Mediação privada no juízo de família

03/06/2017

Por Roberto Arriada Lorea - 03/06/2017

Palavras de abertura

No cotidiano da sala de audiências encontro com pessoas que poderiam se beneficiar da mediação para lidar com seus conflitos. Porém, diante do elevado número de casos, sou compelido a ignorar as novas diretrizes legais e tratar as partes à moda antiga, submetendo-as a um procedimento obsoleto que culminará com uma sentença, a qual encerra o processo mas dificilmente soluciona o conflito. Eventualmente, aprofunda-o.

O objetivo dessas linhas, versão escrita para a apresentação no IX Congresso do Mercosul de Direito de Família, é fazer pensar sobre alternativas que ampliem a oferta da mediação familiar no Judiciário.

1. a nova jurisdição de família – mediação agora é lei

O Novo Código de Processo Civil, NCPC, em seu artigo 694, estabelece que nas ações de família devam ser feitos todos os esforços para a solução consensual do conflito, estimulando os juízes a dispor de outros saberes, notadamente a mediação e conciliação. Consolida-se, assim, a diretriz do Conselho Nacional de Justiça, CNJ, cuja Resolução 125/2010 já orientava os juízes a oferecer métodos autocompositivos para solucionar o conflito.[1]

De fato, a própria Resolução 125, que se constitui no grande marco regulatório da mediação no Brasil[2], viu-se atualizada após o NCPC. Por meio da Emenda nº2/2016, o Conselho Nacional de Justiça redefiniu sua redação, estabelecendo no seu artigo 1º, § único, o dever de o Judiciário disponibilizar a mediação:

Aos órgãos judiciários incumbe, nos termos do art. 334 do Novo Código de Processo Civil combinado com o art. 27 da Lei de Mediação, antes da solução adjudicada mediante sentença, oferecer outros mecanismos de soluções de controvérsias, em especial os chamados meios consensuais, como a mediação e a conciliação, bem assim prestar atendimento e orientação ao cidadão.

Pode-se afirmar que o Brasil passa a adotar, a partir do NCPC, as diretrizes preconizadas no modelo europeu para a solução dos conflitos familiares, cuja marco legal é a “Recomendação n.º R (98) 1”, do Comitê de Ministros do Conselho da Europa aos Estados Membros, sobre a Mediação Familiar. Trata-se de documento que pode ser utilizado como referência para refletir sobre a mediação familiar, publicado em 21/01/1998, cujos trechos abaixo bem ilustram o seu conteúdo e objetivos:

7. Tendo em conta os resultados da investigação, no que diz respeito ao uso da mediação e das experiências conduzidas neste domínio em vários países, que mostram que o recurso à mediação familiar pode, na circunstância:

- melhorar a comunicação entre os membros da família;

- reduzir os conflitos entre as partes no litígio;

- dar lugar a resoluções amigáveis;

- assegurar a manutenção de relações pessoais entre os pais e os filhos;

- reduzir os custos econômicos e sociais da separação e do divórcio para as próprias partes e para os Estados;

- reduzir o tempo de outra forma necessário à resolução dos conflitos; 

11. Recomenda aos Governos dos Estados membros:

i. que instituam ou promovam a mediação familiar ou, se for o caso, reforcem a medição familiar existente;

Reforça esse entendimento o fato de que o Conselho Nacional de Justiça, ao editar a Resolução 125/2010, dentre suas justificativas, igualmente reconhecendo os benefícios da mediação, afirmou:

CONSIDERANDO que a conciliação e a mediação são instrumentos efetivos de pacificação social, solução e prevenção de litígios, e que a sua apropriada disciplina em programas já implementados nos país tem reduzido a excessiva judicialização dos conflitos de interesses, a quantidade de recursos e de execução de sentenças;

Também afirmando os benefícios da mediação familiar, o legislador brasileiro a adotou como procedimento padrão nas Varas de Família, por meio do artigo 695, do NCPC[3]:

Art. 695. Recebida a petição inicial e, se for o caso, tomadas as providências referentes à tutela provisória, o juiz ordenará a citação do réu para comparecer à audiência de mediação e conciliação, observado o disposto no art. 694.

Assim, do exame do ordenamento jurídico, evidencia-se a obrigação de o Judiciário disponibilizar às partes a solução do conflito através da mediação. Nesse sentido, mostra-se oportuno referir que a jurisprudência do TJRS tem refutado eventuais irresignações ante o novo modelo de jurisdição preconizado pelo NCPC, ratificando a mudança de paradigma na prestação jurisdicional em matéria de família.

A seguir transcrevo recente ementa do TJRS que bem ilustra essa validação.[4]

APELAÇÃO CÍVEL. SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA DE ACORDO CELEBRADO ENTRE AS PARTES EM SESSÃO DE MEDIAÇÃO PRÉ-PROCESSUAL. NULIDADE. INOCORRÊNCIA. O CPC estabelece que, "nas ações de família, todos os esforços serão empreendidos para a solução consensual da controvérsia devendo o juiz dispor do auxílio de profissionais de outras áreas de conhecimento para a mediação e conciliação" (art. 694, caput). Seguindo a diretriz legal, e as Resoluções do CNJ (n.º 125/2010) e do Conselho da Magistratura deste TJRS (n.º 1.026/2014), foi instaurada Vara Adjunta de Conciliação Pré-processual na comarca de Pelotas. O acordo eventualmente obtido e celebrado nas sessões de mediação pré-processual, depois submetidos para apreciação do MP e para homologação judicial, não é inválido, ainda que as partes não estejam acompanhadas por advogados. A presença de advogados é facultativa, não obrigatória. Há expressa autorização judicial para isso (art. 10, da Lei n.º 13.140/2015). O acordo obtido em sessão de mediação não é vedado nem mesmo se o direito objeto do acordo for indisponível. Pois no direito de família a maioria dos direitos é indisponível. Assim, se adotado o entendimento de que não pode haver mediação se o direito for indisponível, ficará afastada praticamente toda e qualquer... hipótese de mediação em ações de direito de família. E por conseguinte, haverá negativa de vigência ao art. 694, caput, do CPC. A obtenção de acordo nas sessões de mediação pré-processual, realizada sem a presença do agente ministerial e do juiz, representa o cumprimento estrito da nova principiologia adotada pelo CPC, de privilegiar soluções consensuais, especialmente em ações de direito de família. Ademais, no presente caso não se verifica, e aliás nem sequer foi alegado em grau de apelo, qualquer espécie de prejuízo concreto em função dos termos do acordo que foi homologado. NEGARAM PROVIMENTO AO APELO. (Apelação Cível Nº 70071448567, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 09/03/2017).

