COMEÇAMOS PELA SEGUINTE REFLEXÃO:
Tudo, em grande escala, acaba virando “político”.
A vaidade das pessoas sempre prejudica algo que poderia ter sido socialmente útil.
A ambição de poder acaba por prejudicar os comprometimentos éticos.
A “necessidade” de atingir resultados veiculados pela mídia acaba prejudicando o ideal de justiça.
Quando já se tem um objetivo predeterminado, o Direito passa a ser um obstáculo, que precisa ser “contornado”.
Quando o Ministério Público faz o papel de polícia, passa a sofrer as mesmas críticas, procedentes ou não.
Quando o poder judiciário está do lado da polícia e do Ministério Público, objetivando combater crimes, o Estado de Direito não se faz presente.
1 – A ORIGEM
Convencionou-se chamar de “Operação Lava Jato” toda a atividade persecutória e judicial voltada para “combater” os crimes de corrupção decorrentes de contratos ilegais firmados entre empresários e algumas empresas de economia mista (Petrobrás, Eletrobrás), bem como com o BNDES, em conexão com o financiamento eleitoral de campanhas. Hoje a ideia de Lava Jato foi indevidamente ampliada pela grande imprensa para abranger os atos de corrupção que envolvam altos funcionários públicos e políticos.
A Lava Jato começa nos idos de 2014, na cidade de Curitiba, Estado do Paraná, onde o juiz Sérgio Moro, titular da 13ª.Vara Federal, acumula ampla competência para “atuar” em inquéritos policiais, tendo o Ministério Público Federal criado o que chamou de “Força Tarefa”, com atribuição exclusiva de Procuradores da República, Delegados da Polícia Federal, Auditores da Receita Federal e grande estrutura de apoio.
O nome “Lava Jato” foi adotado em razão da “ponta do iceberg” surgir com a descoberta de uma atividade ilícita de um “doleiro”, ligado a altos funcionários da Petrobrás, consistente em lavar dinheiro (crime) proveniente de contratos superfaturados entre esta sociedade e vários empreiteiros, que fraudavam as licitações.
2 – A (IN)COMPETÊNCIA UNIVERSAL DO JUIZ SÉRGIO MORO
O conhecido jornalista Joaquim de Carvalho narra como a 13.Vara Federal de Curitiba passa a centralizar a “Operação Lava Jato”, conforme texto que transcrevo abaixo: (http://www.diariodocentrodomundo.com.br/banestado-e-youssef-como-sergio-moro-agiu-para-nao-perder-a-lava-jato-por-joaquim-de-carvalho/)
“O doleiro Alberto Youssef tinha negócios e residência em Londrina, no Paraná, quando foi preso na operação Banestado – a lavanderia funcionou principalmente nos anos do governo Fernando Henrique Cardoso. Fez acordo de colaboração – quando não havia ainda a lei da delação premiada – e, em 2004, deixou a cadeia, com o compromisso de que não mais praticaria crime.
Só que a Polícia Federal continuou a monitorá-lo. Não só ele, mas também de pessoas ligadas ao seu principal cliente, o deputado José Janene, do PP. Por alguma razão ainda não clara no inquérito que deu origem à Lava-Jato, que é de 2006, interceptou ligação telefônica de um assessor de Janene, Roberto Brasiliano, e de seu advogado, Adolfo Gois.
Foi aí que o delegado Igor Romário de Paula, da Polícia Federal, descobriu que Beto, uma das formas como Janene e seus amigos chamavam Youssef – a outra era Primo –, continuava no crime. O advogado conta para Brasiliano:
— Ontem mesmo estava o Beto lá, e começaram a falar o nome das empresas que depositaram na conta da outra lá, sabe? – diz o advogado, segundo a transcrição que foi para o juiz Sérgio Moro, como fundamentação para abertura de inquérito.
Na conversa, já se sabe que o cliente do Beto é Janene, então deputado federal, e isso obrigaria o juiz a remeter o processo para o Supremo Tribunal Federal.
Também se sabe que a investigação está relacionada a um desdobramento do inquérito do mensalão, em Brasília, para investigar a lavagem de dinheiro de Marcos Valério.
