MEDIAÇÃO DIGITAL: A dificuldade da análise do comportamento humano por trás das câmeras

03/07/2020

Coluna O Novo Processo Civil Brasileiro / Coordenador Gilberto Bruschi

Não é novidade que atualmente o cenário vivido por nós é o de um grande esgotamento processual. A cultura do litígio impera de forma árida em nossa sociedade, que espera sempre uma resposta rápida, clara e eficiente da figura do juiz. Além disso, o atual momento é inteiramente voltado à tecnologia, o que propulsionou ainda mais a cultura do litígio, na medida em que, apesar de ter grande importância e benefícios para a sociedade, vem acabando com a comunicação presencial, dificultando cada vez mais a real necessidade de se estabelecer vínculos de harmonia entre as partes.

Desta maneira, devido a esse claro esgotamento processual, inúmeras pesquisas e estudos ao longo do tempo foram sendo desenvolvidas visando à busca por métodos alternativos que possam auxiliar na solução desses conflitos. Um importante método criado foi o instituto da mediação, e por conseqüência a mediação digital. A ideia aqui foi tornar o processo algo mais justo, garantindo sempre a real eficácia dos direitos constitucionais, permitindo aos envolvidos que eles próprios se empenhem por suas conquistas, por meio da conversa, da autonomia, visando à busca amigável para seus problemas.

A mediação digital é uma ferramenta disponível na página do Conselho Nacional de Justiça, que permite a solução de conflitos pré- processuais. Fundamentada com a vigência da Emenda n° 02, que atualizou a Resolução n° 125/2010 do CNJ [1].

Todavia, apesar de se tratar de um imenso avanço na busca de se garantir a efetivação do acesso à justiça, questiona-se: é correto afirmar que a mediação digital, possui a real capacidade de resolução do conflito levando-se em conta que a análise do comportamento humano fica prejudicada? Será possível a identificação das emoções? A sutileza dos gestos e do modo da fala será algo ainda identificável[2]?

Com o objetivo de se trazer respostas coerentes a tais questionamentos de forma a elucidá-los, far-se-á a utilização do método dedutivo na presente pesquisa, por meio de pesquisas bibliográficas.

 

1. MEDIAÇÃO COMO FORMA DE SOLUÇÃO DOS CONFLITOS:

Ao longo de nossa história, a humanidade sempre conviveu com o conflito, da qual se manifesta desde a escravidão. Tais conflitos ao longo do tempo foram dispersos em vários setores e níveis sociais, tendo sempre como base os valores e as motivações de cada parte envolvida.

Já com a sociedade contemporânea, marcada pelo medo e pela violência diários, a busca pelo Poder Judiciário teve grande aumento, a fim de se buscar amparo e proteção da justiça. Ocorre que, ao invés de se encontrar um instrumento de paz social, o que se encontrou foi muitas vezes uma justiça ineficiente e demorada.

Desta maneira, surgem os mecanismos jurídicos consensuais de tratamento de conflito, dentre os quais, a Mediação, que, ao invés de delegar o poder de resposta a um terceiro, visa aproximar as partes para que juntas encontrem a solução, visando sempre o diálogo, a proximidade, a oralidade, a ausência ou redução de custos e a rapidez.

Ocorre que, visando ainda mais a desburocratização do Poder Judiciário, fundado pela era tecnológica, o Conselho Nacional de Justiça alterou artigos da Resolução n° 125/2010 por meio da emenda n° 02/2016 do qual, fundamentalmente, no que se refere à possibilidade de inserir o procedimento de “Mediação Digital”, através de uma plataforma digital. E é exatamente a respeito disso que será tratado.

 

2. COMPORTAMENTO HUMANO:

Nunca se falou tanto em comportamento humano como nos últimos tempos. Uma das explicações encontradas pela psicologia para avaliarmos o comportamento alheio são as mudanças que cada indivíduo passa desde a infância até a fase adulta e que ao longo dos anos moldam seu caráter, sua personalidade e sua identidade.

O comportamento humano pode ser definido como o conjunto de todas as ações físicas e emoções que estão associadas a um indivíduo ou mesmo a um grupo social. Ou seja, são as nossas respostas aos mais variados estímulos do dia a dia, tanto de origem interna quanto externa.

Desde o momento em que nascemos, até chegarmos à idade adulta, passamos por muitas mudanças. E é exatamente ao longo desse período que definimos nossa personalidade, traços característicos, caráter e reações diante de todos os desafios que são colocados em nosso caminho.