Portanto, é correto afirmar que a partir das alterações legislativas introduzidas na prestação jurisdicional, o desafio dos Juízes de Família consiste em disponibilizar a mediação antes de impor às partes o tradicional procedimento heterocompositivo.

2. o saber local – resultados do Projeto CJMF

Estabelecidos os benefícios da mediação familiar, é preciso considerar que o fato de a mediação familiar estar consagrada, a partir de experiências bem sucedidas em outros lugares, não diminui o desafio de implementar um serviço de mediação familiar em nível local.

Antecipando-se às mudanças legislativas que se anunciavam, o TJRS autorizou a criação de um projeto-piloto voltado ao desenvolvimento da mediação familiar no estado. Essa iniciativa, além de contribuir para que o Tribunal de Justiça pudesse se preparar para atender às alterações legislativas que viriam, oportunizou validar, localmente, os resultados já conhecidos por meio da literatura.

Sob o nome de “Projeto CJMF”, o Centro Judiciário de Mediação Familiar foi instalado em 2013 no Foro Regional do Partenon, em Porto Alegre[5]. À época, tendo como inspiração, entre outras, as iniciativas de Santa Catarina (2001)[6] e Paraíba (2012)[7], a proposta era inovadora por estabelecer o desafio de institucionalizar a mediação familiar, propondo-a como o método preponderante para a solução dos conflitos e não apenas como uma alternativa eventual, como já ocorre há muito tempo, em pequena escala, na esfera privada. Tratava-se, em alguma medida, de popularizar o uso da mediação familiar. Essa proposição, de disseminar a mediação familiar no âmbito judicial, foi descrita nos seguintes termos:

Essa iniciativa, mais do que tratar da mediação e seus benefícios, está focada na sua institucionalização enquanto uma política pública judiciária que assegure a universalização do acesso à mediação familiar por todos que procuram no Judiciário a solução para o conflito que estão vivenciando.

Implementado o projeto-piloto, após seis meses de trabalho foram apresentados os primeiros resultados, lançados em relatório enviado à Corregedoria-Geral da Justiça do TJRS. O método escolhido para a avaliação do projeto-piloto, conforme antecipado na proposta que deu origem ao mesmo, enfatizou o aspecto qualitativo, privilegiando-se a avaliação dos usuários do CJMF, fossem as próprias partes ou seus advogados.

Para tanto, após cada sessão de mediação, os usuários foram convidados a preencher um questionário de satisfação. No curso desses primeiros seis meses, obteve-se o número de oitenta questionários respondidos, os quais serviram de base para a avaliação levada a efeito.[8] Aqui, transcrevo apenas alguns indicadores, com o intuito de ilustrar a avaliação feita pelos usuários do serviço.

Sabe-se que uma das principais queixas dos usuários do Judiciário é a demora. No âmbito do CJMF, os usuários tiveram oportunidade de avaliar o tempo de duração da mediação – do início ao término – avaliando-o como excelente (42%), ótimo (50%) e bom (8%), não se registrando qualquer resposta para regular ou ruim.

Quanto aos mediadores e sua forma de conduzir a mediação, os resultados revelaram que 72% consideraram excelente, 23% ótimo e 5% avaliaram como boa. Nenhum usuário avaliou como regular ou ruim.

Outro achado relevante diz respeito ao fato de que 95% dos usuários afirmaram que não se sentiram pressionados a fazer um acordo, assegurando que os acordos celebrados são fruto da vontade das partes, o que contribui para que referidos acordos sejam efetivamente cumpridos.

O fato de os usuários informarem que não se sentiram pressionados a fazer um acordo assegura confiabilidade no método empregado, garantindo aos advogados que as partes não estão sendo pressionadas a fazer acordos que não reflitam seu desejo, contribuindo para incrementar a confiança de todos profissionais do Direito nesse método de solução dos conflitos.

Também merece destaque o fato de que, para 71% dos usuários, houve melhora no diálogo, enquanto 18% responderam que houve melhora parcial no diálogo, o que traduz um benefício com o simples fato de haver participado da mediação, independentemente de celebrar um acordo naquele momento.

Especialmente quando se trata de conflitos familiares, a qualificação do diálogo entre as partes é relevante, na medida em que tende a preservar o interesse dos menores, bem como contribui para prevenir novos conflitos.

Dentre os resultados alcançados, talvez o mais relevante, dada sua autenticidade, seja o fato de que 91% dos usuários afirmam que recomendariam o procedimento de mediação. Evitando-se uma conclusão simplista que conduzisse à ideia de que apenas quem obteve um acordo é que recomendaria a mediação, buscou-se cruzar as respostas, constatando-se que entre aqueles usuários que não obtiveram um acordo, 85,4% recomendariam a mediação.

Enfim, mesmo se tratando de uma pequena amostragem relativa aos primeiros seis meses do projeto-piloto, sem maior relevância do ponto de vista estatístico, é possível afirmar que a avaliação foi bastante positiva e capaz de demonstrar que, no âmbito do TJRS, reunimos plenas condições de realizar mediação com qualidade, especialmente porque essa avaliação foi feita por aqueles que efetivamente usaram o serviço.