Mas Sérgio Moro, num despacho de próprio punho, com sua letra miúda, manda abrir inquérito e se considera seu juiz natural, por dependência ao processo em que Youssef tinha obtido benefícios como colaborador.
Sérgio Moro considerou que Youssef, por ter feito o acordo de colaboração com ele em outro caso, o do Banestado, dois anos antes, estivesse vinculado a ele. Por essa lógica, seria um vínculo eterno e faria de Moro dono de Youssef.
Também chama a atenção o fato de Moro fazer o seu despacho à mão, o que indica que ele tinha pressa em abrir o inquérito.
E parece que tinha mesmo.
No dia seguinte à sua decisão, que abriu o inquérito que dará origem, oito anos depois, à Lava Jato, o Tribunal Regional Federal determinou que metade dos inquéritos até então tramitando sob a jurisdição de Moro deveria ser encaminhada a outra vara.
No seu despacho manuscrito, Moro vinculou este inquérito ao processo da colaboração de Youssef e, assim, criou uma dependência do inquérito à sua jurisdição.
Outros inquéritos poderiam seguir para um colega de Curitiba. Mas este não.
Youssef era dele.O manuscrito indica que Moro tinha pressa em decidir: estava às vésperas de perder o que viria a ser a Lava Jato.
“Uma das mais salientes garantias do cidadão no atual Estado Democrático de Direito apoia-se no princípio do juiz natural”, diz o criminalista Luiz Flávio Gomes, em um estudo sobre a impessoalidade da Justiça.”
Mais uma vez, esta regra estava sendo desrespeitada na Vara de Moro.
Mas viria mais.
Em 2014, como desdobramento do inquérito que Moro segurou para si, o Ministério Público Federal presta informação falsa em uma representação a Moro.
Dá como endereço de Youssef uma residência em Londrina, mas, desde 2009, a Polícia Federal, o próprio Ministério Público e juiz Sérgio Moro sabiam que o doleiro já morava e tinha escritório em São Paulo.
Por que o endereço em Londrina?
A resposta óbvia é que o Ministério Público tentava forçar o vínculo com Sérgio Moro.
No caso da Lava Jato, os fatos mostram que a maior parte das ações descritas como crime ocorreu muito longe do Estado do Paraná, mas, com a informação falsa de que Youssef residia em Londrina, se criava a ilusão de que o local para investigar e julgar os atos da Lava Jato era Curitiba.
Por que tanto interesse em segurar uma investigação?
É uma resposta que pode esclarecer muita coisa.
Mas o que está claro é que a Lava Jato só atingiu alvos fora do PT – Michel Temer e PSDB principalmente – depois que Moro perdeu o controle sobre ela.
O que teria acontecido se, lá atrás, a Justiça tivesse agido com impessoalidade?”.
3 – OUTROS MOTIVOS POR QUE ENTENDEMOS QUE O JUÍZO DA 13ª. VARA FEDERAL DE CURITIBA NÃO PODERIA PRORROGAR A SUA COMPETÊNCIA DE FORO PARA JULGAR CRIMES CONSUMADOS EM OUTROS ESTADOS DA FEDERAÇÃO
Inicialmente, cabe um esclarecimento. Não se trata de debater a competência jurisdicional de um juiz, de uma pessoa física, mas sim a competência da 13ª. Vara Federal de Curitiba, tendo em vista o que se convencionou chamar de “Operação Lava Jato”.
A justificativa para que todos estes processos sejam julgados neste único órgão jurisdicional é o fenômeno processual da conexão entre infrações penais. Então, vamos examinar a questão sob o aspecto técnico, já que lecionamos a matéria por cerca de trinta e oito anos … Procuraremos ser claros e didáticos, de modo que até um leigo possa entender.
Antes de cuidarmos da alegada conexão, porém, cabe asseverar que a justiça federal não tem competência para processar crimes que não se enquadrem na competência da Justiça Federal, consoante dispõe o art.109 da Constituição da República.
