O jornal o Estado de S. Paulo resolveu curtir os dias de carnaval tratando da reforma trabalhista, o que, paradoxalmente, acaba servindo para demonstrar a importância do tema.
Foram dois editais no sábado de carnaval. Com relação ao primeiro, já me manifestei em texto anterior[i]. Impõe-se, agora, tratar do segundo, que se intitula: “O TST e os juízes ativistas”[ii].
É interessante que, no primeiro editorial, o jornal se mostrou bastante confiante, afirmando que lei da reforma tinha sido um sucesso e que estava sendo aplicada, sem maiores resistências, pelos juízes; e, no segundo, bateu em desespero, e disse que a atuação de juízes ativistas estava obstando a aplicação da lei.
Não se sabe de onde o Estadão retira tantas informações equivocadas que expressa em inúmeros editoriais sobre a reforma trabalhista, mas sendo um veículo de informação deveria, no mínimo, tentar verificar se os fatos que lhe são passados efetivamente ocorreram na forma considerada.
O editorial em comento, de maneira até desrespeitosa, parte do pressuposto de que o entendimento de um Ministro do TST represente a posição de todos os demais 26 Ministros. Pega a parte pelo todo e estabelece, a partir daí, uma suposta distensão entre o TST e aqueles a quem, em tentativa explícita de ofender, denomina de “juízes ativistas”, sem identificá-los, é claro.
Fizesse isso veria que não se trata de “juízes ativistas” – ao menos não na forma pejorativa com que se tenta atribuir ao termo. Sobre o tema jurídico especificamente tratado no editorial, o da dispensa coletiva, uma decisão, que se expressou no sentido contrário ao que o editorial entende o único possível, foi proferida, em 06/02/18, pela 2ª Seção de Dissídios Individuais do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região[iii], em votação unânime dos 12 (doze) Desembargadores e Juízes convocados que compunham a seção, cuja experiência profissional de mais de vinte, vinte e cinco ou trinta anos afasta, completamente, a pecha de “ativistas”, que conferem direitos sem respaldo legal.
O inconformismo do Estadão é o de que Desembargadores e Juízes estariam contrariando o que está expresso, de forma literal, na lei, mais especificamente, no art. 477-A da CLT, cujo teor foi dado pela Lei n. 13.467/17.
Tratemos o tema de forma objetiva, ou seja, sem achismos e ativismos. Nesta perspectiva, a questão é muito simples: afinal, no texto de lei está dito aquilo que o Estadão está afirmando?
Resposta: não, não está.
Eis o que diz a norma: “Art. 477-A. As dispensas imotivadas individuais, plúrimas ou coletivas equiparam-se para todos os fins, não havendo necessidade de autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho para sua efetivação.”
Vê-se, portanto, claramente, que não está dito, como sugere o jornal, que “os empregadores estão autorizados a dispensar coletivamente seus empregados sem dar satisfação a ninguém e sem respeitar qualquer outro parâmetro jurídico”.
Então, por uma questão de respeito à literalidade da lei não pode o Estadão, atuando por meio de uma espécie de “ativismo às avessas”, ou seja, conferindo à lei um sentido que não se extrai de sua literalidade com o objetivo de retrair direitos e exercendo um poder jurisdicional que não possui, sair por aí atacando juízes que não estejam atuando em conformidade com os seus desejos pessoais.
O que está claramente dito na lei é que “as dispensas imotivadas individuais, plúrimas ou coletivas equiparam-se para todos os fins, não havendo necessidade de autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho para sua efetivação”.
Ainda que a lei diga que não haja a necessidade de autorização prévia da entidade sindical ou normatização da questão em instrumento coletivo de trabalho para que as dispensas sejam efetivadas, isso está longe de significar que as dispensas de trabalhadores serão consideradas válidas independente de qualquer outra avaliação jurídica ou que esteja afastada a negociação coletiva, que é instituto jurídico próprio.