Portanto, o projeto-piloto serviu para comprovar, em nível local, os benefícios advindos da mediação, impondo o desafio de ampliar a capacidade de atendimento do Judiciário, aspecto que será examinado a seguir.

3. sustentabilidade da mediação familiar – a necessária valorização dos mediadores

Se é certo que os Tribunais de Justiça encontram dificuldades para remunerar os mediadores, não é menos verdadeiro que não se faz política pública – a sério – com base em sacrifícios pessoais. Evidentemente é compreensível que as primeiras iniciativas, porque desbravadoras de novas possibilidades ainda não exploradas, tenham se constituído a partir de um corpo de voluntários dispostos a se doar pela causa da mediação, como bem exemplifica o já referido Centro Judiciário de Mediação Familiar, cujos resultados foram obtidos graças ao trabalho exclusivamente voluntário dos mediadores.

Contudo, é importante aqui resgatar que mesmo essa iniciativa apresentada em 2012 já contemplava – também de forma pioneira – no item “2.4 - Sustentabilidade”, a necessidade de se remunerar os mediadores e, inclusive, sugeria alternativas:

Uma política pública não pode estar alicerçada no sacrifício pessoal de quem se dispõe a atuar voluntariamente por uma determinada causa. O compromisso do Judiciário com o modelo não-adversarial de solução de conflitos deve estar traduzido em soluções que viabilizem o serviço de mediação familiar.

O Conselho Nacional de Justiça, na Resolução nº 125, artigo 7º, VII, prevê a possibilidade de “regulamentar, se for o caso, a remuneração dos conciliadores e mediadores, nos termos da legislação específica;”. É razoável afirmar que os mediadores devem ser remunerados por sessão, tomando-se como parâmetro a remuneração de juízes leigos dos Juizados Especiais Cíveis.

Como fonte de recursos para remunerar os mediadores, pode-se captar uma parcela das multas fixadas no JECRIM do Foro do Partenon. Desse modo, ditos recursos estariam sendo revertidos para a pacificação social na própria comunidade.

Nessa linha de pensamento, a Resolução nº 125, em seu artigo 7º, VIII, prevê a possibilidade de o Judiciário “firmar, quando necessário, convênios e parcerias com entes públicos e privados para atender aos fins dessa resolução;”. Essa linha de trabalho pode ser duradoura, se a cooperação atender os interesses de ambas as instituições, como se pretende nessa iniciativa.

Desde então pouco se construiu no cenário brasileiro quanto à remuneração dos mediadores judiciais. De modo geral, as resoluções que criam e regulamentam os Núcleos Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos, os NUPEMEC, limitam-se a descrever as atribuições dos mesmos, sem ingressar na questão remuneratória dos mediadores.

Ainda que não seja objeto do presente artigo o enfrentamento da questão remuneratória dos mediadores judiciais, pois o texto está focado nos mediadores privados quanto atuam no âmbito judicial, parece válido referir, mesmo que superficialmente, o tratamento dispensado aos mediadores judiciais, os quais, de modo geral, seguem atuando como voluntários sem perspectiva de contraprestação pelos seus serviços.

Mesmo quando surge previsão remuneratória, como é o caso do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, revela-se de natureza meramente simbólica, sem que traduza efetivo reconhecimento à relevância dos serviços prestados. Por meio do Ato Normativo Conjunto TJ/CGJ nº 73/2016, de 14/02/2016, o TJRJ estabelece os critérios e valores a serem pagos aos conciliadores e mediadores judiciais, os quais ficam condicionados à existência de saldo em uma conta própria:

Art. 10. Os conciliadores e mediadores judiciais serão remunerados por sua atuação em cada processo em que realizado e homologado acordo judicial, exceto nos casos em que ao menos uma das partes seja beneficiária de gratuidade de justiça e nos processos de Juizados Especiais Cíveis, Criminais e Fazendários, hipóteses em que não haverá remuneração.

§ 1º. A remuneração dos conciliadores judiciais será de R$ 10,00 e os dos mediadores de R$ 20,00 por cada processo realizado e que seja homologado acordo judicial, não havendo remuneração nos casos indicados no caput.

§ 2º. A remuneração somente ocorrerá em processos ajuizados após 18/03/2016 e quando houver prévio recolhimento do valor destinado ao custeio da despesa.

§ 3º. Nos casos em que houver designação de mais de um conciliador ou mediador judicial, o valor da remuneração será rateado entre eles.

§ 4º. Caso o saldo existente na conta individualizada destinada ao custeio dos conciliadores ou mediadores seja inferior ao valor a ser pago nas condições acima, o pagamento observará a ordem cronológica de requerimento.

Ainda que seja importante valorizar esse tipo de iniciativa, a qual mesmo diante da precariedade das finanças do Tribunal busca remunerar os mediadores, é forçoso admitir que pagamentos nesses patamares sequer cobrem as despesas de deslocamento dos mediadores, não podendo ser considerados como um verdadeiro estímulo para que continuem atuando e ainda buscando seu aperfeiçoamento.

Quem frequenta o ambiente da mediação judicial, desde os pequenos grupos de estudo até os grandes eventos acadêmicos, constata uma crescente insatisfação de parte dos mediadores com a ausência de uma política remuneratória condizente com a valorização da mediação no discurso jurídico.

Dito de outro modo, o modelo atual, centrado no trabalho voluntário, vem apresentando sinais de fadiga e descortina uma contradição: valoriza-se a mediação e se negligencia os mediadores, recusando-lhes o merecido reconhecimento enquanto protagonistas principais dessa mudança de paradigma na prestação jurisdicional de família.

Em face dessa realidade, muitos mediadores voluntários interrompem sua trajetória na mediação por conta da necessidade de encontrarem outros meios de prover suas necessidades materiais. Como meio de permanecer vinculados à mediação, aqueles que podem buscam alternativas. Refugiam-se alguns como instrutores dos próprios Tribunais, atuando via NUPEMEC, relegando a atividade fim – mediação – a um segundo plano.

