LEI MARIA DA PENHA E AS MEDIDAS DE PROTEÇÃO: PROGRESSOS E CONQUISTAS DENTRO DOS DOZE ANOS DE VIGÊNCIA

17/09/2018

1. A Luta por Direitos das Mulheres

 A violência doméstica nem sempre foi compreendida como tal, isto é, um fenômeno social complexo e grave sem preferência entre meninas ou mulheres, classes sociais, culturas, idades, raças ou etnias, produzindo efeitos negativos não apenas para a saúde mental e física das mulheres, mas para toda a sociedade. Através do feminismo, representante da história das conquistas e reinvindicações dos direitos das mulheres, que se buscaram alternativas ao enfrentamento dessa situação. 

Por conseguinte, o feminismo reconhece os homens e mulheres como diferentes, e luta para que sejam tratados não como iguais, e sim equivalentes. Ainda se faz necessário essa luta por direitos, considerando que o patriarcalismo e o machismo não são conjunturais, porém estruturais, e se perpetuam. Por fim, “o movimento feminista denuncia a manipulação do corpo da mulher e a violência a que é submetido” (ALVES; PITANGUY, 1981, p. 60). 

Inicialmente, no Brasil, as primeiras manifestações feministas são da autora Nísia Floresta Brasileira Augusta, consagrada por lutar pela educação das mulheres. “Em 1833 a autora traduz, de forma livre, a consagrada obra Vindication Of The Rights Of Woman, escrita por Mary Wollstonevraft-Godwin, dando-lhe o título de Direitos das Mulheres e Injustiça dos Homens” (BIANCHINI, 1994, p. 293), considerada o texto que fundou o feminismo brasileiro, por se tratar do direito das mulheres à instrução e ao trabalho.

Para Alice Bianchini, o feminismo surge no Brasil de maneira organizada e com propostas bem definidas, inspiradas pelo movimento sufragista americano e inglês, todavia, se aproximando mais do americano. Um dos destaques na luta pelo sufrágio feminino foi Bertha Lutz, que “representava o instrumento básico de legitimação do poder político, concentrando a luta no nível jurídico institucional da sociedade” (BIANCHINI 2009, online).  A resistência enfrentada pelas sufragistas, curiosamente, vieram das próprias mulheres, que mostravam indiferença com a própria situação. 

Outrossim, a década de 70, sem dúvida foi o auge do feminismo, o qual ressurgiu com força política indubitável e potencial para grande transformação social. As discussões giraram em torno da identidade de gênero,  os grupos declaram-se abertamente feministas e reivindicaram por políticas públicas, assim como emergiu uma profunda reflexão sobre o lugar social da mulher, “desnaturalizando-o definitivamente pela consolidação da noção de gênero como referência para a análise” (SARTI, 2004, p. 40-41).

Indubitavelmente, nessa época, graças à atuação intensa, o feminismo alcançou a posição de movimento de grande relevância. Formou-se uma importante consciência a respeito da transformação da condição da mulher, legitimando o debate em torno desta questão, anteriormente exilado a um plano limítrofe. É também nesse momento que o feminismo avoca um núcleo de resistência democrática, reivindicando assuntos de ordem geral.

Hodiernamente, o movimento feminista “refuta a ideologia que legitima a diferenciação de papéis, reivindicando a igualdade em todos os níveis, seja no mundo externo, seja no âmbito doméstico” (ALVES, PINTAGUY, 1981, p.55). Demanda-se sobre a hierarquia sexual, que não é uma fatalidade biológica e sim, fruto de um produto histórico, portanto sendo passível de mudança. Além disso, trouxe também a questão da diferenciação nas relações de poder entre homens e mulheres.

Em síntese, o movimento feminista procurou mostrar as diferenças entre homens e mulheres como frutos da cultura, ou seja, a discriminação entre eles é socialmente construída, podendo, dessa forma, ser alvo de mudanças.  Ele se edifica a partir das derrotas e conquistas, e se posiciona como um movimento vivo, permanecendo em contínuo processo de recriação. Constata-se, que o movimento feminista busca a equidade entre os sexos, tanto para as mulheres, assim como também para os grupos sociais com histórico de marginalização. 

 

2. Conceito e Características da Lei Maria da Penha

A Lei Maria da Penha é resultado de uma luta histórica dos movimentos feministas por uma legislação para punir a violência doméstica e familiar contra as mulheres, assim como de compromissos internacionais assumidos pelo Brasil. Definiu-se o conceito de violência doméstica e apontou formas para evitar, enfrentar e punir a agressão. Também indicou as responsabilidades de cada órgão público para ajudar a mulher sob violência doméstica.

Trata-se, portanto, de normas de discriminação positiva, isto é “medidas especiais de caráter temporário destinadas a acelerar a igualdade de fato entre homem e mulher, conforme preceitua o art. 4.º, item 1, da Convenção de Belém do Pará” (apud BIANCHINI, 2011, online). Justificando-se apenas nas situações primordiais, pois ao mesmo tempo em que se aumentam as garantias dadas às vítimas, limitam-se os direitos do réu.