Tal competência pressupõe imputação de crimes que tenham sido praticados em detrimento de bens ou serviços da União, suas autarquias ou empresas públicas (a Petrobrás e a Eletrobrás são pessoas jurídicas de Direito Privado, sociedades empresárias de economia mista).
Assim, fica ainda mais clara a incompetência absoluta do juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba, vale dizer, a incompetência do juiz Sérgio Moro.
Também nenhuma das outras hipóteses, previstas no art. 109 da Constituição Federal, tem pertinência na Lava Jato. Dispõe a citada Carta Magna, no seu artigo 5º, inc. LIII, que “ninguém será processado nem sentenciado senão por autoridade competente”. Trata-se, pois, de nulidade absoluta.
Importa salientar, outrossim, que o critério estabelecido pelo citado artigo 109 da Constituição da República é a titularidade do bem jurídico protegido pela norma penal incriminadora, sendo irrelevante, para fixar a competência da justiça federal, ser o autor do delito um funcionário ou agente público da União Federal.
Neste particular, o importante é que o crime tenha sido praticado em detrimento do patrimônio da União ou de algum de seus serviços, bem como de suas autarquias ou empresas públicas, o que não é o caso presente.
Destarte, o autor do crime pode ser ou não funcionário público. Em sendo funcionário público, pode pertencer a qualquer das unidades da federação. Não se trata de uma competência fixada “intuitu personae”.
Assim, não tem razão o juiz Sérgio Moro quando afirma a sua competência pelo fato de o réu Luís Inácio Lula da Silva ter sido Presidente da República e outros réus terem sido membros do Congresso Nacional.
Desta forma, mesmo que houvesse conexão, ela não poderia prorrogar a competência da justiça federal por dois motivos:
1) o juízo da 13.Vara Federal de Curitiba não tem competência que possa “atrair” os demais crimes eventualmente conexos;
2) via conexão, não se pode ampliar uma competência que seria prevista na Constituição, vale dizer, um artigo do Cod. Proc. Penal não pode modificar, ainda que pela ampliação, a competência prevista, de forma exaustiva, na Constituição da República.
Entretanto, atentos ao princípio da eventualidade, apenas para argumentar, vamos demonstrar que, de qualquer forma, o juiz Sérgio Moro não seria competente para processar e julgar os processos em geral da Lava Jato, mesmo que nada do que se disse acima fosse procedente e mesmo que houvesse a conexão que o juiz aponta em sua sentença, o que negamos com veemência.
A conexão entre infrações penais ocorre nas hipóteses expressamente previstas no artigo 76 do Cod. Proc. Penal. A conexão pode ampliar a competência de um determinado órgão jurisdicional para que haja um só processo e para que ocorra um só julgamento de dois ou mais crimes conexos. Dispõe o art. 79 do mencionado diploma legal: “A conexão e a continência importarão unidade de processo e julgamento, salvo…”
Vamos dar um exemplo didático: alguém furta um carro na comarca “A” para roubar um banco da comarca “B”. Cada crime, em princípio, seria processado e julgado na sua comarca. Entretanto, para que haja unidade de processo e julgamento, uma das duas comarcas vai ter sua competência prorrogada e vai processar e julgar os dois crimes em conjunto (conexão teleológica). No exemplo ora apresentado, o furto do carro e o roubo do banco serão objeto de processo único da competência da comarca “B”, por aí ter sido consumado o crime mais grave, (art. 78, inc. II, letra “a”).
Assim, o que o legislador deseja – e nem sempre será possível – é que as infrações penais (crimes e contravenções) sejam julgadas em conjunto, quando forem conexas, evitando-se julgamentos contraditórios e também por economia processual. Se tais infrações forem da competência de foros ou juízos diferentes, a unificação em um só processo levará à prorrogação da competência de um e à subtração da competência do outro. Deseja-se o julgamento em conjunto, em um só processo, vale a repetição.
No caso da “Lava-Jato”, a única conexão possível entre infrações, levando-se em consideração os vários processos, seria a chamada conexão instrumental ou probatória, regulada no inc. III, do art. 76 do Cod. Proc. Penal, que tem a seguinte redação: “quando a prova de uma infração ou de qualquer de suas circunstâncias elementares influir na prova de outra infração”.