Não se trata aqui de criticar aqueles que se dedicam a lecionar, em lugar de mediar, porquanto a formação de novos mediadores é fundamental. Contudo, em termos de gestão judicial, importa reconhecer que isso implica uma redução na capacidade de atendimento do serviço de mediação judicial, redução que é diretamente proporcional ao deslocamento de mediadores para atuarem como instrutores.

Outros mediadores, ainda, direcionam-se para a iniciativa privada, cuja atividade independe de qualquer regulamentação por parte do Judiciário. Consequência do quadro acima descrito, é a insuficiência de mediadores para atender à demanda existente.

Atualmente, em Porto Alegre, existem apenas dois Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania, os CEJUSC, instalados, os quais atendem (além da matéria cível) todas as Varas de Família da capital -  aí considerados os cinco Juizados de Família do Foro Central, dois do Foro da Tristeza, dois do Foro do Partenon, dois do Foro do Alto Petrópolis, além dos processos que tramitam em Varas Cíveis não especializadas que atendem matéria de família nos Foros do Quarto Distrito, Sarandi e Restinga.

Para bem dimensionar a demanda por mediação familiar, é relevante saber que nas Varas de Família de Porto Alegre não tramitam mais processos de inventário ou de curatela. Atualmente as Varas de Família tem competência exclusiva para matérias como divórcio, união estável, guarda, convivência parental e alimentos. Significa dizer que, salvo raras exceções, todos os processos (conforme a nova diretriz legal) devem ser encaminhados para mediação.

Apenas no 2º Juizado de Família do Foro Regional da Tristeza, a média mensal[9] de ingresso de novos processos é de sessenta e seis – o que significa dizer que, para cumprir a nova diretriz legal, seriam necessárias (considerando apenas a primeira audiência) dezesseis sessões de mediação por semana para atender apenas à demanda desse único Juizado. Evidentemente o volume de processos em tramitação excede a capacidade de atendimento por parte dos mediadores que atuam como voluntários no Tribunal de Justiça.

Ademais, é preciso destacar que ainda são poucas as Comarcas que contam com um CEJUSC, significando que a grande maioria dos usuários do Judiciário não tem acesso aos métodos autocompositivos para a solução dos seus conflitos familiares, pois os mediadores voluntários, por determinação do NUPEMEC, atuam exclusivamente no CEJUSC.[10]

Ilustra a incapacidade de atendimento da demanda o fato de que ao assumir a jurisdição do 2º Juizado de Família do Foro Regional da Tristeza, em novembro de 2015, haviam processos encaminhados para o CEJUSC, cuja primeira sessão de mediação estava pautada para abril de 2016.

Evidentemente que esses registros não desmerecem o hercúleo esforço que está sendo feito pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, no sentido de fomentar o emprego da mediação familiar, conforme preconizado pelo NCPC. É preciso, ainda assim, preservar um olhar crítico que estimule a busca por alternativas que contribuam para superar as dificuldades e possa garantir a sustentabilidade da mediação familiar.

Constata-se que, à necessidade de valorização dos mediadores, soma-se a urgência em ampliar a oferta de mediação no ambiente forense, impondo a busca por soluções criativas que atendam essa equação. Um equívoco precisa ser prevenido desde logo, a a ideia de que os mediadores voluntários, se encontrarem tempo para atuar mediante remuneração, poderiam então fazê-lo de forma gratuita, simplesmente ampliando o tempo que dedicam ao serviço voluntário.

Para entender o equívoco desse raciocínio, deve-se compreender que há um limite de tempo que as pessoas podem dedicar a uma atividade voluntária, justamente porque precisam também se dedicar a atividades que lhes assegure sua própria subsistência. Por isso, não é possível pretender que os mediadores atuem todo o tempo voluntariamente, ao menos não de modo geral.

Sob o ponto de vista do fomento à cultura da mediação, é de todo interessante que os mediadores tenham a oportunidade de se profissionalizar, adotando a mediação como uma verdadeira carreira de natureza multidisciplinar.

Nesse mesmo sentido, é o comentário sobre o artigo 169, do NCPC, de Ada Pellegrini Grinover[11] ressaltando justamente esse aspecto da viabilização da profissionalização dos mediadores por meio da devida remuneração:

Eis um grande avanço do CPC: a previsão de remuneração do trabalho do conciliador/mediador, até agora desempenhado, na maioria dos casos, voluntariamente, o que impedia a profissionalização dos terceiros facilitadores, que enfrentam custos não só para a capacitação, mas, sobretudo, para o necessário aperfeiçoamento constante.

Conclui-se, então, que de um lado temos uma enorme demanda por mediação familiar e de outro temos mediadores que precisam ser devidamente valorizados, para que possam se dedicar exclusivamente ao exercício da mediação.

4. mediação no Judiciário – um olhar solidário

Nesse cenário, de grande carência de recursos, impõe-se racionalizar o uso do serviço de mediação disponibilizado gratuitamente pelo Judiciário, reservando-a àqueles que efetivamente não possuam meios de arcar com os custos de uma mediação privada. Uma alternativa já contemplada no ordenamento jurídico é disponibilizar a mediação privada no âmbito do Judiciário, mediante a remuneração dos mediadores pelas próprias partes. A seguir passo a examinar essa possibilidade e os seus desafios.

Um primeiro aspecto a ser observado é que a própria Resolução 125, ainda em 2010 já previa a possibilidade de o Judiciário buscar parcerias no setor privado para implementar a mediação enquanto uma política pública, conforme disposto em seu artigo 5º:

O programa será implementado com a participação de rede constituída por todos os órgãos do Poder Judiciário e por entidades públicas e privadas parceiras, inclusive universidades e instituições de ensino.

 Posteriormente, a Lei de Mediação (Lei nº 13.140, de 26/06/2015), ratificando essa previsão, estabeleceu em seu artigo 13: “A remuneração devida aos mediadores judiciais será fixada pelos tribunais e custeada pelas partes, observado o disposto no § 2º do art. 4º desta Lei.”.

