Coluna Práxis / Coordenadoras: Juliana Lopes Ferreira e Fabiana Aldaci Lanke
Warat faz remissão a teoria dos sistemas sociais de Luhman quando critica o ordenamento jurídico vigente que concebe o sujeito como conjunto de normas positivadas. O “[h]omem concreto e sociedade são um para o outro, mundo circundante, sendo um para o outro, complexo e contingente. O Homem é para a sociedade e esta para aquele um problema para resolver (...) ambos são de tal modo estruturados que podem coexistir” [1].
Assim, Warat desenvolve uma epistemologia de significações [2] como crítica ao direito vigente, considerando a busca do direito no interior de uma teoria social (caráter sistêmico) e o sujeito jurídico um complexo de significações.
A sociedade moderna acostumou-se a viver os conflitos como caos, algo que demandava por ordem e punição. Encontrou resposta no direito, concebido como normas para organizar a sociedade. Porém, com o passar do tempo os problemas mudaram e grandes questões entraram em pauta, como a permanência e a objetividade das coisas. Citando Prigogine, Warat apresenta uma visão de mundo em processo de construção, reunindo várias áreas do conhecimento em direções plurais ao novo e ao imprevisível.
Assim, incontestável o paradigma emergente - pensamento sistêmico - como ponto de partida na compreensão do direito como agente transformador da realidade social imbuído de novas ideias e valores, pois esgotados os princípios organizadores da sociedade centrados no auto interesse.
A sociedade contemporânea produz novas ideias e valores organizados em redes de relacionamento, como menciona Capra e Mattei e entendidos por Warat como uma nova política de civilização. Uma política de qualidade de vida em que se encontram a solidariedade, a ética e a cidadania como fundamentos basilares.
Nesse sentido, Morin apud Warat “se fez evidente que a vida não é uma substância, e sim, um fenômeno de auto-eco-organização extraordinariamente complexo que produz a autonomia” [3]. O ecológico ou o termo “eco” faz referência ao que Warat considera como desenvolvimento humano, “o esforço do homem em melhorar suas condições de vida, em termos de sua subjetividade, afeitos, cidadania e formas de sociedade” [4].
O novo paradigma da ciência internalizado no direito permite a compreensão de um direito humanizado, que enxerga as relações humanas através do exercício da cidadania e da busca pela qualidade de vida de todos, inclusive das gerações futuras.
O direito e a justiça humanizados (nas relações e não nas palavras) buscam o desenvolvimento humano e a qualidade de vida baseados na cidadania e nos direitos humanos. Cidadania como concretização dos direitos humanos.
A partir dessa nova visão, a conciliação e a mediação, por exemplo, direcionam-se a cidadania. Cidadania no modo de se relacionar com o outro; como possibilidade de cada um se reencontrar no conflito; como forma de recuperar a autoestima; no decidir-se em todos os aspectos da vida; no ato de sair do silêncio e dar voz no conflito; na legitimidade do sentir-se em relação ao outro; no espaço do perceber-se; na realização da autonomia.
Nesse sentido, a justiça da outridade (também nomeada de justiça cidadã) apresenta uma face na administração de conflitos pautada na conduta ética [6] de se colocar a serviço do outro para melhorar sua qualidade de vida, sem prender-se aos conceitos do que é correto/incorreto; é colocar-se no lugar do outro; é perceber o outro como ele é; é colaborar na busca para alívio de dores e sofrimentos.
Na solução adjudicada (decisão judicial) as vozes das pessoas envolvidas são substituídas pelo formalismo jurídico de seus representantes processuais que sempre resulta na violenta imposição de um sobre o outro, o dualismo ganhador-perdedor.
Pra Warat, o direito está para a humanização dos conflitos, não para paz social. Os mecanismos consensuais, em uma abordagem humanizada como a mediação, são formas mais eficazes de administração de conflitos, pois garantem a todos o direito de decidir seus conflitos por si mesmos, de forma cidadã.
Notas e Referências
1 WARAT, L. A. Introdução geral ao direito II: a epistemologia jurídica da modernidade. v. 2. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1995, p. 319-320
2 Conceber o direito como área do conhecimento que possui como elementos o poder e sua influência ideológica na prática jurídica. Como a direção do estudo é percorrer os métodos consensuais irradiados pela noção sistêmica do direito, não se entrou na investigação detalhada do referido conceito.
[3] WARAT, L. A. O ofício do mediador. Florianópolis: Editora Habitus, 2001, p. 249-251.
[4] WARAT, L. A. O ofício do mediador. Florianópolis: Editora Habitus, 2001, p. 267.
[5] Conduta ética sem vínculo universalista ou religioso.
CAPRA, Fritjof; MATTEI, Ugo. The ecology of law: toward a legal system in tune with nature and community. Berrett-Koehler Publishers, 2015.
WARAT, L. A. Introdução geral ao direito II: a epistemologia jurídica da modernidade. v. 2. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1995.
WARAT, L. A. O ofício do mediador. Florianópolis: Editora Habitus, 2001.
WARAT, L. A. A fantasia jurídica da igualdade: Democracia e direitos humanos numa pragmática da singularidade. Sequência: Estudos Jurídicos e Políticos, Florianópolis, p. 36-54, jan. 1992.
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