confundida com um grande insucesso e pode levar à morte.

Davies questiona a eficácia dos medicamentos existentes no mercado mundial. Assenta, em resumo, que nos últimos anos existiu um abuso do uso impróprio de fármacos e que isso tem uma consequência muito ruim para a Sociedade: tornar mais resistentes os vírus[1].

Segundo Di Grazia, doenças são inventadas para vender tratamentos e medicamentos[2].

O exemplo sobre halitose ajuda a situar.

O cirurgião inglês Joseph Lister desenvolveu em 1865 o primeiro procedimento de antissepsia cirúrgica, utilizando uma solução de ácido carbólico nos instrumentos cirúrgicos, nas roupas, na incisão cirúrgica e nas mãos do cirurgião. Em 1879, os Drs. Joseph Lawrence e Jordan W. Lambert homenagearam Lister com a inclusão no mercado do antisséptico cirúrgico chamado Listerine. Mais tarde, o produto foi levado para uso odontológico e, em 1914, consagrou-se o primeiro enxaguante comercializado nos EUA[3]. Contudo, o Listerine não tinha apelo comercial. Assim, a fabricante contratou um publicitário para fomentar as vendas. E o marketing encontrou uma doença para um produto já existente. A doença era a halitose, que “arruinava qualquer chance de namoro, casamento e emprego”[4]. Com isso, as vendas foram de US$ 115.000 para mais de 8 milhões de dólares em poucos anos[5]. E tudo em razão da publicidade.

Tal situação indica que a indústria cria medicamentos e somente depois verifica qual vai ser a sua utilidade, ou seja, procura uma doença supervenientemente!

Neste contexto, é importante a aplicação do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8080/90), que fixa uma série de condições para o mercado farmacêutico, com destaque para os deveres de transparência e de informação correta e adequada quanto à segurança, eficácia, eficiência, utilidade dos produtos[6].

Além disso, torna-se indispensável reduzir o nível de consumo na área da Saúde, sob pena de agravar ainda mais a situação das pessoas e aumentar de modo descontrolado a Judicialização por medicamentos não incorporados no Sistema Único de Saúde – SUS e no rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS.

 

Notas e Referências

[1] DAVIES, Sally C. Quando le medicine non funzionano. Tradutor não indicado. Sansepolcro: Aboca S.p.A. Società Agricola, 2018. Título original: The drugs don't work.

[2] DI GRAZIA, Salvo. Medicine e bugie. Il bussiness della salute: como difendersi da truffe e ciarlatani. Milano: Chiarelettere editore srl, 2017, p. 60.

[3] CUNHA, Marcelo Ferreira Carlos. A racionalidade da mercantilização da doença. Dissertação de Mestrado. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública da USP, 2008. p. 74.

[4] CUNHA, Marcelo Ferreira Carlos. A racionalidade da mercantilização da doença. Dissertação de Mestrado. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública da USP, 2008. p. 74.

[5] CUNHA, Marcelo Ferreira Carlos. A racionalidade da mercantilização da doença. Dissertação de Mestrado. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública da USP, 2008. p. 74.

[6] Neste sentido: “O dever de informação inclui (ou deve incluir) vários atores: a empresa farmacêutica, como fabricante; o médico prescritor, como guia do paciente; o farmacêutico, como vendedor especialista. Mesmo que o primeiro seja o principal responsável pelo dever de informar, tanto o médico quanto o farmacêutico têm deveres decorrentes dos seus conhecimentos especializados e das respectivas funções.” (Raposo, Vera Lúcia. O que é que você sabe sobre o seu comprimido? A informação em relação a produtos farmacêuticos. Revista de Direito do Consumidor. vol. 117. ano 27. p. 245-246. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2018).

 

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