Ocorre que, muito desses comportamentos são instintivos ao corpo humano, como tirar a mão de uma superfície quente ou piscar quando algo se aproxima do rosto. Outros por sua vez, foram consolidados a partir de repetições e definições sociais de certo ou errado, moral ou imoral e ético ou antiético [3].

E é exatamente aqui que o tema do comportamento humano faz relação com a mediação digital.

 

3. MEDIAÇÃO DIGITAL: ANÁLISE DO COMPORTAMENTO HUMANO PREJUDICADA:

Como já foi dito anteriormente, a mediação digital busca trazer uma maior efetivação do direito das pessoas.

A principal questão acerca desse tema vem a ser: o fato de a mediação ser feita de forma digital não irá tornar prejudicial a analise do comportamento e trejeitos humanos? A sutileza das emoções e gestos não estará prejudicada? A resposta é sim!  [4]

Inúmeras vezes quando estamos diante de um litígio, nos deparamos com pessoas prontas a fazerem tudo o que estiver ao seu alcance para ganhar a causa. O real motivo do porque chegaram a aquela situação muitas vezes nem é sabido, mas em muitos casos, como no direito de família, por exemplo, o divórcio acaba se tornando uma disputa, não só pelos filhos, mas pelos móveis, pelo carro, pela casa. O casal acaba ficando “cego” e o que passa a importar aqui é tirar do outro tudo o que se conseguir, nem que pra isso seja necessário mentir ou omitir algumas informações.

O que se busca mostrar aqui, é que em muitos casos o real motivo do litígio está mascarado. Por trás dele temos sempre, mesmo que infelizmente, o ego, a ganância e inúmeras vezes o desejo de vingança pelas partes.

E é exatamente nesse ponto que a análise do comportamento humano faz toda a diferença no momento da decisão de um litígio.

Falar por trás de uma câmera, dentro de sua própria casa, sem ninguém te olhando olho no olho, sem dúvida alguma torna mais fácil alguns comportamentos humanos. A coragem de mentir e de omitir informações se torna algo mais simples para aquele corpo que está sozinho, sem estar sendo observado de perto. A falta de intimidação torna o ambiente mais propicio para a mentira e para a busca de vencer o litígio independentemente da forma.

A sutileza dos gestos desenvolvidos por uma pessoa que está desconfortável, mentindo em meio a outras pessoas é totalmente diferente dos gestos realizados por aquele que se encontra sozinho no conforto do seu lar olhando apenas para uma câmera. [5]

Além disso, o modo da fala mais trêmula, embargada, os olhos marejados ou as mãos suando ainda serão gestos de fácil percepção? A resposta é não. Por trás de um computador tudo fica mais frio e mais fácil de esconder [6].

A mediação digital surgiu para facilitar tanto a vida das pessoas como do Poder Judiciário. Porém, do que adianta a resolução rápida de um litígio se o que se foi decidido ali não é o que de fato seria decidido caso as partes estivessem cara a cara? A decisão não pode favorecer aquele que mentiu melhor ou que escondeu bem seus sentimentos e gestos por estar sozinho em casa, enquanto que, se estivesse em uma sala de mediação teria sido perceptível analisar todos esses comportamentos humanos.

 

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS:

De acordo com as informações trazidas através das pesquisas realizadas, verificou-se que a mediação digital, já é algo da nossa atualidade e que apesar de auxiliar de forma célere e gratuita a solucionar os conflitos existentes sem que cheguem ao judiciário, por sua vez, também tem seus malefícios no que tange a análise do comportamento humano.

Ao se estabelecer um diálogo por trás de uma tela de computador inúmeras formas de se comportar são deixadas de lado. O fato de não haver olhares voltado na direção da pessoa, não haver a intimidação de estar ali frente a frente para resolver um conflito, possibilitam uma maior facilidade de mentir ou omitir informações.

A análise do comportamento humano é algo essencial na busca da verdade e na busca pela melhor solução para aquele determinado conflito.

Ou seja, a mediação digital tem sim, inúmeros benefícios para nossa sociedade. Porém, ao mesmo tempo em que traz consigo a facilidade da tecnologia, prejudica a análise da sutileza dos gestos, do modo da fala e do olhar, da pessoa que está “escondida” atrás da tela, instrumentos esses, que por sua vez, são essenciais para a análise do verdadeiro ou falso, da melhor e da pior maneira de se solucionar um litígio.

O comportamento humano é algo intrínseco ao ser humano. Seu estudo não pode ser deixado de lado mesmo que para facilitar e agilizar a grande quantia de demandas do nosso judiciário. 

 

Notas e Referências

ALMEIDA, Tania. Caixa de ferramentas na mediação: Aportes práticos e teóricos.