Também o NCPC, no artigo 169, do NCPC prevê que os mediadores sejam remunerados.

Art. 169.  Ressalvada a hipótese do art. 167, § 6º, o conciliador e o mediador receberão pelo seu trabalho remuneração prevista em tabela fixada pelo tribunal, conforme parâmetros estabelecidos pelo Conselho Nacional de Justiça.

§ 1º A mediação e a conciliação podem ser realizadas como trabalho voluntário, observada a legislação pertinente e a regulamentação do tribunal.

§ 2º Os tribunais determinarão o percentual de audiências não remuneradas que deverão ser suportadas pelas câmaras privadas de conciliação e mediação, com o fim de atender aos processos em que deferida gratuidade da justiça, como contrapartida de seu credenciamento.

Portanto, o exame dos dispositivos acima demonstra a viabilidade de os mediadores serem remunerados pelas partes. Reforça esse entendimento o fato de que o artigo 139, inciso V, do NCPC, estabelece que incumbe ao juiz promover a autocomposição, a qual será realizada “preferencialmente” com o auxílio de mediadores judiciais.

Ora, se a mediação no âmbito do Judiciário deve ser preferencialmente feita por mediadores judiciais, resta evidente que também pode ser feita por mediadores privados. Entender de forma diferente seria esvaziar de sentido a previsão legal.

Feito o registro acerca do amparo legal da remuneração dos mediadores pelas partes, convém referir algumas iniciativas nesse sentido. Refiro-me aos atos administrativos que em diferentes estados, contemplam a atuação de mediadores privados, organizados nas chamadas Câmaras Privadas de Mediação.

Possivelmente o primeiro Tribunal de Justiça a regulamentar a atividade de mediadores privados no âmbito judicial tenha sido o de São Paulo, cuja resolução se viu replicada por diversos outros Tribunais estaduais.[12] Por meio do Provimento CSM nº 2287/2015, de 02/09/2015, o TJSP estabeleceu o Cadastro das Câmaras Privadas de Conciliação e Mediação, conforme segue:

DO CADASTRO DAS CÂMARAS PRIVADAS DE CONCILIAÇÃO E MEDIAÇÃO

Artigo 14. As câmaras privadas de conciliação e mediação serão cadastradas perante o Tribunal de Justiça mediante requerimento do responsável endereçado ao Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos, indicando o Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania a qual a câmara tiver a sua sede, e na sua falta, o Centro da Região Administrativa Judiciária local.

Artigo 15. As câmaras privadas de conciliação e mediação serão compostas por conciliadores e mediadores cadastrados perante o NUPEMEC, nos termos dos artigos 1º e seguintes do presente provimento.

Artigo 16. O requerimento de cadastro deverá vir instruído pelos seguintes documentos:

I – Documentos constitutivos da entidade;

II – Comprovante de inscrição estadual;

III – Comprovante de atividade de pessoa jurídica;

IV – Indicação dos membros que a compõem, com documentos de identificação;

V - Indicação da sede e local de exercício da atividade.

Artigo 17. O Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos avaliará a idoneidade da câmara, facultando-se a realização de entrevista com os membros da instituição, a realização de vistoria na sede ou nos locais em que a atividade compositiva será desenvolvida, bem como toda medida que entender pertinente para garantir a correta instalação e bom funcionamento da entidade. Artigo 18. Aceito o cadastro pelo Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos, seus dados e composição serão lançados em cadastro próprio, colocando-se a entidade à disposição das unidades judiciárias da Comarca, ou na falta de Centro, da Região Administrativa Judiciária, se for o caso.

Seguiram-se regulamentações, praticamente com esses mesmos contornos, em diversos Tribunais estaduais, como no Rio de Janeiro, pelo Ato Normativo Conjunto TJ/CGJ nº 73/2016, de 14/03/2016; em Tocantins, por meio da Resolução nº 5, de 28/04/2016; nas Minas Gerais, por meio da Portaria Conjunta nº 502/PR/2016, de 13/05/2016; no Mato Grosso, através da Ordem de Serviço nº 03/2016, de 11/07/2016; no Distrito Federal e Territórios, o TJDFT regulamentou a matéria por meio da Portaria Conjunta 88, de 04/10/2016; e no Maranhão, por meio da Resolução GP -112017, de 21/02/2017. Até o momento não houve regulamentação pelo TJRS.

Em linhas gerais, essas regulamentações seguem o mesmo padrão. Sem definir a remuneração que será paga aos mediadores privados, limitam-se a estabelecer que os mesmos, em contrapartida à sua nomeação, dedicarão 20% de sua capacidade de atendimento aos casos amparados pela assistência judiciária gratuita.

Capítulo à parte, é o pioneiro Serviço de Mediação Familiar, implantado pelo TJSC ainda no ano de 2001, por meio da Resolução nº 11/01, de 20/09/2001. Desde seu nascedouro, já contemplava a possibilidade de firmar parcerias com instituições públicas (notadamente prefeituras) e privadas (especialmente universidades), assegurando, por essa via, que os mediadores pudessem ser profissionais remunerados por suas respectivas instituições de origem.[13]

Quanto à regulamentação das Câmaras Privadas, diferencia-se, pelo grau de detalhamento dado à matéria, a regulamentação levada a efeito no estado de Goiás, cujo Tribunal regrou o tema com maior profundidade, razão suficiente para que se veja transcrito, pois representa grande evolução da apreciação da questão remuneratória dos mediadores:

RESOLUÇÃO Nº 49, DE 15 DE FEVEREIRO DE 2016

(Complementada pela Deliberação nº01, de 28/09/2016)

Regula a atuação dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania de acordo com as disposições das Leis nº 13.105, de 16 de março de 2015 e 13.140 de 26 de junho de 2015, institui, no âmbito do Poder Judiciário do Estado de Goiás, o Cadastro Estadual de Conciliadores e Mediadores Judiciais e das Câmaras Privadas de Conciliação e Mediação e define a política de remuneração desses profissionais.

