Laranja Mecânica – a ultra violência de um Estado antigarantista

24/03/2015

 Por Laura Mallmann Marcht - 24/03/2015

Anthony Burgess não imaginou o quanto sua obra “A Clockwork Orange” poderia repercutir no mundo. A obra foi escrita em 1962, na Inglaterra e dez anos depois, Stanley Kubrick readaptou-a, produziu e dirigiu para trazer ao cinema. Laranja Mecânica é certamente, um dos filmes mais impactantes já produzidos. O primeiro contato com a sociedade pós-industrial inglesa, despertou certo desprezo a Kubrick por mostrar as piores faces do homem.

Burgess cria um vocabulário próprio, o Nadsat, que os delinquentes utilizam para se comunicar, várias expressões como drugues (amigos) e ultra violência são utilizados durante a obra. Alex DeLarge e seus drugues (Pete, Georgie e Dim) não possuem escrúpulos e utilizam da ultra violência para sanar seus instintos criminosos. Eles violentam velhos, estupram mulheres, brigam com outras gangues, invadem domicílios, vandalizam, roubam e ainda fogem da polícia.

É importante ressaltar a dificuldade que a polícia tinha de provar o crime. Apenas após o terceiro crime cometido pelos jovens, a polícia entra em ação e ainda assim não consegue identificar os responsáveis pela briga entre gangues. “Não é um mundo onde um velho possa viver”, diz o mendigo espancado pelos jovens e continua “é fedorento porque a lei e a ordem não existem mais! Deixa que os jovens batam nos velhos como vocês estão fazendo”.

Combinando a ultra violência com a nona sinfonia de Beethoven, Alex comete atrocidades. Ele é o líder do grupo, capaz de agredir os drugues apenas para reestabelecer sua liderança. Ao invadir uma casa, assassina uma mulher e é deixado para traz por seus colegas, sendo preso. Logo de início, a Igreja já se demonstra preocupada na recuperação dos presos, ministrando missas para os presos. Após um período na prisão, Alex pede informações sobre o tratamento que vinha gerando boatos que tiraria o condenado da prisão e garantiria que não voltasse à mesma, com interesse em fazê-lo.

Alex então é levado a uma sala de cinema, preso a uma camisa de força e olhos expostos para que fosse obrigado a assistir todos os crimes que já cometeu e começava a não gostar do que estava “videando”. Após dias de tratamento, foi posto a prova e todas as ações que antes fizera agora lhe enojava. Ao voltar para casa reabilitado, se vê perdido, pois não há mais espaço para ele. Seus parceiros que antes havia violentado, tornaram-se policiais e abusam de suas posições para violentá-lo.

Na tentativa de relacionar a Literatura com o Direito, mais precisamente com o garantismo, cabe dizer que a obra perpassa pelas teorias penais com o objetivo de recuperar criminosos, com o famoso Tratamento Ludovico, capaz de transformar tanto o sujeito a ponto de fazê-lo ficar enjoado toda vez que “videasse” um crime.

A teoria garantista questiona os exercícios arbitrários de poder, para poder oferecer as soluções adequadas e garantir uma maior efetividade do ordenamento jurídico. A recuperação de delinquentes tem sido um ótimo método para a reinserção desses sujeitos na sociedade novamente, mas até onde o Estado tem o Direito de intervir? Será mesmo necessário que haja uma verdadeira lobotomia desses sujeitos para que sejam recuperados? Ficou claro que de Alex foi tirado o livre arbítrio, mas sem o mesmo, como somos capazes de nos autogerirmos?

Alex não suportou e “zerou” – e por motivos alheios à sua vontade, não conseguiu “zerar-se”.


Sem título-1Laura Mallmann Marcht é acadêmica do Curso de Direito da UNIJUÍ-RS.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                  

 


  Imagem Ilustrativa do Post: Alex y sus drugos // Foto de: Miguel  // Sem alterações Disponível em: https://www.flickr.com/photos/mcertou/5571108362 Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura