Em tempos em que a justiça foi substituída por linchamentos, punem-se aqueles que ousam ser diferentes e – pasmem – cumprir a lei.
Esta semana o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo aplicou pena de censura à juíza Kenarik Boujikian, porque teria monocraticamente decidido pela liberdade daqueles que já estavam presos além do tempo fixado em suas sentenças (!). Sábia decisão...
Como ousou a magistrada garantir os direitos daqueles que se encontram em situação de intensa vulnerabilidade? Como pôde alguém, em tempos de ódio e de violência (no seu mais amplo sentido) cogitar simplesmente respeitar as normas? Certo é manter preso além do tempo devido; certo é prender preventivamente para garantir a tão cara “ordem pública”.
Ora, em épocas em que uma grande parcela da população torce pela morte de outrem e médicos lamentam a realização de procedimentos que podem salvar vidas, “bandido” bom é “bandido” morto (desde que não seja eu nem meus amigos, claro). “Bandido” vivo e preso, longe dos olhos, a gente até tolera. Mas soltar? Isso, não. Jamais.
Puna-se quem solta seres humanos que já cumpriram suas penas, porque eles não podem misturar-se com os “cidadãos de bem”! The Good Citizen (Os Cidadãos de Bem), aliás, era o nome da revista financiada pela Ku Klux Klan, de 1913 a 1933. Sábias palavras continha. Saudosos tempos de revanchismo e justiçamento...
Afinal, a Constituição da República só tem valor quando me convém. As normas (sejam legais, constitucionais ou convencionais) só são aplicáveis quando interessam. Direitos humanos apenas para certa parcela da (des)humanidade.
Àqueles que, lamentavelmente, não tiverem captado a essência do texto, fica aqui um alerta de ironia.
2017 mal começou e a decisão do TJSP já garantiu seu lugar no ranking dos absurdos do ano. É daquelas coisas que nos fazem questionar por que os dinossauros cederam seu espaço na Terra aos seres humanos.
E a perspectiva não é das melhores: Moreira Franco como Ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Alexandre de Moraes indicado ao Supremo Tribunal Federal, Sérgio Moro seguindo a aplicar seu próprio projeto de Código de Processo Penal...
Como diria Juca Chaves: “Este é um país que vai pra frente!!!”
Caminhamos a passos largos na direção de um abismo. Como se perseguíssemos o cálice sagrado, andamos cegamente em um sentido absolutamente distinto do que estabelece nossa Carta Magna. E quem se desvia do caminho, como a juíza Kenarik, é punido pelos demais.
Pois reitero o que já disse aqui inúmeras vezes: não podemos nos calar ou desistir diante dessas adversidades. Não podemos simplesmente colocar as mesmas vendas e seguir o mesmo rumo. Devemos lutar junt@s. Até que possamos genuinamente cantar “este é um país que vai pra frente”.
Imagem Ilustrativa do Post: Sad Eyes // Foto de: Katrin Albaum // Sem alterações
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