Não cuida esta norma de prova comum a dois crimes, mas sim de uma questão prejudicial homogênea. Por exemplo: o furto é conexo com a receptação pois, se não houve o furto, juridicamente não poderá haver a receptação (adquirir coisa de origem ilícita).
Desta forma, não concordamos com a interpretação elástica que a jurisprudência minoritária outorga à conexão instrumental, possibilitando a ampliação da competência da 13ª Vara Federal de Curitiba.
Mesmo assim, muitas infrações ali processadas e julgadas não têm prova comum. Apenas algumas têm origem, por vezes remota, nos crimes perpetrados contra a Petrobrás S.A., pessoa jurídica de direito privado (fora da competência da justiça federal). Parece que é invocado um primeiro crime da competência da justiça federal, já processado e julgado de há muito. Entretanto, esta não é nossa questão central. Prosseguimos.
Partindo do que dispõe o legislador, conforme acima mencionado, enfrentemos uma outra questão, lógica e de fácil entendimento.
Havendo conexão, os crimes devem ser objeto de um só processo para que haja um só julgamento, vale dizer, todos sejam julgados através da mesma sentença.
Nada obstante, se os crimes já foram processados em autos separados e já houve um julgamento de mérito, não há por que modificar as competências de foro, de juízo ou de justiça.
Vale dizer, já não mais haverá possibilidade de julgamento conjunto dos crimes conexos. O código de processo penal trata da questão, consoante regra que transcrevemos abaixo:
“Se, não obstante a conexão ou continência, forem instaurados processos diferentes, a autoridade prevalente deverá avocar os processos que corram perante os outros juízes, SALVO SE JÁ TIVEREM COM SENTENÇA DEFINITIVA. Neste caso, a unidade dos processos só se dará, ulteriormente, para o efeito de soma ou de unificação de penas” (artigo 82, os grifos são nossos).
Sentença definitiva aqui é sentença de mérito pois, após ela, havendo recurso, o processo sobe para o Tribunal, inviabilizando novo julgamento conjunto com o eventual crime conexo. Não havendo recurso, o primeiro crime estará julgado, não podendo ser julgado novamente com o eventual crime conexo. É tudo muito lógico.
Destarte, um crime consumado em São Paulo, em Brasília ou no Rio de Janeiro, ainda que tenha alguma relação com a corrupção no âmbito da Petrobrás S.A., não tem por que ser processado e julgado pelo juiz Dr. Sérgio Moro, em novo processo. Este crime, ainda que fosse conexo com o primeiro, o qual determinou a competência deste magistrado, não mais poderá ser processado e julgado juntamente com aquele originário. Vale dizer, não cabe ampliar a competência da 13ª Vara Federal de Curitiba para processar e julgar crimes consumados fora de sua seção judiciária.
Tal ampliação de competência não se justifica, na medida em que não mais é possível a unidade de processo e de julgamento conjunto. É até mesmo intuitivo.
Por derradeiro, não há que se falar em prevenção. Tal critério de fixação (não modificação) de competência somente tem pertinência quando as diversas infrações conexas (todas elas) já forem da competência do juízo, foro ou justiça. Isto está expresso no artigo 83 do diploma processual penal, não sendo a hipótese da Lava Jato, na maioria dos casos.
Vale a pena transcrever o texto legal:
Art. 83: “Verificar-se-á a competência por prevenção toda a vez que, concorrendo dois ou mais juízes IGUALMENTE COMPETENTES ou COM JURISDIÇÃO CUMULATIVA, um deles tiver antecedido aos outros na prática de algum ato do processo ou medida a este relativa, ainda que anterior ao oferecimento da denúncia ou queixa”.
No S.T.F., em havendo conexão ou continência entre as infrações penais, como todos os Ministros são igualmente competentes, a unificação de todos os processos é legítima, tendo em vista a prévia distribuição ao relator, ou ato anterior que o torne prevento.
Note-se que, se um juiz incompetente, segundo os critérios legais acima, decretar uma prisão temporária ou preventiva, ele não se torna, por isso, competente por prevenção. Na verdade, ele seria sim incompetente para decretar tal prisão cautelar.
