A judicialização da saúde, especialmente de medicamentos, produtos, próteses e outras tecnologias, sempre tem como origem uma prescrição médica.
O presente texto tem por finalidade avaliar quais são os limites que os profissionais da área médica devem observar no exercício da sua profissão.
Além do cumprimento da Constituição da República Federativa do Brasil, especialmente das normas que tratam do direito à saúde, e da legislação infraconstitucional, os médicos devem obediência ao Código de Ética Médica, aprovado pela Resolução 1931, de 2009, do Conselho Federal de Medicina – CFM.
O aludido Código de Ética estabelece que é direito do médico “indicar o procedimento adequado ao paciente, observadas as práticas cientificamente reconhecidas e respeitada a legislação vigente”.
Tal preceito estabelece dois deveres aos médicos. O primeiro é o dever de obediência às práticas comprovadas cientificamente. O segundo é o dever de cumprimento da legislação pátria.
Assim, os médicos não podem prescrever medicamentos, próteses ou tecnologias que não tenham o reconhecimento científico ou que não cumpram a legislação vigente no Brasil. Contudo, não é incomum, inclusive em processos judiciais, encontrar-se prescrições médicas destituídas de critérios científicos.
No âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS muitos médicos prescrevem medicamentos e tecnologias que não estão incorporados nas listas de medicamentos (Rename, Remume, etc). E esta prática tem sido a principal fonte da judicialização da saúde.
Em razão disso, alguns entes públicos passaram a editar atos normativos para regular a atuação dos médicos vinculados ao SUS.
No Estado de Santa Catarina, por exemplo, foi publicado o Decreto 241/2015 que obriga “os médicos e os odontólogos servidores públicos estaduais, sempre que estiverem no exercício de suas atribuições funcionais, obrigados a prescrever medicamentos e solicitar exames e procedimentos de saúde nos termos das políticas públicas, das listas padronizadas e dos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDTs) do Sistema Único de Saúde (SUS)”.
O mesmo ato normativo prevê que na hipótese de prescrição de tecnologias não disponíveis no SUS, o médico deverá apresentar justificativa técnica que demonstre inadequação, a ineficiência ou a insuficiência da prescrição de medicamento padronizado.
O Secretário de Saúde do Estado de São Paulo também editou ato normativo com conteúdo semelhante (Resolução 83/2015), estabelecendo que o médico poderá, inclusive, ressarcir o erário, “do custo do medicamento judicializado contra a Fazenda do Estado, originário da prescrição da rede estadual de saúde em desacordo com as normas e orientações que disciplinam as ações e atividades do SUS.”
Tais previsões normativas foram criadas porque o número de prescrições médicas destituídas de evidência científica aumentou nos últimos anos, causando descontrole nos gastos com saúde, frustração das expectativas do paciente (porque nem sempre trazem resultados positivos), entre outras consequências. Em alguns casos, há fortes indícios de práticas criminosas, com atuação médica indevida, como se verificou na chamada máfia das próteses. Em outros casos, aparente aproximação entre o médico e os laboratórios farmacêuticos. Ou ainda, hipóteses em que o médico não possui capacidade de diagnosticar e de que conferir o tratamento adequado disponível ao paciente.
Não se pode esquecer, obviamente, das inúmeras patologias que ainda não apresentam cura.
De outro lado, os médicos não estão proibidos de prescrever medicamentos ou produtos novos, basta que apresente justificação técnica específica. Isso é necessário, inclusive, para permitir que haja a atualização das listas de fármacos do SUS. Ou seja, os médicos podem fomentar a dispensação gratuita de novos medicamentos.
Por fim, é importante deixar claro que os juízes do Brasil, diante de um processo judicial, não podem ficar reféns das prescrições médicas destituídas das melhores práticas de evidência científica. Ou seja, é indispensável a produção de prova para investigar se o produto ou medicamento pleiteado na via judicial é eficaz, é eficiente, é seguro e se tem um razoável custo-efetividade ao fim pretendido.
O juiz que simplesmente confia cegamente na prescrição médica nega jurisdição, especialmente porque a decisão judicial vai produzir coisa julgada material, vale dizer, terá força de lei entre as partes litigantes.
O importante, neste contexto, é assentar que os médicos não podem exercer a medicina deixando de observar os limites científicos, éticos e jurídicos. E eventual atuação fora destes parâmetros poderá ensejar a aplicação de tríplice sanção: cível (indenização), criminal e administrativa (com a suspensão ou afastamento do exercício da medicina).
Imagem Ilustrativa do Post: 2008.11.25 - The physician // Foto de: Adrian Clark // Sem alterações
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