Para melhor compreender o alcance da lei, em conformidade com outros pressupostos jurídicos, é importante lembrar, primeiramente, que a Lei nº 13.467/17 foi embasada nos seguintes fundamentos, publicamente difundidos: a) eliminar insegurança jurídica; b) gerar empregos (ou reduzir o desemprego); c) não eliminar ou reduzir de direitos; d) respeitar a Constituição; e) incentivar a negociação coletiva, possibilitando a supremacia do negociado sobre o legislado mas como forma de melhorar a vida dos trabalhadores; f) modernizar a legislação, acompanhando a evolução tecnológica; e g) fortalecer a atuação sindical.
Esses fundamentos, por certo, dão base à sua interpretação e aplicação. Assim, não se pode extrair da Lei nº 13.467/17 nenhuma autorização para que o empregador, de forma unilateral, abrupta e não fundamentadamente, conduza pessoas ao desemprego como forma de aumentar o lucro ou majorar seu poder, ainda mais se consideramos vigente o projeto constitucional de proteção da dignidade humana, dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, da função social da propriedade e da melhoria da condição social dos trabalhadores.
Lembre-se, também, que foi a própria Lei nº 13.467/17 que determinou a aplicação dos preceitos do Direito Civil, pertinentes ao negócio jurídico, e esses dispositivos recusam validade jurídica a qualquer ato de vontade que se manifeste fora dos parâmetros da boa-fé e que se expresse sob o império da ameaça. Conforme prevê a própria sistemática civilista, não se pode falar em boa-fé em negócios efetivados mediante coação (art. 151 do CC) ou em estado de perigo (art. 156, do CC), que se materializam na realidade das relações de trabalho pela ameaça do desemprego. O art. 113 do Código Civil estabelece que "os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”. Prevê, ainda, que é nulo o negócio quando "não revestir a forma prescrita em lei” (IV, do art. 166) ou quando "tiver por objetivo fraudar lei imperativa” (art. 166, VI). O art. 171, por sua vez, diz que é anulável o negócio jurídico por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores”. E não se esqueça que os artigos 421 e 422 do Código Civil estabelecem que os contratos devem atender a uma função social e que devem estar baseados em boa-fé.
Verifique-se que nem mesmo a “liberdade de contratar” é ilimitada, conforme preconiza o art. 421 do Código Civil: “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”.
E, regulando o distrato, estipula o mesmo Diploma civilista que “dada a natureza do contrato, uma das partes houver feito investimentos consideráveis para a sua execução, a denúncia unilateral só produzirá efeito depois de transcorrido prazo compatível com a natureza e o vulto dos investimentos.” (parágrafo único, art. 473)
A respeito do tema, destaquem-se, ainda, as seguintes restrições à vontade, no âmbito do negócio jurídico, trazidas na normatização jurídica civil:
a) não se aceita a expulsão sumária de associado em associações (atual redação art. 57 do Código Civil);
b) não se permite a denúncia vazia, de forma plena, no contrato de locação (arts. 45-47 da Lei 8.245/91);
c) não se aceita a denúncia vazia na vigência do contrato, conforme se verifica na lei dos planos de saúde (art. 13 da Lei 9.656/98);
d) exige-se respeito à boa-fé nas relações de trato sucessivo (contrato de agência e de distribuição), fixando-se a possibilidade de interferência estatal pelo Poder Judiciário para garantir o equilíbrio contratual[iv](art. 720 do Código Civil);
e) a jurisprudência do STF tem vários precedentes enfatizando a necessidade do direito de defesa nas relações entre particulares:
“DEFESA - DEVIDO PROCESSO LEGAL - INCISO LV DO ROL DAS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS - EXAME - LEGISLAÇÃO COMUM. A intangibilidade do preceito constitucional assegurador do devido processo legal direciona ao exame da legislação comum. Daí a insubsistência da óptica segundo a qual a violência à Carta Política da República, suficiente a ensejar o conhecimento de extraordinário, há de ser direta e frontal. Caso a caso, compete ao Supremo Tribunal Federal exercer crivo sobre a matéria, distinguindo os recursos protelatórios daqueles em que versada, com procedência, a transgressão a texto constitucional, muito embora torne-se necessário, até mesmo, partir-se do que previsto na legislação comum. Entendimento diverso implica relegar à inocuidade dois princípios básicos