 Ademais, quanto à constitucionalidade do dispositivo, existem duas correntes adotadas: por um lado, os defensores de que as normas referentes à proteção das mulheres já foram ultrapassadas pelo princípio constitucional da igualdade entre os gêneros, eliminando, portanto, qualquer postura discriminatória em relação aos homens e mulheres. Por outro lado, existem os defensores de que a isonomia não é um princípio absoluto e deve ser aferida em concorrência com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade (BISNETO; FERNANDEZ, 2009).

De certo, as ações positivas dispostas na Lei Maria da Penha visam diminuir as desigualdades sociais, políticas e econômicas. Ao mesmo tempo em que se protegem as mulheres, a Lei nº 11.340/2006 restringe os direitos do agressor. Por isso, justifica-se apenas “em razão das circunstâncias muito específicas que envolvem a violência de gênero: brutalidade, institucionalização da violência, frequência, reiteração, permanência, intimidação e elevadíssimos índices” (BIANCHINI, 2011, online). 

  Além disso, não se deve esquecer que a violência doméstica e familiar possui causa social, decursivo, especialmente, do papel reservado às mulheres na sociedade. Reconhecem-se alguns avanços, porém, ainda conserva-se uma sociedade patriarcal, na qual se predomina aquilo que é masculino. Infelizmente, a dominação dos homens sobre as mulheres é marcada pelo emprego da violência física e psíquica.

Em outras palavras, a violência doméstica não acontece apenas nas classes mais baixas, sendo essa uma das formas mais pérfidas de violência contra a mulher. Encontrada em todas as sociedades, no âmbito das relações familiares, sem distinção de idade, as mulheres são vítimas de violência de todas as formas: sexual, psíquica, física, entre outras. Essas formas de violência subjugam as mulheres, sua saúde e impedem sua participação na vida familiar e na pública com base na igualdade (PIOVESAN, 2012). 

A vista disso, o caso Maria da Penha, de forma representativa, rompeu com a invisibilidade que encobre esse padrão de violência, tendo sido um exemplo de como a sociedade brasileira trata as mulheres vítimas. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos condenou o Brasil por negligência e omissão em relação à violência doméstica, ela entendeu que a tolerância por parte dos órgãos do Estado não é exclusiva do caso Maria da Penha e sim sistemática, advinda da negligência e falta de efetividade do Estado em punir os agressores.

Por consequência, o governo brasileiro então foi coagido a criar uma nova Lei para trazer maior eficácia na prevenção e punição da violência doméstica. A vista disso, em agosto de 2006 entrou em vigência a Lei nº 11.340, popularmente conhecida como Lei Maria da Penha, em homenagem a essa mulher que por 20 anos lutou para ver seu agressor punido. Aprovada por unanimidade é considerada pela ONU como a terceira melhor Lei contra a violência doméstica do mundo. 

Saliente-se ainda, dentre as várias inovações trazidas pela nova legislação, a maneira como se enfrenta a violência doméstica, que antes era tratada como infração de menor potencial ofensivo, amparada pela Lei 9.099/95 e agora é vista como uma violação aos direitos humanos, sendo, portanto, vedada a aplicação da supracitada norma. Previu-se também a criação de Juizados de Violência Doméstica e Familiar Contra as mulheres, com competência cível e criminal, assim como atendimento policial especializado para as mulheres, em particular nas Delegacias de Atendimento à Mulher (PIOVESAN, 2012).

Ademais, a Lei Maria da Penha criou mecanismos para incentivar a realização de campanhas educativas de prevenção da violência doméstica, sua difusão e dos instrumentos de proteção dos direitos humanos das mulheres, além de inserir a capacitação dos agentes policiais quanto às questões de gênero. Além de criar ferramentas de prevenção, também criou mecanismos repressivos, impedindo penas de cestas básicas ou outras prestações pecuniárias, tal qual a substituição de pena que implique apenas o pagamento de multa, evitando assim que o Poder Público seja conivente com a violência doméstica. 

E ainda, ampliou a compreensão do que é violência doméstica, classificando-a como “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial” (Artigo 5º, Lei nº 11.340/2006). Expandiu o conceito de família, na medida em que afirma que as relações interpessoais independem da orientação sexual. Dessa forma, simbolizou uma grande vitória do movimento das mulheres.

Outrossim, a Lei nº 11.340/2006 ao condenar a tolerância estatal e o tratamento discriminatório dado ás mulheres vítimas de violência doméstica, se tornou uma conquista histórica na afirmação dos direitos das mulheres. Ela se torna cada vez mais conhecida, os dados da Pesquisa Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher “constatou que, por todo o país, 99% das mulheres já ouviram falar na Lei, e isso vale para todos os estratos sociais” (DATASENADO, 2013, p. 2). 