Em resumo: se não mais é possível o julgamento conjunto do crime originário da competência do juiz Sérgio Moro (pois já foi julgado separadamente) com os posteriores crimes, ainda que fossem conexos, não há mais motivo para ampliar a sua competência, em violação ao princípio constitucional do “juiz natural”, pois a nossa carta Magna dispõe expressamente que “Ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”, (art.5º., inc. LIV, Constituição Federal), conforme acima já tínhamos mencionado. Cuida-se de uma garantia individual e fundamental e de nulidade absoluta.
Que hipótese de conexão do artigo 76 do Cod. Proc. Penal existe entre o crime de lavagem de dinheiro, praticado pelo doleiro Alberto Youssef, através do Posto Lava Jato, sito em Brasília, e os demais crimes praticados em outros Estados da Federação, tendo em vista as regras do nosso Código de Processo Penal:
Art. 70. A competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução.
Art. 76. A competência será determinada pela conexão:
I – se, ocorrendo duas ou mais infrações, houverem sido praticadas, ao mesmo tempo, por várias pessoas reunidas, ou por várias pessoas em concurso, embora diverso o tempo e o lugar, ou por várias pessoas, umas contra as outras;
II – se, no mesmo caso, houverem sido umas praticadas para facilitar ou ocultar as outras, ou para conseguir impunidade ou vantagem em relação a qualquer delas;
III – quando a prova de uma infração ou de qualquer de suas circunstâncias elementares influir na prova de outra infração.
O juiz Sérgio Moro não diz, não explica, não demonstra. Ele apenas assevera que os processos são da sua competência, porque conexos com aquele processo originário e outros mais. Meras afirmações, genéricas e abstratas.
Não custa repetir que a Constituição da República dispõe expressamente, em seu artigo 5º. que:
” Inciso LIII – ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”.
Ressalto, mais uma vez, que a prevenção é critério de fixação da competência entre órgãos jurisdicionais que sejam todos já genuinamente competentes. Ademais, a prática de um ato judicial persecutório (requisição de inquérito policial) jamais pode tornar prevento um juízo, até porque violador do sistema acusatório.
Relevante salientar que, no processo penal, a conexão ou continência se dá entre infrações penais e não entre processos ou entre inquéritos e processos. A conexão no processo penal é distinta da conexão no processo civil !!!
4 – UMA BREVE ANÁLISE CRÍTICA DO QUE RESULTA, ATÉ A PRESENTE DATA, DE TODA A ATIVIDADE PERSECUTÓRIA DA CHAMADA “OPERAÇÃO LAVA JATO
4.1 – Aspectos Positivos:
Inicialmente, cabe salientar que, nada obstante o desejo concentrador do referido juízo da 13ª.Vara Federal de Curitiba, surgiram vários “desdobramentos” da Lava Jato em investigações e processos instaurados fora do Estado do Paraná. Atualmente, temos atividades persecutórias e judiciais semelhantes junto e na justiça federal do Distrito Federal, do Estado do Rio de Janeiro, do Estado de São Paulo e do Estado de Minas Gerais, etc.
Ademais, há desdobramento da Lava Jato também no Superior Tribunal de Justiça e, principalmente, no Supremo Tribunal Federal, tendo em vista a prerrogativa de foro de alguns investigados e réus, incluindo até mesmo o atual Presidente da República, senhor Michel Temer.
Não se pode negar que a conhecida Operação Lava Jato teve alguns resultados bastante positivos, tornando pública uma endêmica corrupção em várias empresas controladas pela União e também na atividade política em nosso país.
Restou demonstrado que grande parte da atividade empresarial atua como agente corruptor e se desenvolve através de outorga de “propinas” a Deputados, Senadores e agentes políticos do primeiro escalão do Poder Executivo. Ficou claro que, em nosso sistema capitalista, o Estado é um reflexo político do poder econômico que domina a sociedade.
Entretanto, as sequelas que a operação Lava Jato vai deixar em nosso sistema jurídico, político e econômico são indeléveis e vai demorar algumas gerações para que tudo isso se recomponha. Vamos a elas, a título meramente exemplificativo.