em um Estado Democrático de Direito - o da legalidade e do devido processo legal, com a garantia da ampla defesa, sempre a pressuporem a consideração de normas estritamente legais. COOPERATIVA - EXCLUSÃO DE ASSOCIADO - CARÁTER PUNITIVO - DEVIDO PROCESSO LEGAL. Na hipótese de exclusão de associado decorrente de conduta contrária aos estatutos, impõe-se a observância ao devido processo legal, viabilizado o exercício amplo da defesa. Simples desafio do associado à assembléia geral, no que toca à exclusão, não é de molde a atrair adoção de processo sumário. Observância obrigatória do próprio estatuto da cooperativa.” (RE 158215, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, SEGUNDA TURMA, julgado em 30/04/1996, DJ 07-06-1996 PP-19830 EMENT VOL-01831-02 PP-00307 RTJ VOL-00164-02 PP-00757)
“EMENTA: SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. UNIÃO BRASILEIRA DE COMPOSITORES. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. RECURSO DESPROVIDO. I. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. As violações a direitos fundamentais não ocorrem somente no âmbito das relações entre o cidadão e o Estado, mas igualmente nas relações travadas entre pessoas físicas e jurídicas de direito privado. Assim, os direitos fundamentais assegurados pela Constituição vinculam diretamente não apenas os poderes públicos, estando direcionados também à proteção dos particulares em face dos poderes privados. II. OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS COMO LIMITES À AUTONOMIA PRIVADA DAS ASSOCIAÇÕES. A ordem jurídico-constitucional brasileira não conferiu a qualquer associação civil a possibilidade de agir à revelia dos princípios inscritos nas leis e, em especial, dos postulados que têm por fundamento direto o próprio texto da Constituição da República, notadamente em tema de proteção às liberdades e garantias fundamentais. O espaço de autonomia privada garantido pela Constituição às associações não está imune à incidência dos princípios constitucionais que asseguram o respeito aos direitos fundamentais de seus associados. A autonomia privada, que encontra claras limitações de ordem jurídica, não pode ser exercida em detrimento ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros, especialmente aqueles positivados em sede constitucional, pois a autonomia da vontade não confere aos particulares, no domínio de sua incidência e atuação, o poder de transgredir ou de ignorar as restrições postas e definidas pela própria Constituição, cuja eficácia e força normativa também se impõem, aos particulares, no âmbito de suas relações privadas, em tema de liberdades fundamentais. III. SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. ENTIDADE QUE INTEGRA ESPAÇO PÚBLICO, AINDA QUE NÃO-ESTATAL. ATIVIDADE DE CARÁTER PÚBLICO. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL.APLICAÇÃO DIRETA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS À AMPLA DEFESA E AO CONTRADITÓRIO. As associações privadas que exercem função predominante em determinado âmbito econômico e/ou social, mantendo seus associados em relações de dependência econômica e/ou social, integram o que se pode denominar de espaço público, ainda que não-estatal. A União Brasileira de Compositores - UBC, sociedade civil sem fins lucrativos, integra a estrutura do ECAD e, portanto, assume posição privilegiada para determinar a extensão do gozo e fruição dos direitos autorais de seus associados. A exclusão de sócio do quadro social da UBC, sem qualquer garantia de ampla defesa, do contraditório, ou do devido processo constitucional, onera consideravelmente o recorrido, o qual fica impossibilitado de perceber os direitos autorais relativos à execução de suas obras. A vedação das garantias constitucionais do devido processo legal acaba por restringir a própria liberdade de exercício profissional do sócio. O caráter público da atividade exercida pela sociedade e a dependência do vínculo associativo para o exercício profissional de seus sócios legitimam, no caso concreto, a aplicação direta dos direitos fundamentais concernentes ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa (art. 5º, LIV e LV, CF/88). IV. RECURSO EXTRAORDINÁRIO DESPROVIDO.” (RE 201819, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Relator(a) p/ Acórdão: Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 11/10/2005, DJ 27-10-2006 PP-00064 EMENT VOL-02253-04 PP-00577 RTJ VOL-00209-02 PP-00821)