Por fim, isso mostra que a mensagem tem chegado não apenas as mulheres vítimas, mas em toda a sociedade. A proposta principal é demonstrar que a violência doméstica não é um assunto da esfera privada, e sim uma violação aos direitos humanos, cabendo ao Poder Público respostas, não sendo mais aceito sua conivência e omissão, assim como também requer um pacto de não tolerância de toda a população. 

 

 3. Formas de Violência

A Lei Maria da Penha não só definiu o conceito de violência doméstica, mas também todas as suas formas, de maneira descritiva, de forma a facilitar a aplicação do direito. As principais formas citadas pelo artigo 7º da referida Lei são: violência física, psicológica, sexual, patrimonial e por fim, a moral. Pode-se observar neste rol, que nem todas as agressões elencadas são acometidas à constituição física da mulher.

Interessante perceber que as formas de violência deixam clara a ausência de conteúdo exclusivamente criminal no agir do agressor, algumas das hipóteses dispostas em Lei mostram que nem todas as ações constituem delitos no âmbito penal. Para Maria Berenice Dias, esse é o alcance da Lei nº 11.340/2006: “Conceitua a violência doméstica divorciada da prática delitiva e não inibe a concessão das medidas protetivas tanto por parte da autoridade policial como pelo juiz” (2010, online).

Em primeiro lugar, define-se o conceito de violência física, e dispõe ser qualquer conduta ofensiva à integridade ou saúde corporal da mulher. Mesmo não deixando marcas aparentes, o uso da força física configura o vis corporalis, expressão que define a violência física. Vale ressaltar que a integridade física e saúde corporal são tipificadas no Código Penal, em seu Artigo 129, § 9, já existindo a qualificadora de violência doméstica inserida em 2004 pela Lei nº 10.886. A Lei Maria da Penha apenas aumentou a pena desse delito: de seis meses a um ano, a pena passou de três meses a três anos.  Mesmo não havendo mudança na sua tipificação, ampliou-se a sua abrangência (DIAS, 2007). 

A seguir, têm-se a violência psicológica, que segundo Alice Bianchini (2014) pode ser entendida como a ação ou omissão cujo objetivo é degradar ou controlar as ações do indivíduo. São praticadas através de constrangimentos, ameaças, manipulações, perseguições, chantagens, entre diversas coisas que causam danos emocionais, baixa autoestima. Apesar de comuns, nem sempre são identificadas pelas vítimas, principalmente pelo fato de justificarem tais agressões a outros fatores, como álcool, perda de emprego, entre outras situações.

Observa-se que parte da doutrina critica o termo violência psicológica, já que todos os crimes geram dano emocional à vítima e aplicar apenas às mulheres, seria discriminação injustificada de gênero. Todavia, não é esse o entendimento das autoras Maria Berenice Dias (2007) e Alice Bianchini (2011), que afirmam ser a violência contra a mulher cultural e histórica, merecendo uma discriminação positiva para se chegar à igualdade de fato, uma vez que a violência psicológica possui forte fundação nas relações desiguais e de poder entre os sexos. 

A saber, é a forma mais frequente e, uma das menos denunciadas, pois a vítima sequer se dá conta que agressões verbais, silêncios prolongados, tensões, manipulações, etc., são atos de violência e como tais devem ser denunciados. Para constituir o dano psicológico não se faz necessária elaboração de laudo técnico ou perícia, deve apenas ser reconhecido pelo juiz e caberá medida protetiva de urgência (DIAS,2007).

Em seguida, conceitua-se e descreve a violência sexual: um delito clandestino e subnotificado praticado contra a liberdade sexual da mulher. Configura em qualquer conduta que constranja a mulher a presenciar, manter ou a participar de relação sexual indesejada, mediante ameaça, intimidação, coação ou força. Ainda que este seja um crime amplamente conhecido, houve certa resistência da doutrina e jurisprudência em reconhecer a possibilidade de acontecer nas relações familiares.

Consideram-se também os casos em que o homem obrigue a mulher a se prostituir, ou a proíba de utilizar métodos contraceptivos, forçando a gravidez, aborto, ou qualquer coisa que vá contra seus direitos sexuais e reprodutivos. Esse tipo de violência provoca traumas físicos e psíquicos, além de expor a vítima a doenças sexualmente transmissíveis e a gravidez indesejadas (DIAS, 2007).

Ademais, o legislador entendeu por violência patrimonial toda conduta que configurar retenção, subtração, destruição parcial ou total de objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores ou recursos econômicos, abrangendo os destinados a satisfazer as necessidades pessoais. Encontra-se definição de violência patrimonial no Código Penal, nos artigos 155 e seguintes, entre os delitos contra o patrimônio como subtração, apropriação indébita, entre outros. 

Nesse sentido, a partir da Lei Maria da Penha, deu-se uma nova definição, não sendo possível a aplicação das imunidades às quais se referem os artigos 181 e 182 do código acima referido.  Quando o homem mantém relações afetivas com a vítima, não se reconhece mais a isenção da pena ou a representação, valendo tanto para o furto, apropriação, ou destruição dentro da esfera doméstica.