Da Remuneração dos Conciliadores e Mediadores Judiciais

Art. 7º Pelo exercício da função de Conciliador ou Mediador Judicial será fixada remuneração de caráter meramente indenizatório, mediante verba vinculada às audiências de conciliação ou mediação realizadas, em regra, sob responsabilidade das partes.

Art. 8º As partes podem escolher, de comum acordo, o conciliador, o mediador ou a Câmara Privada de Conciliação e de Mediação, hipótese em que a remuneração dos Conciliadores e Mediadores será responsabilidade delas, nos valores diretamente por eles ajustados, segundo a autorregulação do mercado.

Art. 9º Na ausência de indicação do Conciliador ou Mediador pelas partes, o ato será realizado por determinação do juiz da causa, no CEJUSC, onde houver, com remuneração estabelecida nos termos e parâmetros fixados na presente Resolução, mediante antecipação pela parte autora, no ato do pagamento das custas iniciais, do valor equivalente a uma audiência de conciliação ou mediação, conforme o ato.

§ 1º A remuneração dos conciliadores e mediadores judiciais e o percentual das audiências não pagas que deverão ser suportadas pelas Câmaras Privadas de Conciliação e Mediação, com o fim de atender aos processos em que deferida a gratuidade da justiça, como contrapartida de seu cadastramento, serão fixados, alterados e reajustados por ato do Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás.

§ 2º A remuneração da mediação poderá ser fixada em valor proporcionalmente maior ao da conciliação, em razão do tempo médio despendido e da maior complexidade do ato.

§ 3º Nos processos de competência das Varas de Família, será antecipada a remuneração de mediação e, nos das Varas Cíveis, a remuneração de conciliação.

§ 4º Caso o juiz da causa cível designe audiência de mediação, a parte autora deverá recolher a remuneração complementar mediante guia própria, no valor da diferença, antes da realização do ato.

§ 5º O pagamento da remuneração devida aos Conciliadores e Mediadores Judiciais será da responsabilidade do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, nas hipóteses abaixo descritas:

I – nas audiências de conciliação ou mediação designadas em procedimentos pré-processuais pelo CEJUSC, e;

II – na concessão de assistência judiciária gratuita.

§ 6º Caso não realizada a audiência por culpa exclusiva ou concorrente da parte autora, o valor da remuneração paga antecipadamente será revertido em favor do Fundo de Reaparelhamento do Poder Judiciário do Estado de Goiás-FUNDESP para compensação das despesas descritas no §5º deste artigo.

§ 7º Caso não realizada a audiência por culpa exclusiva da parte ré, esta deverá ressarcir à parte autora o valor da remuneração paga antecipadamente, ao final da demanda, sem prejuízo das regras gerais de sucumbência.

§ 8º Na hipótese de ser necessária a realização de novas sessões de conciliação ou mediação, serão recolhidas as remunerações, pela parte interessada, mediante guia própria, no valor equivalente a uma audiência de conciliação ou mediação.

§ 9º Nos eventos especiais, de iniciativa do Tribunal de Justiça, não haverá antecipação de remuneração, a qual será devida, na ausência de acordo, ao final da demanda segundo as regras de sucumbência e, nas hipóteses de composição, com a responsabilidade pelo pagamento fixada por deliberação das partes na própria avença e, na omissão, pela parte autora.

§ 10º Não serão computadas, para efeitos de pagamento, as audiências frustradas pela ausência de uma ou de ambas as partes.

§ 11º O pagamento dos conciliadores e mediadores, após certificação emitida pelo Coordenador do CEJUSC, onde houver, ou pelo juiz da causa, será creditado pela Diretoria-Geral do Tribunal de Justiça, na conta bancária indicada pelo beneficiário ou por meio de ordem de pagamento.

Art. 10. O juiz da causa só remeterá os autos ao CEJUSC, para a realização da audiência de conciliação ou mediação, após recolhida a remuneração, feita a inclusão na pauta eletrônica e cumpridas as providências do cartório e diligências relativas à citação e intimação das partes.

De tudo o que foi visto, acredito que a mediação privada no âmbito judicial, também por força do princípio da solidariedade, é alternativa a ser adotada quando as partes reúnem condições de remunerar os mediadores. Reforça essa conclusão a Lei de Mediação, cujo artigo 4º, §2º, dispõe que “aos necessitados será assegurada a gratuidade da mediação”, evidenciando que a gratuidade se dirige somente às pessoas necessitadas.

Essa, a meu sentir, é a forma adequada de interpretar o conjunto de regras que se está denominando como microssistema de métodos consensuais de solução de conflitos (composto pela Resolução 125, Lei da Mediação e NCPC), o qual, ao definir que os mediadores privados, em contrapartida à sua nomeação para atuar em Juízo, devam aceitar o encargo de também atuar gratuitamente.

Trata-se de um modo de ampliar a disponibilidade da mediação, de modo que aqueles que podem contribuem com aqueles que, de outro modo, não teriam acesso aos métodos autocompositivos para solucionar seus conflitos.

5. da audiência de mediação privada – o procedimento

Estabelecidas as premissas que autorizam a nomeação de mediadores privados para atuar em Juízo mediante remuneração das partes, mostra-se oportuno delinear o procedimento adotado desde setembro de 2016, no 2º Juizado de Família do Foro da Tristeza.

Quanto à remuneração dos mediadores, à falta de regulamentação por parte do Tribunal de Justiça, conforme disposto no artigo 169, do NCPC, deve ser tabelada pelo próprio Juízo. Para tanto, deve-se ponderar que um valor muito baixo não atrairá bons mediadores enquanto, por outro lado, um valor muito alto pode desestimular a adesão das partes.

