MATERNIDADE TRANSNACIONAL: Mulheres que imigraram sem os filhos em busca de melhores condições financeiras

10/05/2019

Prezado leitor, inicio o pequeno texto de hoje pedindo desculpas pela carga sentimental que ele carregará. Como estamos na semana do dia das mães – perdoem a falta de modéstia da próxima afirmação, sou mãe de 3 lindos filhos que me enchem de orgulho – trataremos de assunto que me toca profundamente.

Atualmente, como conseqüência da globalização possibilitada pelo avanço tecnológico com a comunicação via satélite e meios de transporte de alta velocidade[1], e ao mesmo tempo o crescente distanciamento entre ricos e pobres gerado pelo capitalismo liberal e pelo “mercado desincrustado”[2], vive-se intensos fluxos de imigração das pessoas de países pobres e em desenvolvimento para os países desenvolvidos e ricos. Dentre estes imigrantes, é crescente o número de mulheres, especialmente mães, que partem de seus países deixando para trás os filhos e demais familiares. O dinheiro constitui um forte incentivo ao trabalho e o profundo desnível global dos salários constitui um forte incentivo à mudança. 

Este movimento imigratório de mães em busca de melhores condições para toda a família com o ônus de deixarem filhos e maridos no país de origem tem sido chamado de “transnational motherhood” ou “maternidade transnacional”.

Estas mulheres, em muitas vezes, são contratadas para trabalharem em casas de famílias ricas de países do 1º mundo, com o intuito de cuidar de crianças, justamente pela experiência como mães.

Na obra The Global Servants, a pesquisadora Rachel Parrenas conta a interessante história de Vicky Dias (pseudônimo), 34 anos e mãe de 5 filhos. Vicky que era professora e agente de viagens na Filipina, mudou-se para os Estados Unidos para trabalhar como empregada doméstica e babá do filho de dois anos de uma família rica de Beverly Hills, em Los Angeles, recebendo salário de 400 dólares semanais.

Enquanto isso, nas Filipinas, seus filhos são criados por uma empregada doméstica contratada por 40 dólares por semana. Esta também tem filhos, porém como não possui recursos para contratar outra cuidadora, depende da ajuda de parentes e amigos na criação dos seus filhos.

Arlie Russel Hochschild[3] chama este ciclo de “cadeias globais de assistência”, uma série de vínculos pessoais entre pessoas de todo o mundo com base no trabalho, remunerado ou não, de cuidar e tomar conta. Essas cadeias, segundo a autora, podem ser locais, nacionais ou globais. As cadeias globais, como o exemplo acima, costumam começar num país pobre e terminar num país rico. Uma forma comum dessas cadeias é: (1) uma filha mais velha de família pobre que cuida dos irmãos enquanto (2) a mãe trabalha como babá cuidando dos filhos de uma babá que emigrou e que, por sua vez, (3) cuida do filho de uma família num país rico.

Segundo Collins[4], o modelo de maternidade da classe média branca é caracterizado pelo isolamento mãe-criança na residência da família, enquanto que a mulher negra e pobre sempre teve que trabalhar para o sustento dos filhos. Contudo, a maternidade transnacional difere-se, em muito, destes modelos. A mãe que deixa a família para trabalhar em outro país já não pode no fim do dia encontrar-se com os seus. As longas distâncias de tempo e espaço que separa a mãe transnacional de seus filhos contrasta claramente com os modelos de maternidade que já se está acostumado.

O capitalismo e a globalização, então, fazem nascer uma transferência transnacional de cuidado e afeto. Os filhos já não são criados por suas próprias mães, mas sim pelas mães de outros, por que suas mães estão trabalhando.