f) o STJ já considerou abusiva denúncia vazia de Banco em relação ao contrato de conta bancária em relações de longo prazo:
“DIREITO DO CONSUMIDOR. CONTRATO DE CONTA-CORRENTE EM INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. ENCERRAMENTO UNILATERAL E IMOTIVADO DA CONTA. IMPOSSIBILIDADE. 1.- Não pode o banco, por simples notificação unilateral imotivada, sem apresentar motivo justo, encerrar conta-corrente antiga de longo tempo, ativa e em que mantida movimentação financeira razoável. 2.- Configurando contrato relacional ou cativo, o contrato de conta-corrente bancária de longo tempo não pode ser encerrado unilateralmente pelo banco, ainda que após notificação, sem motivação razoável, por contrariar o preceituado no art. 39, IX, do Cód. de Defesa do Consumidor. 3.- Condenação do banco à manutenção das conta-correntes dos autores. 4.- Dano moral configurado, visto que atingida a honra dos correntistas, deixando-os em situação vexatória, causadora de padecimento moral indenizável. 5.- Recurso Especial provido.” (REsp 1277762/SP, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/06/2013, DJe 13/08/2013)
g) segundo o Enunciado 22 da I Jornada de Direito Civil do CJF/STJ, a “função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, constitui cláusula geral que reforça o princípio de conservação do contrato, assegurando trocas úteis e justas”;
h) conforme o Enunciado 23 da I Jornada de Direito Civil do CJF/STJ, a “função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, não elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance desse princípio quando presentes interesses metaindividuais ou interesse individual relativo à dignidade da pessoa humana”;
i) para o Enunciado 167 da III Jornada de Direito Civil do CJF/STF, com “o advento do Código Civil de 2002, houve forte aproximação principiológica entre esse Código e o Código de Defesa do Consumidor no que respeita à regulação contratual, uma vez que ambos são incorporadores de uma nova teoria geral dos contratos”.
O Direito como um todo, como se vê, procura evitar que uma pessoa não fique sujeita ao arbítrio da parte mais poderosa em determinadas relações sociais e se é assim para o Direito Civil e o Direito do Consumidor com muito mais razão deve ser no Direito do Trabalho, até porque é da relação de emprego que a pessoa trabalhadora extrai o seu sustento e viabiliza todas as outras suas relações sociais.
Desse modo, mesmo que existisse um direito dos empregadores de cessar unilateralmente os contratos de trabalho, que se foram, vale lembrar, por ajuste bilateral, a manifestação unilateral do empregador não poderia estar impregnada da mera intenção de causar dano a outrem ou de sacrificar empregos, que constituem política pública, como forma de potencialização de lucros, já que mesmo os denominados direitos potestativos não estão livres da invalidade em razão do configuração do uso abusivo do direito.
A noção de abuso do direito encerra o princípio de que o exercício de um direito subjetivo é ilícito quando não tiver outro objetivo que o de causar prejuízo a outrem[v] e mesmo quando exercido de forma imoral[vi].
No tocante à boa fé, esclarece Karl Larenz que “sempre que exista entre pessoas determinadas um nexo jurídico, estas estão obrigadas a não fraudar a confiança natural do outro”[vii].
Lembre-se, ademais, que nos termos do atual Código Civil, art. 187, comete ato ilícito aquele que, independentemente de culpa, titular de um direito, “ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.
Vale reparar que o próprio Estadão, contrariando a sua tese, apresenta os motivos pelos quais as entidades que promoveram as dispensas coletivas teriam a necessidade de promovê-las. Ora, se o art. 477-A da CLT tivesse concedido, como o jornal sugere, um direito de levar ao desemprego milhares de pessoas de uma só vez, sem dar qualquer explicação tantos aos empregados quanto à sociedade, não precisaria o Estadão gastar seu tempo tentando legitimar as dispensas por meio do argumento de que circunstâncias fáticas específicas justificaram os atos. Bastaria que dissesse, por exemplo, que o empregador, porque tem o poder do dinheiro e porque possui uma lei que foi feita para si, pode fazer o que bem quiser e ninguém tem nada com isso... Não o fez, pois, ainda que instintivamente, sabe que nenhum direito pode ser exercido de forma absoluta, sem interagir com outros direitos, tantos individuais quanto sociais.
