MARISA DE CARVALHO NÓBREGA, 48 anos de idade, negra, moradora do Pantanal, na Cidade de Deus, Rio de Janeiro morreu na manhã desta segunda-feira (9) após receber uma coronhada de um policial durante uma confusão envolvendo o seu filho em mais uma ação violenta do Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE). No sábado, policiais do BOPE, que faziam operação na comunidade, abordaram o filho de MARISA, de 17 anos, que estava com a namorada e o agrediram, alegando que ele era traficante, pois “estava bem vestido”.
Diante da confusão, os familiares foram chamados. No tumulto, todos foram agredidos e MARISA recebeu uma coronhada na cabeça, com um fuzil, desfechada por um policial. Imediatamente, os familiares a levaram para a UPA (Unidade de Pronto Atendimento), de onde ela foi encaminhada de ambulância para o Salgado Filho, onde acabou falecendo.
A violência policial contra os “inimigos” e “indesejáveis” vem de longe. Segundo informa GISELA AGUIAR WANDERLEY “nas fases embrionárias da criação da instituição policial no Brasil, por ocasião da chegada da família real (1808), incumbia às polícias ‘sufocar os agitadores republicanos, conter os capoeiras, disciplinar os escravos de ganho e normatizar o comportamento público’. Havia, à época, uma ‘espécie de suspeita estruturante’ que orientava a relação entre polícias e população”.
Mais adiante, a autora observa que a “suspeição construída a priori sobre a população negra produziu efeitos marcantes sobre a circulação pública nos espaços urbanos. A pouco nítida distinção entre pretos e pardos escravos ou livres e entre trabalhadores cativos ou assalariados implicava que a mera presença do negro no espaço público era um elemento de suspeição e, por conseguinte, um fundamento para a repressão (...)”.
A população carcerária brasileira é formada em sua maioria por homens negros, com baixa escolaridade e por jovens. Estudo mostra que menores de 29 anos, embora representem 10% da população brasileira, são responsáveis por 55% da lotação dos presídios no País. Homens negros, por sua vez, têm o risco de 1,5 vezes maior de ser preso do que um homem branco. Em 2012, por exemplo, para cada grupo de 100 mil habitantes brancos, havia 191 brancos encarcerados, enquanto para 100 mil habitantes negros, 292 negros encarcerados. Pela analise do relatório do Mapa do Encarceramento no Brasil (2015) constata-se que o crescimento da população carcerária brasileira segue em paralelo com o crescente encarceramento dos negros.
É certo e fato que o negro, também, está mais suscetível a distintos tipos de violências – simbólicas, físicas, morais etc. - para SARA LUZ “são os aviltamentos cotidianos que apesar de tão nítidos, são tão efusivamente negados, como os motivos que levam um policial suspeitar e abordar um indivíduo preferencialmente negro, como o fato de negro não ‘preencher os requisitos’ de uma vaga de trabalho, mesmo quando tem qualificação para tal, como o fato da população negra povoar com mais efetividade o cárcere, os obituários e as páginas policiais”.
Levando em consideração a violência contra o jovem negro, a Anistia Internacional, em sua seção brasileira, lançou em 2014 uma campanha intitulada “jovem negro vivo”, com o propósito de chamar atenção para violência contra os jovens negros, assim se manifestou a ONG:
O Brasil é o país onde mais se mata no mundo, superando muitos países em situação de guerra. Em 2012, 56.000 pessoas foram assassinadas. Destas, 30.000 são jovens entre 15 a 29 anos e, desse total, 77% são negros. A maioria dos homicídios é praticada por armas de fogo, e menos de 8% dos casos chegam a ser julgados. Mais absurdo que estes números, só a indiferença. A morte não pode ser o destino de tantos jovens, especialmente quando falamos de jovens negros. As consequências do preconceito e dos estereótipos negativos associados a estes jovens e aos territórios das favelas e das periferias devem ser amplamente debatidas e repudiadas. O destino de todos os jovens é viver. Você se importa? Eu me importo! Quero que as autoridades brasileiras assegurem aos jovens negros seu direito a uma vida livre de preconceito e de violência. E priorizem políticas públicas integradas de segurança pública, educação, cultura, trabalho, mobilidade urbana, entre outras. Eu quero ver os jovens vivos! Chega de homicídios.”
MARISA de CARVALHO NÓBREGA é mais uma mãe negra vítima do sistema penal repressivo, estigmatizante e seletivo. MARISA é mais uma vítima do Estado Penal. Agora, MARISA e seu filho passarão a figurar nas estatísticas vergonhosas de uma polícia racista que executa jovens negros e pobres nas favelas diariamente, sob o vil pretexto de que estão em “guerra” ou não. MARISA morreu lutando, lutando contra o Estado Penal que não conhece limites, lutando contra o preconceito, lutando pela dignidade da sua família.
*Para Marisa de Carvalho Nóbrega,
In memoriam
Imagem Ilustrativa do Post:BOPE // Foto de: André Gustavo Stumpf // Sem alterações
Disponível em: https://www.flickr.com/photos/degu_andre/6086254956
Licença de uso: https://creativecommons.org/publicdomain/zero/1.0/deed.en