4.2. Aspectos Negativos:
Começamos, de forma tópica e didática, apontando alguns defeitos da Lava Jato:
Impunidade para:
1) Empresários delatores;
2) Doleiros delatores;
3) Diretores e Gerentes da Petrobrás delatores;
Punição para: (alguns estão presos sem condenação transitada em julgado)
1) Políticos não delatores.
2) Pessoas ligadas a alguns partidos políticos, não delatoras.
Só da empresa Odebrecht são cerca de 70 corruptores ativos (autores ou partícipes), que ficarão praticamente impunes pelas delações, que foram homologadas apressadamente pela presidente do S.T.F., quando da morte do Ministro Teori Zavascki.
Por incrível que possa parecer, aceitou-se a execução de pena (ainda que branda e para beneficiar os criminosos) sem sentença condenatória. Deve ter sido por descuido, mas aceitou-se execução penal por título extrajudicial (acordo de delação premiada) !!!
O ex-presidente da construtora Odebrecht, empresário que teria praticado uma das maiores corrupções ativas do continente (e diversos outros crimes), só vai ficar preso até o final do ano. Depois, “cumpre pena” em regime aberto, embora condenado a pena superior a 20 anos de reclusão !!!
Mais escandalosa ainda foi a impunidade dos irmãos Batista e demais executivos da JBS. Sequer iriam ser indiciados em inquéritos policiais e, por isso mesmo, não seriam processados criminalmente. Seriam beneficiados por um acordo de cooperação premiada absolutamente inusitado. Apesar de confessarem cerca de duas centenas de crimes graves, estariam livres de qualquer atuação persecutória do Estado.
Posteriormente, restou demonstrado que eles teriam enganado o Ministério Público Federal, faltando com a verdade e omitindo informações relevantes no acordo de cooperação, motivo pelo qual perderam direito ao prêmio. Isto demonstra a fragilidade ou vulnerabilidade destes negócios jurídicos processuais, banalizados pela Operação Lava Jato, que podem macular o conceito que o Ministério Público goza perante a sociedade.
Uma preliminar constatação: para a Lava Jato, o importante é punir alguns políticos, mesmo que, para isso, tenha de deixar praticamente impunes os corruptores diretos, vale dizer, aqueles que realmente praticaram as condutas penalmente típicas.
Criminalizaram a política e a própria atuação parlamentar. Falar contra a Lava Jato ou apresentar determinados projetos de lei ou emendas aos projetos, que já estejam tramitando, podem ser consideradas ações de “obstrução de justiça” ou de corrupção em favor de empresas ou segmentos empresariais.
Ademais, conduções coercitivas de investigados, sem o descumprimento de prévia intimação, conforme dispõe o art.260 do Código de Processo Penal, passaram a ser ilegalidade corriqueira e pública, bem como foram subvertidas inúmeras regras sobre a competência no processo penal, criando-se “juízos universais”, ao arrepio do chamado “juízo natural”, conforme demonstrado acima. Vale dizer, o exame sobre a competência dos órgãos jurisdicionais passou a ser algo secundário. Trabalha-se com o chamado “fato consumado” …
Não podemos esquecer a banalização das prisões processuais, que devem ter a natureza cautelar (instrumental).
Em minha opinião, também neste aspecto, o nosso cenário jurídico é tenebroso. A exceção está virando regra. As prisões cautelares (provisória e preventiva) estão sendo usadas para o chamado “processo penal do espetáculo”, para “afirmações de poder” e como forma de punir antes da condenação.
Julgo estar faltando um pouco mais de sensibilidade e, mesmo, de humanidade aos responsáveis pelas decretações destas prisões e àqueles que a executam.
Como explicar que um condenado a mais de 120 anos fique apenas 2 anos e 8 meses, preso (delator na Lava-Jato) e os investigados, ainda não condenados, fiquem em presídios onde cumprem penas criminosos de alta periculosidade …???
Parece que o ódio que a grande imprensa conseguiu disseminar na sociedade está contaminando o nosso “sistema de justiça penal”.