Por fim, tem-se a violência moral, com determinadas ações que a caracterizam, tais como: acusar sem provas, ofender a reputação, xingar, entre outras. Conhecidas como calúnia, injúria e difamação, todas previstas no Código Penal, no capítulo dos crimes contra a honra. Quando cometidos dentro do vínculo familiar configurará violência moral. A calúnia e a difamação atingem a honra subjetiva, enquanto a injúria a objetiva, isto é, a calúnia e difamação se consumará quando terceiros ficarem sabendo, e a injúria quando a própria vítima toma conhecimento.

 

 4. Medidas Protetivas de Urgência

Uma das grandes inovações trazidas pela Lei nº 11.340/2006 foram as medidas protetivas de urgência a favor da vítima e que obrigam o agressor, além de dispor sobre prevenção e educação para evitar a reprodução social da violência de gênero. Essas medidas objetivam dar efetividade a Lei, assegurando à mulher que se encontra dentro de uma situação de violência, a possibilidade de se proteger contra novas violências.

Consiste em medidas cujo intuito é expandir o circulo de proteção da mulher, ampliando o sistema de prevenção e combate. A margem dada ao juiz é ampla, visto que as medidas protetivas possuem instrumentos de caráter civil, trabalhista, previdenciário, administrativo, processual e penal, considerando assim que a Lei Maria da Penha seja “heterotópica, ou seja, prevê em seu bojo dispositivos de diversas naturezas jurídicas (BIANCHINI, 2014, p. 179). 

O referido normativo elenca um rol de medidas exemplificativas, cabendo ao magistrado agir de ofício adotando o que considerar necessário para a efetiva proteção da vítima. Para Maria Berenice Dias (2007), as medidas protetivas não se encontram apenas nos artigos 22 a 24, e sim espalhadas por toda a Lei, a exemplo disso destaca-se quando o legislador intenta assegurar à vítima a manutenção do seu vínculo empregatício, por até seis meses, como dispõe o art. 9, § 2º, inciso II.

Vale ressaltar que a Lei Maria da Penha prevê dois tipos de medidas protetivas de urgência: as que obrigam o agressor a não praticar certas condutas e as direcionadas as mulheres e filhos, com o fito de proteção. Dentre as medidas que obrigam o agressor está a suspensão da posse ou porte de arma, devendo esta medida já acompanhar comunicação ao órgão competente quando o ofensor tiver porte legal de armas, conforme dita a Lei 10.826/2003, em seu artigo 6º e incisos. A Lei ainda determina que o juiz comunique ao respectivo órgão de modo a restringir desde já o porte de armas, ficando o superior imediato do agressor responsável pelo cumprimento da medida sob pena de responsabilização criminal. 

Além disso, outra medida compulsória inerente ao agressor é o afastamento do lar, domicílio ou local de convivência. A Lei Maria da Penha restringe até mesmo a aproximação ou contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas, por qualquer meio. Também cerceia ou suspende as visitas aos dependentes menores e prevê a prestação de alimentos, que aperfeiçoa a aplicação da norma, uma vez que o próprio juiz criminal terá competência para decidir. 

No atinente ao afastamento do agressor do lar, o propósito é a proteção da vítima e seus dependentes, bem como a preservação de seu patrimônio. Não é raro que o agressor procure destruir os bens pessoais da vítima, de modo a não permitir sua liberdade, diminuir sua autoestima e talvez desanimá-la a avançar com a denúncia.

Constatando a prática da violência contra a mulher o juiz deverá encaminhar a vítima, assim como seus dependentes, a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento conforme o art. 23, inciso I, podendo este ser requerido pela própria vítima na ocorrência, pelo juiz de ofício, ou a requerimento do Ministério Público ou Defensoria Pública. Poderá também determinar a condução da ofendida ao seu domicílio. 

Com efeito, a Lei ainda dispõe sobre medidas de cunho patrimonial, sendo permitida a vítima a restituição de seus bens que foram subtraídos pelo ofensor, assim como ao agressor seja proibido à compra, venda ou locação de bens comuns, e também suspende qualquer procuração o qual a vítima tenha lhe outorgado. Interessante notar, essas medidas se equivalem tanto no casamento, quanto na união estável. 

Para Maria Berenice Dias, a partir da concessão da medida que assegura a restituição dos bens, esta se refere não somente aos bens particulares, como também aos bens comuns de ambos, uma vez que a metade pertence à mulher, dessa forma “se um bem comum é subtraído pelo varão que passa a deter sua posse com exclusividade, significa que houve a subtração da metade que pertence a mulher”. (2007, p. 88) 

Além disso, pra finalizar o rol exemplificativo do artigo 23 da Lei nº 11.340/2006, determina-se a separação de corpos, algo já previsto no Código Civil, em seu artigo 1562. Entretanto, para mulher em situação de violência, é necessário apenas que esta solicite ao delegado de polícia, no momento em que notifica-lo sobre a violência.

