Mediação Escolar: contextos, possibilidades e concreção

16/04/2017

Por Nayara Swarowski – 16/04/2017

Durante toda a jornada de redemocratização do ensino público no Brasil, para além de 1930 até aproximadamente 1950, instaurou-se no país um cenário político representado por uma contundente bipartição ideológica no tocante à Educação: manifestou-se a educação de massa, acompanhando o movimento industrial brasileiro, encerrando a didática teórica e reflexiva predominante nas salas de aula.

A educação de massa indica, àquele tempo e à circunstância do surgimento das indústrias, que os operários necessitavam mínimo letramento para manejar o maquinário de chão de fábrica, pressupondo para o empresariado, portanto, ser inevitável a instrução dos trabalhadores – fator este que alargou consideravelmente as escolas brasileiras, não sendo mais segregada à elite a alfabetização.

Não é intenção deste escrito traçar a evolução da Educação no Brasil ao que tange seu caráter público, visto que a discussão poderia sair da linha da Ciência Jurídica e migrar-se à Pedagogia em suas especificidades. Contudo, é de suma importância que se compreenda, inicialmente, que nem sempre a mesma foi direito de todos e que as condições oferecidas pelo Estado eram, desde então, ínfimas.

Nota-se, neste contexto, que a infraestrutura tanto física quanto curricular brasileira sofreu notável avanço estrutural no sentido de ampliação, porém fatal estagnação de ordem didática e funcional, trazendo pontuais prejuízos aos educandos.

Sendo, hodiernamente, um Direito Fundamental de Segunda Geração[1], a Educação constitui-se como a base concreta e precípua de uma Sociedade bem desenvolvida, sendo objeto assíduo de políticas públicas por toda a parte. O artigo 6º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 postula ser a Educação um direito social assegurado pela República:

Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”

É nítido em nosso país, porém, que não é direito posto em prática de modo pleno e exemplar, contrariando o disposto no artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei Nº 8.069∕1990):

Art. 4º. É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.” 

Contemporaneamente, à título de exemplo, tem-se aulas com menos de uma hora de duração, em que o professor mais perde tempo fazendo chamada – “necessário” instrumento de controle – e disputando atenção do aluno que promove desordem deixando a classe num ambiente babélico de convivência, por incontáveis fatores de dispersão. O que se aprendeu aí? Qual habilidade social os alunos adquiriram neste(s) dia(s)? O que fará o professor para conter o descompasso colegial, o êxodo escolar? É dele a responsabilidade?

Em termos cognitivos, a pirâmide de aprendizagem[2] do psiquiatra americano William Glasser denota que o educando absorve 80% do assunto ou das diferentes experiências obtidas no convívio escolar quando ele reconhece em si a capacidade de transmitir o conteúdo, com sua liberdade pessoal, comunicando-se de modo eficiente e participando diretamente de práticas sociáveis na escola.

Para que se efetive esse processo, o Mediador Escolar atua na mesma rota: oportuniza ao aluno uma (con)vivência sadia, dinâmica e democrática, estimulando seu progresso e sua autoemancipação social e individual.

Há muito que se pensa em alternativas práticas e de eficácia para, de fato, concretizar uma educação convidativa e que, efetivamente, integre todos os alunos. Por certo a Pedagogia também possui campos de estudo dedicados à inclusão educacional, tanto que nesta perspectiva criou-se a figura do profissional plenamente habilitado para atuar em casos peculiares inerentes às mais diversas condições de cada educando, com suas particularidades e comportamentos.

Este profissional, o Mediador Escolar – muitas vezes confundindo-se à figura do conhecido orientador pedagógico –, ganha fortalecimento com a emersão do Novo Código de Processo Civil (Lei Nº 13.105∕2015), com o advento formal dos Métodos Alternativos de Resolução de Conflitos, ampliando e firmando seu modus operandi.

O Gestor de Conflitos Escolar necessita de visão pedagógica e interdisciplinar a outros ramos científicos, como Psicologia e até mesmo Fisioterapia, não deixando de lado o Direito, haja vista sua função primordial ser a de assegurar o Respeito ao aluno como concreção do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, positivado em nossa Carta Magna de 1988.