E é exatamente essa a avalição que estão fazendo as decisões judiciais criticadas pelo Estadão, qual seja, negando validade aos atos abusivos cometidos por alguns empregadores, por não terem justificado a necessidade econômica ou estrutural das dispensas coletivas, buscando se valer do advento da lei para impor sacrifícios aos trabalhadores, fragilizar a atuação sindical e majorar lucros pela troca de contratos efetivos por precários, sendo que, em pelo menos um caso, ao contrário da informação trazida no editorial, a reversão judicial das dispensas se deu com o fundamento de existirem “indícios veementes” de prática de ato discriminatório, envolvendo professores idosos, que prestavam serviços há longos anos à instituição[viii].
Além disso, como já dito, se é certo que o art. 477-A da CLT disse que não é necessária a autorização prévia do sindicato para a dispensa ou de previsão a respeito em convenção coletiva ou acordo coletivo, não está dito que a “negociação coletiva”, que é instituto bastante diverso daqueles mencionados na lei, esteja afastada. A negociação coletiva, como preconiza a própria reforma, é a fórmula jurídica básica para se estabelecer uma relação de boa-fé, ou, ao menos, de paridade, entre os empregados e o empregador, constituindo, pois, o mecanismo eficiente para o empregador demonstrar que o ato da dispensa não é abusivo, estando embasado em motivos irresistíveis e que não podem ser superados por quaisquer outras iniciativas menos traumáticas.
Vale insistir que nenhuma lei se perfaz em si quanto aos resultados que produz na realidade. As respostas concretas aos conflitos sociais são dadas não por um único artigo de lei e sim pelo conjunto normativo, que é ditado pela Constituição Federal.
No que se refere ao presente tema, cumpre lembrar que o inciso I do art. 7º da CF garantiu aos trabalhadores a proteção contra dispensa arbitrária e embora a doutrina e a jurisprudência tivessem, durante anos, se recusado a aplicar essa norma na sua inteireza, argumentando que não havia uma definição legal do que seria dispensa arbitrária, foi novamente a própria Lei n. 13.467/17 que, tratando da garantia de emprego na criada Representação de Empregados, o § 3º do artigo 510-D, trazido pela Lei nº 13.467/17, trouxe a definição requerida, no sentido de que despedida arbitrária é aquela “que não se fundar em motivo disciplinar, técnico, econômico ou financeiro”.
Disposição neste sentido, é verdade, já havia no art. 165 da CLT, mas se costumava dizer que não era suficiente por conta da “antiguidade” da norma, mas, agora, o dispositivo foi revigorado.
Verdade, também, que a regulação do inciso I do art. 7º requer lei complementar e a Lei nº 13.467/17 é uma lei ordinária, mas é mais do que evidente a inconstitucionalidade por omissão do legislador na matéria, estando autorizado, pois, há muito, o preenchimento da lacuna por atuação jurisprudencial, ainda mais quando a própria reforma acabou trazendo o fundamento para tanto, que pode, igualmente, ser detectado no § 3º do art. 611-A: “§ 3º Se for pactuada cláusula que reduza o salário ou a jornada, a convenção coletiva ou o acordo coletivo de trabalho deverão prever a proteção dos empregados contra dispensa imotivada durante o prazo de vigência do instrumento coletivo.”
A proteção contra a dispensa imotivada foi, como se vê, expressamente referida na Lei nº 13.467/17. É evidente que se poderá dizer que a abrangência do disposto está limitada ao período de vigência da cláusula convencional que reduza salário ou jornada, mas aqui o que se tem é uma ampliação da regra geral, que só serve para confirmar a regra, vez que refere a “dispensa imotivada”, que está proibida sob qualquer justificativa, enquanto que a regra geral, trazida no inciso I do art. 7º da CF, diz respeito à garantia de emprego contra dispensa arbitrária, que pode ocorrer mediante justificativas específicas, legalmente previstas, como visto acima.