Não acredito que as hipóteses previstas no art. 312 do Cod. Proc. Penal estejam sendo bem aplicadas de forma a justificar suas prisões preventivas, consoante vários textos que elaborei anteriormente. As fundamentações de suas prisões não nos pareceram satisfatórias.
Sem querer ser elitista ou ferir o salutar princípio da igualdade, acho justo distinguir, em termos de prisão cautelar, um assaltante de 25 anos de idade de um homem público, que ocupou cargos relevantes, eleitos pelo povo e com idades avançadas, portadores de alguma enfermidade.
Por que manter preso estes senhores conhecidos nacionalmente, antes de eventual condenação? Que proveito esta prisão traz?
Tratar desigualmente pessoas desiguais não é privilegiar ninguém … Condenados que sejam, aí sim, devem cumprir normalmente as suas penas.
Enfim, pugno por um pouco mais de condescendência com as pessoas ainda não condenadas, até por que o Ministério Público e o Poder Judiciário, como instituições humanas, também têm suas mazelas.
Cabe ressaltar, ainda, o vazamento de elementos probatórios sigilosos, escutas de telefones de advogados de réus, divulgações de conversas interceptadas ilegalmente, divulgação de escutas telefônicas de natureza pessoal e desvinculadas dos fatos em apuração na Lava Jato, e alguns outros excessos, reconhecidos publicamente pela Subprocuradora Geral da República, Dra. Ela Wicki, bem como pelo Ministro Marco Aurélio do Supremo Tribunal Federal.
Assim, em nome do combate à corrupção, deu-se uma pausa em nosso combalido Estado de Direito, com apoio expresso ou implícito dos tribunais de segundo grau e superiores. Fala-se em “regras especiais para situações excepcionais” (sic), argumentos muito usados pelos regimes totalitários (conhecido acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª. Região).
Cabe, ainda, salientar que os acordos de cooperação premiada (delação premiada) estão subvertendo todo o nosso sistema penal, permitindo que o Ministério Público e os réus ou investigados criem penas e regimes de cumprimento de pena não previstos em nosso Direito Penal e na Lei de Execução Penal. Estão criando prêmios não previstos na lei n.12.850/13 (Lei do Crime Organizado).
Na prática, o Direito Penal passou a ser objeto de negociação, sem critérios previamente definidos. Poder discricionário quase ilimitado, do qual alguns membros do Ministério Público se apropriaram. Fazem insólitos acordos, transformando penas superiores a 20 anos de reclusão em prisão domiciliar; criam regimes de pena não existentes na nossa legislação e estabelecem limites de penas para processos diversos, que devem ficar suspensos (sic). É a consagração do combinado sobre o legislado em nosso sistema de justiça criminal.
Disseram que a Lava Jato já resultou em um total de penas de prisão superior a 1.300 anos (parece que não existem mais, no Brasil, o crime continuado e o concurso formal de delitos, bem como confundem atos de execução com conduta criminosa). O que não dizem é que, destes 1.300 anos, cerca de 1.150 anos de prisão foram convertidos em prisões domiciliares com “tornozeleirinhas eletrônicas” (confesso que não fiz os cálculos exatos).
Com a Polícia, Ministério Público, Poder Judiciário e a grande imprensa juntos, do mesmo lado, não teremos jamais um verdadeiro Estado Democrático de Direito. Estamos ficando sem saída …
A utilização da grande imprensa para influenciar, de forma acrítica, a opinião pública lembra os antigos métodos fascistas. A população, que desconhece as regras que compõem o nosso sistema de justiça criminal, passa a entender que tudo está sendo feito corretamente e que o mais importante é “combater a corrupção”, imaginando que isto efetivamente esteja ocorrendo.