Trabalhando com o princípio da Alteridade, o Mediador costuma caminhar com o Aluno, lado a lado e jamais a frente, atuando com consciência ante às limitações por ele apresentadas, seja em exercício individual ou coletivo de qualquer problemática em que o Mediador é acionado a intervir.

Ainda temos que não é obrigatório o acionamento do Mediador Escolar, visto que ele atua, primordialmente, de modo perceptivo, receptivo e observador perante a dinâmica colegial, acompanhando e identificando diversas situações de acordo com o universo em si de cada aluno, interligando-o com o processo de aprender-ensinar e ensinar-aprender.

Diante das novas alternativas inclusivas do Mediador na seara pedagógica, Paulo Freire sugere, de modo pontual, uma possível eficiência dentro de uma educação progressista e democrática oportunizada pelo trabalho do Mediador:

“Quando vivemos a autenticidade exigida pela prática de ensinar-aprender participamos de uma experiência total, diretiva, política, ideológica, gnosiológica, pedagógica, estética e ética, em que a boniteza deve achar-se de mãos dadas com a decência e com a seriedade.”[3]

Igualmente constitui tarefa do Mediador no contexto de aprendizado, a observância ao comportamento cognitivo e comportamental com suas possíveis inaptidões ou inabilidades de ordem variada. Em contraponto com a costumeira atribuição, trabalha o Mediador, ainda, com dissociações integrativas diversas, e aqui encontramos muito da sua multidisciplinariedade.

O Mediador, então, além de conflitos em sala de aula, labora com portadores de síndromes ou desvios congênitos (portadores do Transtorno do Espectro Autista, da Síndrome de Down, da Síndrome de Asperger, dentre outros) e que estão inseridos no ambiente escolar a fim de se concretizar o Direito à Educação propriamente dito, com base no mencionado Princípio Fundamental da Dignidade da Pessoa Humana, colaborando para a autonomia intelectual destes de modo a (re)significar e despertar o senso de coletividade.

Os verbos norteadores do Mediador são muitos. Os desafios são perenes. Contudo, imperioso o Mediador recordar a todo momento, que necessita operar em confluência aos princípios democráticos de nossa Constituição ao que concerne os Direitos Sociais, bem como o Estatuto da Criança e do Adolescente, valendo-se da máxima instrumentalização que estiver ao seu alcance, dentro de um paradigma altruísta, comprometendo-se à efetividade.

Sob risco de se tornar utopia, acredita-se que o vocábulo “inclusão” não tem real significado, se não se relacionar com seu contexto material, sendo a inclusão uma ação coletiva. E aqui reside a principal incumbência do Mediador Escolar e onde intersecciona-se este segmento com a Ciência Jurídica: a partir do momento que garante, protege e incentiva a Educação, como atividade socializadora, direito de toda criança, adolescente e jovem, imbuído na esfera instrutiva.


Notas e Referências:

[1] Utiliza-se a nomenclatura “geração” em vez de “dimensão”, pois o primeiro considera-se mais adequado em razão de ser o termo empregado pela ONU – Organização das Nações Unidas ao que tange os Direitos Humanos Fundamentais.

[2] GLASSER, William. TEORIA DA ESCOLHA: uma nova psicologia de liberdade pessoal. 1ª ed. São Paulo: Mercuryo, 2001. 304 p.

[3] FREIRE, Paulo. PEDAGOGIA DA AUTONOMIA: saberes necessários à prática educativa. 12. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996. p. 26. 168 p. (Coleção Leitura).


Nayara SwarowskiNayara Swarowski é Mediadora e Conciliadora Extrajudicial/CNJ. Graduanda em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI. Atualmente é monitora do Grupo de Pesquisa e Extensão Paidéia, vinculado à Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI (campus Balneário Camboriú). Atua também na produção de artigos científicos e ações de Extensão intrauniversitárias. Participante de projetos de pesquisa e extensão, além de integrante de grupo de pesquisa e estudos dentro da universidade.


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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