Saliente-se ainda que essas medidas protetivas que visam a proteção da vítima, quase sempre, são cumuladas com as medidas compulsórias ao agressor, para que se assegure a total proteção da vítima, seus dependentes e familiares. A maior parte já estava prevista no Código de Processo Civil, porém, é importante frisar que a Lei Maria da Penha se contextualiza dentro de uma situação concreta de violência doméstica e as medidas reforçadas na legislação servem para garantir a proteção efetiva da vítima.

 

 5. Procedimento Judicial e Necessidade de Representação da Vítima

Anteriormente à criação da normativa referente à violência doméstica e familiar, grande parte das denúncias de violência doméstica era processada pelo Juizado Especial Criminal (JECrim), conhecido como Juízo competente para Infrações de Menor Potencial Ofensivo. A princípio pareceu eficaz obter uma resposta rápida do Judiciário, uma vez que a celeridade é uma das grandes características da Lei nº 9.099/1995, entretanto, na realidade não foi bem o que aconteceu.

Grupos feministas e instituições que trabalhavam em apoio a vítimas observaram uma impunidade que apenas favorecia aos transgressores. Nas poucas exceções em que se punia o agressor, eles eram condenados a entregar cestas básicas a instituições filantrópicas, e em  “90% desses casos terminavam em arquivamento nas audiências de conciliação sem que as mulheres encontrassem uma resposta efetiva do poder público à violência sofrida” (CALAZANS E CORTÊS, 2011, p.42)

Dessa maneira, tornava-se incompatível a aplicação da Lei nº 9.099/95 com o disposto na Convenção de Belém do Pará que definiu a violência contra a mulher um atentado aos direitos humanos. Além do mais não se levava em conta a complexidade das práticas abusivas, as relações desiguais, à dependência emocional e financeira, entre outros fatores que nascem das desigualdades entre homens e mulheres (CAMPOS, 2006). 

 Assim, acertadamente a Lei Maria da Penha em seu artigo 41, afastou a possibilidade da aplicação da Lei das Contravenções Penais, deixando claro que os crimes contra a mulher no âmbito doméstico não são de menor potencial ofensivo, afastando inclusive o benefício da suspensão condicional do processo, previsto no artigo 89, da Lei nº 9.099/1995. 

Outrossim, determina-se a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, órgãos da justiça ordinária com competência cível e criminal, cuja finalidade é processar, julgar e executar os atos processuais decorrentes da violência intrafamiliar. Para o brilhante Guilherme de Souza Nucci a junção entre a esfera cível e criminal é a principal característica ao se criar os juizados supracitados, qual seja, evitar que a mulher percorra tanto o âmbito cível quanto o criminal “para resolver, definitivamente, seu problema com o agressor, unem-se as competências e um só magistrado está apto para tanto” (2013, p. 622). 

Entretanto, a Lei nº 11.340 foi omissa em relação ao procedimento a ser adotado em caso de violência e deixou as normas do Código de Processo Penal e Processo Civil, além da legislação específica concernente à criança, adolescente e idoso como subsidiárias a Lei. Sendo assim, se o crime é apenado com reclusão, o procedimento a se seguir é o comum. Se a pena for de detenção, aplica-se o procedimento sumário. 

No que tange os crimes dolosos contra a vida, esses possuem rito e juízo próprio, devendo ser julgados nos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher até a pronúncia e depois devem então ser remetidos ao Tribunal do Júri. As ações de caráter cível devem seguir os ritos do Código de Processo Civil.

Saliente-se ainda que a Lei foi explícita no concernente a representação da vítima. Dispõe o artigo 16 que esta só será admitida perante o juiz, em audiência designada para este fim, anteriormente ao recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público. Para Guilherme de Souza Nucci (2013), tal medida tem por finalidade dificultar a renúncia da vítima, devendo se deixar claro à vítima as consequências do ato. 

Entretanto, encontra-se divergência, pois alguns autores consideram uma forma de discriminação, que vitimiza ainda mais a mulher. Porém, o entendimento majoritário a considera acertada e importante a designação da audiência para retratação da vítima. Alice Bianchini (2014) doutrina a importância de se ter em conta a fragilidade e vulnerabilidade em que a vítima de violência doméstica se encontra.

Vale ressaltar, entretanto, que só existe possibilidade de se retratar nos crimes em que o Código Penal associa à ação privada, como exemplo os crimes contra liberdade sexual, crimes de ameaça e crimes contra a honra. No referente às lesões corporais, mesmo as leves e culposas, a exigência de representação não se aplica no caso de violência doméstica.

