LINDB e a nova Judicialização da Saúde

21/05/2018

As decisões proferidas na Judicialização da Saúde trazem inúmeros impactos para os gestores e para a Sociedade.

Neste sentido, é interessante observar os efeitos da Lei 13.655/2018[1] – que alterou a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – para o quotidiano forense.

Alguns exemplos:

1) A lei impede que haja decisão “com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão”[2]. Ou seja, não pode proferir-se decisão sem que exista avaliação fática do caso. Torna-se impossível, assim, provimento judicial que cita apenas artigo da Constituição (artigo 196, por exemplo), havendo necessidade de fundamentação sobre as questões clínicas (evidências do tratamento postulado, eficácia e eficiência do medicamento, custo-efetividade, etc). Além disso, as decisões judiciais também deverão considerar suas “consequências práticas”. Vale dizer, qual será a finalidade e, principalmente, qual a mudança na atuação administrativa – quando houver condenação de obrigação de fazer, por exemplo.

2) A decisão judicial precisará “indicar as condições para que a regularização ocorra de modo proporcional e equânime e sem prejuízo aos interesses gerais”[3]. Ou seja, nas ações individuais – mais comuns na área da Saúde – o magistrado também deve considerar se é possível ampliar aquele medicamento, tratamento, cirurgia, a outras pessoas que estejam, em tese, na mesma situação. Trata-se de preservação do princípio da isonomia, na perspectiva substancial. Isso será possível, obviamente, desde que os entes públicos também melhorem a informação e a defesa processual, qualificando-as com notícias sobre a situação geral, no âmbito do Município, do Estado e da União, de modo a permitir a pluralização do tema e auxiliar o juiz na visualização das consequências da decisão.

3) Na Judicialização da Saúde, o juiz deverá observar “os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo”[4]. Por outras palavras, será objeto do processo a análise de questões historicamente não consideradas, tais como: (sub) financiamento da Saúde, atuação omissiva de entidades (Anvisa, ANS, Conitec, entre outros), atuação dos laboratórios (práticas de concorrência, desabastecimento do mercado, etc).

4) Incorporação do Consequencialismo Jurídico na Teoria da Decisão Judicial. Significa que o juiz deve considerar “regime de transição quando indispensável para que o novo dever ou condicionamento de direito seja cumprido de modo proporcional, equânime e eficiente e sem prejuízo aos interesses gerais”[5]. Haverá transformação no processo judicial. O juiz deverá ampliar a interpretação das ações individuais, imaginando e projetando o caso na perspectiva plural, coletiva. Ou seja, qual será o impacto da condenação judicial no orçamento do Município, do Estado, da União. Se é possível suportar faticamente a decisão. Se a decisão efetivamente vai beneficiar as pessoas.

5) Novo fundamento jurídico para responsabilização dos agentes e servidores públicos quando houver dolo ou erro grosseiro[6]. Assim, o gestor que reiteradamente desconsidera situações periclitantes (epidemias, omissões continuadas em prestações positivas obrigatórias, etc) pode ficar sujeito à aplicação de sanção. Igualmente, o médico que prescreve tecnologias em Saúde manifestamente destituída de evidência científica ou com interesse específico de obter vantagem da indústria farmacêutica também está sujeito à sanção. E as punições são amplas, englobando a administrativa, a cível e a criminal.

6) Na esfera administrativa, as autoridades poderão aprovar atos normativos (Decretos, Regulamentos, Súmulas, etc) com a finalidade de regular a atuação dos servidores públicos. Tais documentos terão eficácia vinculante internamente[7]. Exemplo da possibilidade de atuação administrativa é a regulação das prescrições médicas, já que muitos profissionais prescrevem com frequência tratamentos não incorporados no SUS. Neste caso, a violação à norma sem justificativa plausível ensejará punição nos moldes mencionados anteriormente.

Como se observa, a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro passou a tratar de temas importantes para a Sociedade brasileira. Os dispositivos incorporados pela Lei 13.655/2018 terão vigência 180 dias após a sua publicação e impactarão consideravelmente na Judicialização da Saúde.

O tempo informará se as novidades serão positivas ou agravarão ainda mais o cenário. O ideal é que seja fomentada, sempre mais, a concretização do Direito à Saúde.

[1] BRASIL. LEI Nº 13.655, DE 25 DE ABRIL DE 2018. Inclui no Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro), disposições sobre segurança jurídica e eficiência na criação e na aplicação do direito público. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/L13655.htm. Acesso 18 Mai. 2018.

[2] “Art. 20.  Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão.

Parágrafo único. A motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas.”

[3] “Art. 21.  A decisão que, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, decretar a invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa deverá indicar de modo expresso suas consequências jurídicas e administrativas.

Parágrafo único.  A decisão a que se refere o caput deste artigo deverá, quando for o caso, indicar as condições para que a regularização ocorra de modo proporcional e equânime e sem prejuízo aos interesses gerais, não se podendo impor aos sujeitos atingidos ônus ou perdas que, em função das peculiaridades do caso, sejam anormais ou excessivos.”

[4] “Art. 22.  Na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados.”

[5] “Art. 23.  A decisão administrativa, controladora ou judicial que estabelecer interpretação ou orientação nova sobre norma de conteúdo indeterminado, impondo novo dever ou novo condicionamento de direito, deverá prever regime de transição quando indispensável para que o novo dever ou condicionamento de direito seja cumprido de modo proporcional, equânime e eficiente e sem prejuízo aos interesses gerais.”

[6] “Art. 28. O agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro.”

[7]  “Art. 30. As autoridades públicas devem atuar para aumentar a segurança jurídica na aplicação das normas, inclusive por meio de regulamentos, súmulas administrativas e respostas a consultas.

Parágrafo único.  Os instrumentos previstos no caput deste artigo terão caráter vinculante em relação ao órgão ou entidade a que se destinam, até ulterior revisão.”

 

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