Lei anticorrupção, sua nova redação e os reflexos penais para os sócios

13/01/2016

Por Anna Carolina Faraco Lamy - 13/01/2016

Para a condução de qualquer procedimento investigatório é imprescindível haver critérios claros (para evitar arbitrariedades), bem como atender aos limites basilares traçados pela Constituição.

A recentíssima Medida Provisória n. 703/2015 alterou a popularmente denominada Lei Anticorrupção, a qual, inicialmente, previa a necessidade de admissão da participação da empresa no fato ilícito para que pudesse gozar dos benefícios da leniência.

Já tive a oportunidade de falar sobre a questão relacionada ao Direito ao Silêncio e sua relação com os acordos de leniência (LAMY, Anna Carolina Faraco. Reflexos do Acordo de Leniência no Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014).

Nada obstante seja a empresa quem gozará das prerrogativas da leniência, irá reportar o fato pessoa física, em regra o seu administrador ou sócio. Assim como aconteceu com a Siemens no Brasil em 2013, a pessoa jurídica é a beneficiada pela leniência (notadamente em seu aspecto administrativo), mas o acordo é assinado entre representantes da empresa (pessoas físicas) e o Órgão que conduziu a negociação.

A responsabilidade penal da pessoa jurídica se atém aos crimes ambientais, nas demais situações (como no caso de corrupção) haverá penalidade administrativa e civil para a empresa, e será inserido no polo passivo de eventual ação penal o administrador ou sócio.

Assim, se ao celebrar o acordo de leniência em nome da empresa o sócio assumir participação no ilícito, poderia sofrer consequências pessoais gravosas caso haja uma ação penal.

Atualmente é prática recorrente a inserção do sócio ou administrador em polo passivo de ação penal pela simples demonstração da materialidade. Exemplo disso é a sonegação fiscal, na qual o sócio é processado tão somente por sua posição na empresa e diante da confirmação de que o tributo não foi recolhido, sem que se faça sequer esforço em demonstrar sua ligação subjetiva à conduta (e se a empresa tiver atividade administrativa descentralizada?).

No caso da leniência, confirmada a participação da empresa na atividade corrupta isso já seria suficiente para demonstrar a materialidade (não que tecnicamente devesse sê-lo, mas, na prática certamente seria, analisando pragmaticamente o desempenho do Ministério Público em ações penais com essa configuração).

Por isso, ao reconhecer o envolvimento da empresa o gestor que assina o acordo acaba por se arriscar penalmente, e, muito provavelmente, sem sequer perceber.

Isso porque sendo a leniência medida cujo reflexo direto é administrativo, normalmente a empresa procura apenas advogados especializados em direito público para conduzir acordo, quando deveria compor uma equipe também com um penalista.

Com a nova formatação da lei, no entanto, para que a empresa goze dos benefícios da leniência bastaria que seu gestor/administrador descrevesse o fato ilícito e colaborasse mediante elementos que auxiliem na punição dos demais envolvidos.

Como Advogada admito, de antemão, que não recomendaria ao meu cliente celebrar acordo no formato anterior, pois para que sua empresa pudesse usufruir das prerrogativas da leniência (dentre as quais se destaca a redução de multa), a assunção de participação seria indispensável, e isso faria prova para que o Ministério Público o denunciasse pela conduta em seu aspecto penal.

No trabalho destacado acima ("Reflexos do Acordo de Leniência no Processo Penal) chamei isso de fraude legitimada, pois o próprio Poder Público seduz o leniente a um acordo que beneficia sua empresa; mas, para isso, acaba ele produzindo provas contra si mesmo, as quais provavelmente serão utilizadas para fins penais.

Com a nova redação, sendo a leniência mero ato descritivo, sem a necessidade de reconhecimento do envolvimento da empresa leniente (e, consequentemente, ensejo à persecução penal de seus sócios), é possível fazer toda uma nova reflexão da leniência como estratégia de defesa.

Partindo desse parâmetro, da proteção do indivíduo a não autoincriminação,  pode-se dizer que o novo texto do artigo 16, §1º, III da Lei Anticorrupção é promissor, não sendo possível, no entanto, prever como ele irá se comportar na prática.


Anna Carolina Faraco Lamy. Anna Carolina Faraco Lamy é Advogada, Mestre pela UFSC, Doutoranda na UFPR, Professora Universitária, da Escola da Magistratura do Tocantins e do Ministério Público de Santa Catarina, na graduação e pós graduação lato sensu. . .


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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