Tudo isto fica ainda mais evidente com o lançamento de um filme sobre a “salvadora e messiânica” atuação persecutória daqueles que atuam na Lava Jato. O maniqueísmo do filme chega a ser gritante e primário: é o bem contra o mal. Para combater o mal, os fins justificam os meios …
Delegados, Procuradores da República e Magistrados compareceram, festivos e vitoriosos, à pré-estreia do citado filme, aparecendo como heróis de uma batalha vencida, com ampla cobertura da imprensa. Vale dizer, eles comemoram o resultado a que, desde a origem, desejavam chegar. Imparcialidade é um mero detalhe, pois os juízes assumiram de que lado estavam …
Esta “parceria” com a mídia foi estratégica e já tinha sido elogiada pelo juiz Sérgio Moro, em conhecido e antigo trabalho acadêmico, amplamente divulgado, no qual ele faz uma análise elogiosa da conhecida operação “Mãos Limpas”, ocorrida na Itália. Tudo isso levou a uma “politização” da “nossa” operação Lava Jato e trouxe, para as instituições nela envolvidas, a divisão ideológica que se instalou em nossa sociedade.
Desta forma, contaminados psicologicamente por estes fatores estranhos ao nosso sistema jurídico, os protagonistas desta operação Lava Jato (onde sempre se inclui o Poder Judiciário) passam a suspeitar de determinadas pessoas conhecidas no cenário político e vão buscar a comprovação de seus supostos crimes.
Dizendo de outra forma: escolhem os “criminosos” para depois descobrirem seus delitos, tudo com base em meros indícios, muitos dos quais absolutamente artificiais. A imprensa, sempre previamente informada, dá ampla divulgação a estas suspeitas e o mero investigado já fica “condenado” e execrado perante a opinião pública.
Ademais, os tribunais, que somente são acionados algum tempo depois do que acima narramos, ficam constrangidos em desconstituir alguns atos abusivos já realizados, seja porque se sentem pressionados pela imprensa e pela opinião pública, seja porque estão ideologicamente comprometidos com a “messiânica” operação Lava Jato.
Julgo que tudo foi consequência de um projeto pensado com bastante antecedência e fruto de acordos prévios com alguns órgãos da nossa grande imprensa e alimentado por informações vindas de fora de nosso país. As motivações foram múltiplas, inclusive políticas e econômicas. Muitos foram ingênuos e assim permanecem até hoje, por não disporem de uma consciência crítica e se moverem por impressões superficiais e messiânicas. São jovens que não compreendem os processos sociais e carecem de cultura e maturidade.
Enfim, voltando ao prisma jurídico, vale a pena repetir: quando polícia, Ministério Público, juiz de primeiro grau e membros dos tribunais se colocam todos de um mesmo lado – combater determinados crimes – deixa de existir o salutar mecanismo de controle entre estas instituições.
Desta forma, o processo penal passa a ser um mero expediente para legitimar condenações desejadas previamente. Assim, as garantias próprias do Estado de Direito restam afastadas.
5 – A TÍTULO DE CONCLUSÃO
Julgo que a chamada Operação Lava Jato foi consequência de uma “estratégia”, previamente engendrada por alguns de seus protagonistas, que se valeram de experiências estrangeiras e que sofreram grandes influências e, quem sabe, receberam informações sigilosas dos Estados Unidos, interessados em fragilizar o nosso sistema econômico e os partidos políticos vinculados ao pensamento de esquerda.
Acredito que, com os vários desdobramentos das investigações, perdeu-se o controle de todo este “processo”, que hoje põe em risco, de certa forma, a nossa própria democracia pois, debilitadas as instituições, absurdamente, fala-se até em intervenção militar.
Muitos destes protagonistas teriam agido de boa-fé, como “inocentes úteis”, mas as vaidades pessoais e os voluntarismos autoritários não perceberam que os fins não podem justificar os meios. Não perceberam que não é valioso punir a qualquer preço. No caso, o preço é muito alto: o nosso combalido Estado de Direito.
Enfim, faltou nisto tudo uma grande dose de maturidade e equilíbrio. Faltou, ainda, um pouco mais de preparo técnico e, acima de tudo, um indispensável “distanciamento” dos órgãos do Poder Judiciário, seja da atividade persecutória, seja da grande imprensa. A imparcialidade não está se fazendo presente na Lava Jato, havendo uma omissão suspeita dos tribunais em relação aos vícios constitucionais e processuais publicamente apontados. A história não os absolverá…
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