BRASIL. MEDIAÇÃO DIGITAL: Conselho Nacional de Justiça - A alternativa rápida e econômica de solução de conflitos - 2016. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/mediacaodigital/>, Acesso em: 04 Jun. 2017, s/p. 

ESCOLA NACIONAL DE MEDIAÇÃO E CONCILIAÇÃO - ENAM. [2013]. Disponível em: <http://www.cead.unb.br/index.php/todas-as-noticias/307-enam-abre-inscricoes-para-curso-de-mediacao.html>. Acesso em: 26 jul. 2013. 

EKMAN, Paul. A Linguagem das emoções (Editora Leya). 

Fidalgo, A. P. (2016). O controle instrucional segundo analistas do comportamento: convergências, divergências e estado atual do debate. Tese de doutorado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo – SP.

GIMENEZ, Charlize Paula Colet; SPENGLER, Fabiana Marion. O MEDIADOR NA RESOLUÇÃO 125/2010 DO CNJ: Um estudo a partir do Tribunal Múltiplas Portas. Águas de São Pedro: Livro novo, 2016, p. 67. 

Guimarães, G. (2002). Digo e faço: a inter-relação entre o comportamento verbal e o não verbal - Resumo. Dissertação de mestrado. Universidade Católica de Goiás, Goiás.  

KLEIN, Angelica Denise; SPENGLER, Fabiana Marion. Mediação Digital: uma discussão acerca da (im)possibilidade da manutenção do diálogo interpessoal entre os monitores, a partir da democracia liberal. In: Formas Consensuais de Solução de Conflitos II. (Coord.) Celso Hiroshi Iocohama e Luciana Aboim Machado Gonçalves da Silva – Florianópolis: CONPEDI, 2016, p. 121. 

LACERDA, Gabriel. Agir Bem É Bom-Conversando Sobre Ética.

Lei 13.105/2015 - Novo Código de Processo Civil.

Lei 13.140/2015 - Lei da Mediação.

Lei 9.307/1996, alterada pela Lei 13.128/2015 - Lei da Arbitragem.

MORAIS, J. L. B.; SPENGLER, F. M. Mediação e arbitragem: alternativas à jurisdição. 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.

MUNIZ, Mirian Blanco. Uma Outra Verdade na Mediação.

PAULINO DA ROSA, Conrado. Desatando Nós e Criando Laços-Os Novos Desafios da Mediação Familiar.

Pergher, N. K. (2002). De que forma as coisas que nós fazemos são contadas por outras pessoas? Um estudo de correspondência entre comportamento não-verbal e verbal - Resumo. Dissertação de mestrado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo. 

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Regis Neto, D. M. (2016). Joint (stimulus) control: um recurso conceitual para análise comportamental da resolução de problemas. Tese de doutorado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo – SP.

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SAMPAIO, Lia Regina Castaldi e BRAGA NETO, Adolfo. O que É Mediação de Conflitos.

Schmidt, A. (2004). Controle instrucional e equivalência de estímulos. Tese de doutorado. São Paulo: Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo.

URY, William / PATTON, Bruce. Como Chegar ao Sim (Editora Imago Impetus).

Wechsler, A. M., & do Amaral, V. L. A. R. (2009). Correspondência verbal: um panorama nacional e internacional das publicações. Temas em Psicologia, 17, 437-447.

[1] PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. O marco legal da mediação no Brasil. Disponível em: <https://www.academia.edu/32226099/O_MARCO_LEGAL_DA_MEDIAC_A_O_NO_BRASIL_-_Atualiza%C3%A7%C3%A3o_em_2016>, Acesso em: 21 Mai. 2017, p. 2. 

[2] Fidalgo, A. P. (2016). O controle instrucional segundo analistas do comportamento: convergências, divergências e estado atual do debate. Tese de doutorado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo – SP.

[3] Schmidt, A. (2004). Controle instrucional e equivalência de estímulos. Tese de doutorado. São Paulo: Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo.

[4] KLEIN, Angelica Denise; SPENGLER, Fabiana Marion. Mediação Digital: uma discussão acerca da (im)possibilidade da manutenção do diálogo interpessoal entre os monitores, a partir da democracia liberal. In: Formas Consensuais de Solução de Conflitos II. (Coord.) Celso Hiroshi Iocohama e Luciana Aboim Machado Gonçalves da Silva – Florianópolis: CONPEDI, 2016, p. 121. 

[5] Wechsler, A. M., & do Amaral, V. L. A. R. (2009a). Correspondência verbal: um panorama nacional e internacional das publicações. Temas em Psicologia, 17, 437-447.

[6] EKMAN, Paul. A Linguagem das emoções (Editora Leya).

 

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