Aqui, parece-me importante refletir sobre a vantagem de o Tribunal não uniformizar a remuneração dos mediadores, haja vista as diferentes realidades. Tive a oportunidade de jurisdicionar Varas de Família em três Foros de Porto Alegre, o Central, o do Partenon e o da Tristeza, podendo constatar as distintas realidades econômicas, embora estejam todos numa mesma Comarca. Essas diferenças se ampliam se considerarmos as Comarcas localizadas nas regiões metropolitanas e, ainda mais, em relação às pequenas Comarcas do interior.

Considerando essas diferenças, parece-me prudente que o Tribunal apenas estabeleça parâmetros sem estabelecer um critério rígido, possibilitando que cada Juízo quantifique a remuneração, contextualizando-a de acordo com a realidade econômica sob sua jurisdição. Nesse sentido, inclusive, é a regulamentação do Tribunal de Justiça de Goiás, acima transcrita, quando propõe que a remuneração seja “nos valores diretamente por eles ajustados, segundo a autorregulação do mercado.”.

O mesmo se aplica à contrapartida de atendimentos gratuitos, cuja proporção deverá estar equilibrada entre a necessidade do Juízo e a disponibilidade de mediadores na comunidade. Apenas a título ilustrativo, registro que no 2º Juizado de Família do Foro da Tristeza, cada atendimento privado corresponde a um atendimento gratuito, ou seja, a relação é de um (privado) por um (gratuito). Destaco ainda, que ambas as questões devem ser definidas de forma transparente e com a escuta dos mediadores, haja vista que se trata de uma parceria que deve contemplar as visões de todos que integram a iniciativa.

Relativamente à seleção dos processos a serem encaminhados para mediação, com base nos dispositivos já examinados, ao identificar casos (em gabinete ou em audiência – quando se oportuniza informar as partes e advogados sobre o procedimento de mediação) nos quais as partes não são beneficiárias da gratuidade judiciária, lanço despacho nos autos designando audiência de mediação.[14]

Aqui temos um primeiro aspecto relevante, o qual diz respeito à obrigatoriedade de comparecimento das partes a essa audiência, tendo em vista o princípio da autonomia de vontade, segundo o qual o emprego da mediação está condicionado à adesão voluntária das partes.

A Recomendação n.º R (98) 1, já referida no início desse texto, ilumina a questão, ao versar sobre como difundir o uso da mediação no âmbito judicial.

VI. Promoção da mediação e acesso à mediação:

7.b. os Estados são livres para definir os métodos, nos casos particulares para facultar informações pertinentes sobre a mediação, enquanto modo alternativo de resolução de litígios familiares (por exemplo, atribuindo às partes a obrigação de terem encontros com um mediador), permitindo, assim às partes averiguar se lhes é possível e apropriado instaurar uma mediação sobre as questões que são objeto do litígio. 

A importância desse trecho reside no fato de explicitar que o encaminhamento das partes para uma primeira sessão de mediação, oportunizando que conheçam a metodologia de trabalho, não viola o princípio da autonomia de vontade. Consagra esse entendimento a obrigação de comparecer à audiência de mediação, expressa no artigo 334, § 8º, do NCPC.

Nem mesmo a recusa meramente protocolar, eventualmente inserida na petição inicial, inibe a busca pela solução mediada, haja vista que o art. 334, § 4º, inciso I, do NCPC, estabelece que apenas quando ambas as partes expressamente manifestarem o seu desinteresse na composição consensual é que a mesma restará afastada.

Nesse sentido, o entendimento do TJRS vem consagrando os esforços dos juízes de primeiro grau em assegurar a solução do conflito através da mediação, como ilustra a seguinte ementa:

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DE FAMÍLIA. AÇÃO DE DIVÓRCIO. PARTILHA DE BENS PENDENTE DE APRECIAÇÃO JUDICIAL. FIXAÇÃO DE ALUGUEIS PELO USO EXCLUSIVO DE BEM COMUM. IMPOSSIBILIDADE. ENCAMINHANDO OS AUTOS PARA AO NÚCLEO DE CONCILIAÇÃO E MEDIAÇÃO DO FORO CENTRAL. CABIMENTO. MEDIDA QUE REPRESENTA UMA POSSIBILIDADE DE RESOLUÇÃO DO CONFLITO DE FORMA SATISFATÓRIA PARA AMBAS AS PARTES. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA CONFIRMADA. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70061213609, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sandra Brisolara Medeiros, Julgado em 21/08/2014).

Entretanto, é preciso compreender que o dever de comparecer à audiência de mediação não se traduz em obrigação de aderir ao procedimento autocompositivo.[15] A designação da audiência de mediação privada objetiva assegurar a oportunidade para que as partes efetivamente conheçam a mediação e a metodologia de trabalho dos mediadores mas, somente se houver a adesão das partes é que será ajustada, por escrito, a contratação do mediador e o local das demais sessões de mediação.[16]

A opção por realizar a primeira audiência de mediação privada no Foro se justifica pelo fato de se tratar, o 2º Juizado de Família da Tristeza, de uma jurisdição de abrangência regional, cuja territorialidade deve ser preservada, não se podendo impor às partes que se desloquem a outras regiões da cidade para receber o devido atendimento sem que previamente tenham sido consultadas a respeito.  Com relação às demais sessões, à luz do artigo 166, do NCPC, as partes tem autonomia para ajustar com os mediadores o local onde se realizarão.

Também sob o ponto de vista administrativo é vantajoso realizar ao menos a primeira audiência de mediação no ambiente forense, o qual disponibiliza segurança para as partes e mediadores, fácil acesso ao processo caso seja necessário, proximidade ao gabinete do magistrado e ao cartório para efetivar eventuais diligências que precisem ser antecipadas por entendimento entre as partes.

Os mediadores, ao assinar o termo de compromisso para atuar em Juízo, a exemplo do que ocorre com a nomeação de peritos, comprometem-se a atuar segundo os princípios éticos previstos para o exercício da atividade, notadamente quanto ao seu impedimento e suspeição previstos no artigo 5º, da Lei de Mediação.