 

6. Feminicídio

Feminicídio é o assassinato de mulheres única e exclusivamente pela condição de ser mulher, sendo frequente como motivação o ódio, desprezo, sentimento de perda e controle sobre as mulheres, ligado ao sentimento de posse sobre o corpo feminino. Considera-se uma forma de misoginia, uma vez que representa a repulsa às mulheres, assim como tudo relacionado ao sexo feminino. Foi incluído no rol dos crimes hediondos através da Lei 13.105, sancionada no ano 2015, que modificou o Artigo 121, do Código Penal, ao introduzir a qualificadora no inciso VI, assim como também incluindo o § 2º-A, de forma a explicar quando esta deverá ser aplicada.

A Secretária Executiva da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República, Lourdes Bandeira, vê no feminicídio a consequência final de um ciclo de violências, “precedido por outros eventos, tais como abusos físicos e psicológicos, que tentam submeter as mulheres a uma lógica de dominação masculina” (2013, online). É um padrão cultural que foi aprendido durante gerações, e ainda hoje faz parte de um sistema de dominação patriarcal.

Ressalta-se ainda a diferença entre feminicídio e homicídio de mulher, isto é, o feminicídio é caracterizado quando se torna evidente que a vítima não teria sido assassinada caso não fosse mulher. Apesar de ferrenhas críticas quanto à qualificadora, dados colhidos pelo IPEA informam que “com uma taxa de 4,8 homicídios por cada 100 mil mulheres, em um grupo de 83 países, o Brasil ocupa a vergonhosa posição de quarto pior país no ranking da violência de gênero” (ELUF, 2017, p. 175).

O mais alarmante é o fato dessas mortes em sua grande maioria ocorrer dentro de casa. Enquanto a violência contra os homens ocorrem nas ruas e são ocasionais, as mulheres morrem paralisadas pelo medo, vítimas de seus parceiros, ou ex-parceiros, que ainda justificam o ato como por amor. Não se mata por amor, e sim por um sentimento de posse que objetifica a mulher como propriedade do homem, provindo de uma cultura extremamente machista. 

Para se entender o feminicídio, faz-se mister entender a violência de gênero, em razão de ser esta a consequência final e fatal da violência contra a mulher, decorrente das raízes históricas culturais que subjugam a mulher ao homem, tornando a violência tolerada pela sociedade. Marixa Fabiane Lopes Rodrigues, juíza de Direito do Tribunal de Justiça de Minas Gerais afirma que “a mulher sempre foi tratada como uma coisa que o homem podia usar, gozar e dispor” (apud PRADO; SANEMATSU, p. 10).

Importante frisar que os feminicídios acontecem no âmbito privado, e também no público, e se torna evidente a caracterização do crime quando a discriminação e o menosprezo com o gênero feminino ficam evidentes. É indicativo dessa diferenciação quando o assassinato ocorre com perversidade, principalmente em partes do corpo associados ao feminino, a prática de violência sexual e quase sempre um histórico anterior acarretando a ocorrência fatal. 

 7. Doze Anos da Lei Maria da Penha

Um dos maiores méritos da Lei 11.340/2006 foi trazer à tona a violência doméstica e familiar para o âmbito público, um assunto que costumava ficar na esfera privada, dizendo respeito apenas ao casal ou a família. Além do senso comum de que não se devia meter entre brigas de marido e mulher, o Estado também era leniente, adotando uma postura ausente e omissiva nos casos de violência intrafamiliar, justificando se tratar de uma questão privada.

Em consequência, houve grande comoção com a vigência da nova legislação. Maria Berenice Dias critica a recepção por parte da população, e mesmo por parte dos juristas que apontaram erros, imprecisões e até mesmo inconstitucionalidades, como uma forma de inibir sua efetividade.  Isso mostra como está enraizado na sociedade a violência contra as mulheres, entretanto “por mais que se tente minimizar sua eficácia e questionar sua valia, Maria da Penha veio para ficar. É um passo significativo para assegurar à mulher o direito à sua integridade física, psíquica, sexual e moral” (2012, online). 

Posteriormente houve diversas tentativas de reverter os efeitos da normativa, e uma delas se deu por meio da criação do Projeto de Lei nº 156/2009, o novo Código de Processo Penal, que atacaria a essência da norma supracitada.

Haja vista que uma das inovações trazidas foi à impossibilidade de aplicação dos Juizados Especiais Criminais nos casos de violência contra a mulher, o Novo Código de Processo Penal ao integrar os aspectos do JECRIM, anularia as sanções impostas na legislação nº. 11.340/2006. Para a farmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes (2010), foi graças ao movimento das mulheres, entre outros envolvidos na causa, que a aprovação desse projeto não aconteceu.

No que tange a recepção por parte da população, a cultura de violência contra a mulher está tão enraizada que não foi surpresa o espanto da população. Uma pesquisa feita pela Human Rights Watch revelou que a cada 100 mulheres assassinadas no Brasil, 70 delas o são na esfera doméstica e em 66,3% das vezes, o culpado são os parceiros (apud PIOVESAN, 2012, p. 197).