Entre as correntes doutrinárias, três são os modos de ver a maternidade transnacional:

Pelos olhos do primordialista, do modernista entusiasmado e do modernista crítico. Para o primordialista, o certo seria cada um de nós cuidar apenas da própria família, da própria comunidade em seu próprio país. Amor e cuidado devem, segundo os primordialistas, ser destinados aos membros mais próximos da família. Para o modernista entusiasmado, por outro lado, a maternidade transnacional é parte inevitável da globalização, que é aceita como boa, sem críticas. Se a oferta de mão-de-obra atende à demanda, o modernista entusiasmado fica satisfeito. Já do ponto de vista do modernista crítico, a globalização pode estar aumentando a desigualdade não só no acesso ao dinheiro, por mais importante que seja, mas no acesso à assistência, aos cuidados. Nesta cadeia que se apresenta com a maternidade transnacional, algum dos filhos pode estar recebendo menos cuidados maternais.[5]

Algumas das alternativas para tentar solucionar esta situação podem ser citadas como: tentar reduzir os incentivos à migração atacando as causas do desespero econômico do migrante, ou seja, desenvolvendo a economia dos países pobres; quando a causa da migração for fugir de maridos agressivos, parte da solução seria criar refúgios locais; alterar política de migração para encorajar mulheres a levar consigo os filhos, entre outras. Tais alternativas envolvem esforço por parte não só das mães, mas também por parte dos Estados. Aqui não nos aprofundaremos nas políticas públicas cabíveis nesta situação, minha intenção foi, tão somente, trazer o tema aos leitores deste pequeno texto para que possamos juntos discutir matéria que toca tantas famílias.

Ressalto que, de forma alguma, aqui faço uma crítica a inserção das mulheres no mercado de trabalho. Pelo contrário. Costumo sempre falar que sou mãe, esposa, professora, advogada e Conselheira estadual da OAB. Não sou a mãe que gostaria de ser, mas sou mãe de 3 lindos filhos, como já falei anteriormente. Não sou a esposa que gostaria de ser, mas sou a esposa mais dedicada que consigo ser. Não sou a professora que gostaria de ser, mas tento sempre me aperfeiçoar para, dentro do possível, passar aos meus alunos conhecimento. Não sou a advogada que gostaria de ser, com centenas de ações milionárias no Judiciário, mas com minhas ações tento exercer minha função social na busca da “justiça”. Não sou a atuante na OAB que gostaria de ser, mas empenho-me para todos os dias para fazer a minha classe mais unida, respeitada e valorizada. Assim, não exerço nenhuma das minhas funções como gostaria de exercer, mas, ao menos, não deixo de exercer nenhuma. E quando exausta do trabalho eu volto para casa, lá estão eles, a Anna, o João e a Alice me esperando. Que sorte a minha...

 

 

Guarda estes versos que escrevi chorando

Como um alívio a minha saudade

Como um dever do meu amor

E quando houver em ti um eco de saudade

Beija estes versos que escrevi chorando.

Machado de Assis

 

Notas e Referências

[1] GIDDENS, Anthony. Sociologia, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. Serviço de Educação e Bolsas, 7ª edição, Tradução de Alexandra Figueiredo, Ana Patrícia Duarte Baltazar, Catarina Lorga da Silva, Patrícia Matos e Vasco Gil. 2009

[2] POLANYI, Karl. The Great Transformation: The Political and Economic Origins of Our Time, Boston: Beacon Press. 1944.

[3] HOCHSCHILD, Arlie Russel. As cadeias globais de assistência e a mais-valia emocional. In: GIDDENS, Anthony; HUTTON, Will. (Org.) No limite da Racionalidade: Convivendo com o capitalismo Global. Tradução: Maria Beatriz de Medina. Rio de Janeiro: Record, 2004.

[4][4] COLLINS, Patricia Hills. Shifting the center: Race, class, and feminist theorizing about motherhood. In Mothering: Ideology, experience, and agency, edited by Evelyn Nakano Glenn, Grace Chang, and LindaR ennie Forcey. New York: Routledge. 1994.

[5] HOCHSCHILD, Arlie Russel. As cadeias globais de assistência e a mais-valia emocional. In: GIDDENS, Anthony; HUTTON, Will. (Org.) No limite da Racionalidade: Convivendo com o capitalismo Global. Tradução: Maria Beatriz de Medina. Rio de Janeiro: Record, 2004.

 

 

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