Realizada a primeira sessão de mediação e havendo a adesão das partes, será formalizada a contratação da mediação e definidas as demais sessões, individuais e conjuntas, ficando o processo suspenso – para efeitos de movimentação cartorária. Encerrada a mediação com o termo de entendimento, o mesmo será submetido ao crivo do Ministério Público (quando houver intervenção) e, após, será concluso para homologação pelo juiz. Não havendo termo de entendimento ou quando o entendimento for apenas parcial, será retomado o trâmite processual.

O que fica por fazer

Ao longo do texto procurei demonstrar que a atual legislação autoriza iniciativas como a que está sendo implementada no 2º Juizado de Família do Foro da Tristeza. Consciente de que ainda são muitos os obstáculos pelo caminho, fico satisfeito se de algum modo houver inspirado caminhantes.


Notas e Referências:

[1] Resolução CNJ125/2010 - Art. 1º Fica instituída a Política Judiciária Nacional de tratamento dos conflitos de interesses, tendente a assegurar a todos o direito à solução dos conflitos por meios adequados à sua natureza e peculiaridade. Parágrafo único. Aos órgãos judiciários incumbe, além da solução adjudicada mediante sentença, oferecer outros mecanismos de soluções de controvérsias, em especial os chamados meios consensuais, como a mediação e a conciliação, bem assim prestar atendimento e orientação ao cidadão.

[2] A Lei de Mediação, Lei 13.140/2015, a meu ver, embora hierarquicamente superior, não tem a mesma abrangência, especialmente no que diz respeito à perspectiva, presente na resolução, de propor uma política pública para o Judiciário.

[3] Dispositivo que harmoniza o NCPC com o artigo 27, da Lei 13.140/2016 (Lei da Mediação).

[4] No mesmo sentido, dentre outras: Apelação Cível Nº 70070149976, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo Moreira Lins Pastl, Julgado em 08/09/2016; e Apelação Cível Nº 70069073765, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 28/07/2016.

[5] Resultado de proposta submetida em junho de 2012 e formalizado por meio da Resolução COMAG 955/2013, o Projeto Piloto “Centro Judiciário de Mediação Familiar”, CJMF, foi oficialmente instalado no dia 24 de outubro de 2013, no Foro Regional do Partenon, na Comarca de Porto Alegre.

[6] No Tribunal de Justiça de Santa Catarina o Serviço de Mediação Familiar foi instituído por meio da Resolução nº 11, de 20 de setembro de 2001, a qual recomenda aos juízes das Varas de Família a instituição do serviço de mediação familiar, estabelecendo suas diretrizes.

[7] No Tribunal de Justiça da Paraíba, por meio da Resolução nº 32, de 24 de abril de 2012, foi criado o “Centro de Mediação Familiar”, no Foro de João Pessoa.

[8] Mesmo sabendo-se que o número total de avaliações ainda é inexpressivo do ponto de vista quantitativo ou estatístico, mostra-se relevante conhecer e estudar esses dados na perspectiva qualitativa, pois somente a partir dessa análise é que se pode aferir se a metodologia de trabalho está correspondendo à expectativa inicial.

[9] Dados relativos à média dos últimos doze meses, conforme a ata de inspeção realizada no 2º Juizado de Família do Foro Regional da Tristeza em abril de 2017.

[10] Situação que poderia ser alterada, à luz do artigo 8º, §§ 1º, 3º e 6º, da Emenda CNJ nº 2/2016 (à Resolução 125/2010), que permite a realização de mediações nas Varas cujos Foros não possuem CEJUSC, na esteira do disposto no artigo 166, § 2º, do NCPC.

[11] Fonte http://estadodedireito.com.br/conflitosnonovo/ consultada eletronicamente em 16/04/2017.

[12] Essa afirmação decorre do fato de que nem todos os atos administrativos estão disponibilizados para consulta na internet. Aqui apresento uma amostragem do que foi possível coletar, sem a pretensão de fornecer um rol exaustivo.

[13] Atualmente o estado de Santa Catarina conta com 73 Serviços de Mediação Familiar.

Fonte:http://www.tjsc.jus.br/programa-servico-de-mediacao-familiar#/fw3-accordion_56_INSTANCE_97S3MWFSrQvk_collapse-2 consultada eletronicamente em 16/04/2017.

[14] Esse mesmo método é empregado, dentre os processos que tramitam sob gratuidade judiciária, para selecionar os casos que serão atendidos gratuitamente pelos mediadores.

[15] Nem poderia ser diferente, na medida em que o artigo 2º, § 2º, da Lei de Mediação estabelece que “Ninguém será obrigado a permanecer em procedimento de mediação.”.

[16] Basicamente, são utilizados apenas quatro documentos. 1) O termo de compromisso do mediador, o qual contém a designação do mediador para atuar conforme tabela remuneratória do Juízo e estabelecida a contrapartida; 2) o termo de adesão das partes ao procedimento de mediação, no qual consta a cláusula de confidencialidade. Esse termo de adesão tem duas versões, uma (a) referindo a contratação dos mediadores em documento próprio, outra (b) referindo que o atendimento é realizado gratuitamente como contrapartida do mediador; e 3) o contrato particular celebrado entre os mediadores e as partes, quando se tratar de mediação que será paga pelas partes. 4) Finalmente, quando encerrada a mediação, os mediadores devem também entregar ao Juízo o questionário de satisfação, para que a qualidade do serviço possa ser monitorada e aperfeiçoada a partir da avaliação dos usuários.


Roberto Arriada Lorea. Roberto Arriada Lorea é Juiz titular do 2º Juizado de Família do Foro Regional da Tristeza, Porto Alegre, RS. Doutor em Antropologia Social (UFRGS). Coordenador do GTMF, Grupo de Trabalho de Mediação Familiar, do NEM, Núcleo de Estudos em Mediação, na Escola Superior da Magistratura. r.lorea@gmail.com .


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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