Concomitantemente, em outra pesquisa intitulada “Percepção dos homens sobre a violência doméstica contra a mulher”, realizada pelo Instituto Avon/Data Popular no ano de 2013 (online), sete anos após a vigência da Lei nº 11.340, mostrou que quase 50% dos homens não apoiam a ideia das mulheres irem à Delegacia da Mulher nos casos de ameaças, xingamentos e até mesmo estupro marital. No mesmo estudo ainda se apurou que 56% dos homens admitem já terem cometido algum tipo de agressão.

Entretanto, o que se nota com essas pesquisas é que na maioria das vezes os homens sequer sabem que já praticaram um ato violento. Em um estudo realizado pelo mesmo instituto supracitado, porém desta vez realizado com jovens, quando perguntados se haviam sido violentos apenas 4% admitiam que sim. Todavia, “quando instados a responder se já haviam praticado alguma das ações citadas pelos entrevistadores (caracterizadas pela legislação como atos de violência) 55% admitiram a prática de algum ato violento contra a parceira” (DUMARESQ, 2016, online). 

Ainda hoje existem críticos em relação a uma Lei exclusivamente para as mulheres, defendem que o Código Penal por si só conferiria proteção a todos, sem distinção. A renomada promotora de justiça Luísa Nagib Eluf discorda e ensina que a vigência de uma norma específica para violência de gênero e em específico uma Lei para qualificar o feminicídio “tem função esclarecedora e inibidora, educativa e elucidativa, ao tornar visível e estatisticamente computável algo que estava oculto sob o manto da palavra genérica homicídio” (2017, p. 176).

Assim também, estudos já comprovam a efetividade da legislação, ao comprovarem que as mulheres estão denunciando seus agressores, afinal, atualmente o assunto encontra-se em destaque, sendo discutido tanto na esfera pública quanto na privada. Conquanto, pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA) mostrou que através da Lei Maria da Penha aconteceu um decréscimo de 10% na taxa de feminicídio, ainda que os números ainda sejam altos e causem revoltas (DUMARESQ, 2016).

Ademais, de modo a efetivar a aplicação da Lei, seis meses após a sua publicação, o Conselho Nacional de Justiça publicou a Recomendação nº 9/2007 para instruir os Tribunais de Justiça a criar e estruturar os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, assim como a implantação das equipes multidisciplinares, conforme estipulação legal. Entre diversas medidas, a Recomendação ainda promoveu cursos de capacitação em direitos humanos e violência contra a mulher, exclusivamente revertidos para os operadores de Direito, com foco nos magistrados (2017, CNJ).  

Por outro lado, insta salientar que quarenta e cinco dias após a promulgação da Lei nº 11.340 já chegaram aos Tribunais Superiores ações questionando a validade da norma. No ano de 2012, o Supremo Tribunal Federal julgou duas ações atinentes a ela, a Ação Direta de Constitucionalidade nº 19, apresentado pelo Presidente da República e a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.424, proposta pelo Procurador-Geral da República. Essas decisões fixaram entendimento de caráter vinculante para nortear a abordagem no tangente a violência doméstica. 

Com o propósito de declarar a constitucionalidade dos Artigos 1º, 33 e 41 da referida legislação, a Presidência da República entrou com a Ação Direta de Constitucionalidade nº19, pois alguns juízes estaduais declaravam-na inconstitucional justificando que elas fariam discriminação entre homem e mulher. A ADC foi considerada procedente por unanimidade, uma vez que para o relator Ministro Marco Aurélio a mencionada norma possibilitou a vítima sair da invisibilidade e silêncio “as hostilidades ocorridas na privacidade do lar e representou um movimento legislativo claro no sentido de assegurar às mulheres agredidas o acesso efetivo a reparação, a proteção e a justiça” (2012, online).

Ao concernente à análise do artigo 41, existia uma discussão sobre a aplicação dos Juizados nos crimes de violência doméstica, o qual o STJ julgava a aplicabilidade apenas no concernente à transação penal e suspensão condicional do processo. Todavia, o STF nesse caso decidiu por maioria a não aplicação da Lei nº 9.099 em nenhum caso quando se referir à violência doméstica. O ministro Ricardo Lewandowski destacou que o citado artigo retirou os crimes cometidos contra a mulher em âmbito doméstico dos crimes de menor potencial ofensivo, estabelecendo “uma política criminal com tratamento mais severo, consentâneo com sua gravidade” (STF, online). 

A ADI 4.424 gerou mais polêmica ao discutir sobre a representação da vítima nos casos de lesões corporais leves. Vale ressaltar que o Superior Tribunal de Justiça entendia que a ação penal nos crimes de lesões corporais leves era pública e condicionada, ou seja, necessitava da representação da vítima, conforme o artigo 88, da Lei nº 9.099. No julgamento do Recurso Repetitivo nº 1097042 DF pode-se observar o entendimento pacífico do Tribunal:

1. A ação penal nos crimes de lesão corporal leve cometidos em detrimento da mulher, no âmbito doméstico e familiar, é pública condicionada à representação da vítima. 2. O disposto no art. 41 da Lei 11.340/2006, que veda a aplicação da Lei 9.099/95, restringe-se

à exclusão do procedimento sumaríssimo e das medidas despenalizadoras. 3. Nos termos do art. 16 da Lei Maria da Penha, a retratação da ofendida somente poderá ser realizada perante o magistrado, o qual terá condições de aferir a real espontaneidade da manifestação apresentada. STJ – REsp 1097042 DF, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, 3ª Seção, DJe 21/05/2010. 