Mesmo o argumento econômico para justificar as dispensas deve ser visto com ressalvas, pois é o trabalho dos empregados, realizado ao longo dos anos, que promove o engrandecimento econômico de uma unidade produtiva (ou de serviços) e não é jurídico que se perca isso de vista e, em momento de dificuldade econômica, os trabalhadores sejam, simplesmente, conduzidos ao desemprego para salvar a saúde econômica da empresa.
Recorde-se que a Lei de recuperação judicial, Lei n. 11.101/05, que tem como objetivo recuperar economicamente as empresas, parte do pressuposto necessário da salvaguarda dos empregos.
Cumpre não olvidar que pertence ao empregador e não ao empregado os riscos da atividade econômica (art. 2º., da CLT), sendo ilegal, e imoral, portanto, a transferência dos prejuízos da atividade empresarial para os trabalhadores.
A impossibilidade dessa transferência do risco da atividade econômica para os trabalhadores, aliás, constitui o fundamento da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal na ADIn 3.934-2, quando foi dito que “um dos principais objetivos da Lei 11.101/2005 consiste justamente em preservar o maior número possível de empregos nas adversidades enfrentadas pelas empresas, evitando ao máximo as dispensas imotivadas”[ix] e quando, também, ficou definido que “a dispensa coletiva de empregados não figura, no art. 50 da Lei 11.101/2005, como um dos meios de recuperação judicial da empresa”.
A dispensa coletiva, sem qualquer demonstração de razão econômica e apresentação de estudo que explicite a necessidade e a eficácia da medida como forma necessária de preservar a empresa e salvaguardar empregos, só pode ser entendida, consequentemente, como exercício abusivo do direito, não tendo, pois, qualquer respaldo jurídico.
Também a razão econômica, na qual se tenta embasar uma dispensa coletiva deve ser efetivamente provada por meio, inclusive, de auditoria, que demonstre não só a dificuldade econômica da empresa, não induzida por má administração ou desvio patrimonial, como também a eficácia da medida para recuperar a empresa, com preservação de sua função social e seu potencial de geração de empregos e de produção de riqueza, conforme previsto, inclusive, na Lei nº 11.101/05.
Não é possível imaginar que exista alguma autorização jurídica para que empresas promovam o desemprego ou se valham de contratos precários, em substituição de empregos efetivos, de forma generalizada, para desenvolverem suas atividades, pois isso empurra a economia para baixo e aumenta o sofrimento social, além, claro, de não ter amparo no projeto jurídico fixado na Constituição Federal e demais convenções internacionais de Diretos Humanos ratificadas pelo Brasil.
As limitações que se impõem às dispensas coletivas não são fruto de ativismo judicial, portanto. São, restritamente, imperativos que decorrem da literalidade de diversas leis.
São Paulo, 13 de fevereiro de 2018.
[i]. https://www.jorgesoutomaior.com/blog/a-reforma-trabalhista-ja-era-parte-vi-o-labirinto-juridico
[ii]. http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,o-tst-e-os-juizes-ativistas,70002186880
[iii]. MS Processo nº 0008367- 78.2017.5.15.0000, relacionado à ACP Processo nº 0012176-33.2017.5.15.0079.
[iv]. Art. 720. Se o contrato for por tempo indeterminado, qualquer das partes poderá resolvê-lo, mediante aviso prévio de noventa dias, desde que transcorrido prazo compatível com a natureza e o vulto do investimento exigido do agente.
Parágrafo único. No caso de divergência entre as partes, o juiz decidirá da razoabilidade do prazo e do valor devido.
[v]. LARENZ, Karl. Derecho Civil – parte general. Tradução e notas de Miguel Izquierdo y Macías-Picaveva. Editorial Revista de Derecho Privado, Editoriales de Derecho Reunidas, p. 297.
[vi]. LARENZ, Karl. Ob. cit., p. 298.
[vii]. LARENZ, Karl. Ob. cit., p. 300.
[viii]. http://justificando.cartacapital.com.br/2017/12/15/justica-suspende-demissoes-de-professores-na-estacio-de-sa/
[ix]. Conforme previsto no art. 47 da lei em questão: “A recuperação judicial tem por objetivo a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica”.
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