No entanto, o STF de maneira surpreende votou por maioria para afastar a representação da vítima e decidindo que qualquer lesão cometida na esfera doméstica contra a mulher deve ser Ação Penal Incondicionada, ou seja, o Ministério Público não necessita mais da vítima para dar entrada na persecução penal. A notória ministra Rosa Weber declarou que demandar da vítima representação seria atentatório a dignidade da pessoa humana, pois “tal condicionamento implicaria privar a vítima de proteção satisfatória à sua saúde e segurança” (STF, online). 

Desta forma, o STJ reviu sua jurisprudência para acompanhar a do Supremo, editando a Súmula Vinculante 542 dispondo que: “A ação penal relativa ao crime de lesão corporal resultante de violência doméstica contra a mulher é pública incondicionada”. Importante notar que a referida súmula refere-se apenas ao crime de lesão corporal, permanecendo outros crimes em sede de violência doméstica que necessita da representação da vítima, como é o caso do crime de ameaça, previsto no Código Penal em seu artigo 147 (VILLAR, online).

Em consonância com a jurisprudência dos Tribunais Superiores, o egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás já se posicionou no que tange às lesões corporais no âmbito da violência doméstica, conforme observa-se: 

APELAÇÃO CRIMINAL. LESÕES CORPORAIS. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. PROSPOSTA DE SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. INAPLICABILIDADE DA LEI N. 9.099/1995. CONSTITUCIONALIDADE DA LEI N. 11.340/2006. 1- O Plenário do Supremo Tribunal Federal assentou a constitucionalidade do artigo 41 da Lei n. 11.340/2006, que afasta a aplicação da Lei 9.099/95 aos processos referentes a crimes de violência contra a mulher (ADC nº 19/DF). 2- Nos crimes de violência doméstica, por expressa vedação legal, não pode ser proposta, nem concedida, a suspensão condicional do processo, não se podendo falar em aplicação do referido instituto despenalizador previsto no artigo 89 da Lei 9.099/95. Precedentes: STF-HC 196.212/MS e STJ-RHC 42.092/RJ. 3- Apelo conhecido e desprovido. (TJ-GO – 230368-96.2013.8.09.0043 Apelação Criminal, Relator: DES. NICOMEDES DOMINGOS BORGES, Data De Julgamento: 18/12/2014. SEÇÃO CRIMINAL, Data da Publicação: DJ 1707 de 15/01/2015) 

Em síntese, é como vem decidindo os Tribunais de Justiça do Estado de Goiás. Porém, infelizmente, ainda tem-se muito a avançar. A promotora de Justiça Silvia Chakian critica o machismo ainda existente na Justiça, e como em grande parte das vezes a palavra da vítima não é levada em consideração, chegando ao ponto de inibir a mulher de representar a queixa-crime por vergonha e medo. Cita diversos exemplos, entre eles, o de um juiz que concedeu o perdão judicial para um marido que espancou a esposa por descobrir que ela o traía (2017, online).

Por fim, a Lei Maria da Penha ao retirar a invisibilidade da violência doméstica, mostrou que não é algo natural ou normal, e ainda hoje luta para que deixe de ser este um crime subnotificado. Talvez o maior ganho da vigente norma, tenha sido trazer à tona as desigualdades entre homens e mulheres, ficando evidente que apesar de grandes avanços e conquistas no tangente aos direitos das mulheres, o caminho ainda é longo. 

8. Considerações Finais

Pôde se observar como a Lei Maria da Penha foi um grande marco na conquista das mulheres por direitos. O objetivo da legislação é coibir, prevenir e erradicar a violência doméstica e familiar contra a mulher, o que fez perfeitamente ao definir as formas de violência, ampliando além dos delitos considerados criminais e abarcando também infrações características da violência doméstica. Pôde-se perceber como a violência contra a mulher envolve uma gama de fatores sociais, e culturais, que determinam os papéis do homem e da mulher na sociedade, sendo a fonte das desigualdades, a legislação cuidou também de precaver essas desigualdades ao criar ferramentas de prevenção, assim como também de repressão.

Note-se a importância do tema no enfrentamento à violência contra a mulher. Para se entender a violência doméstica é indispensável o estudo a fundo de suas causas, assim como a análise de suas complexidades. Não se pode negar o avanço trazido com o advento da Lei Maria da Penha, porém mister se faz entender a longa trajetória que ainda se tem a percorrer nesta luta.

 

Notas e Referências

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