Justiça ou Prudência? - Por Paulo Ferreira da Cunha

30/11/2017

O estudo das virtudes, depois de uns tempos de ocaso e até de troça em alguns círculos, está a redespertar. E as virtudes são essenciais para o Direito. Mário Bigotte Chorão assinalava, logo no seu manual de Introdução ao Direito, editado pela Almedina, que a leitura do Livro V das Éticas a Nicómaco de Aristóteles (sobre a virtude da Justiça) deveria ser ponto de honra para todo o estudante de Direito. A fortiori, para todo o Jurista.

No contexto do contributo das virtudes para o Direito desenvolvemos muito a questão, em sintonia com a Arte e a Ética, no nosso livro, também publicado pela Almedina, O Tímpano das Virtudes. Mas desde essa ocasião não deixamos de revisitar o problema.

Uma das questões clássicas é saber qual das virtudes tem a precedência. E não é apenas uma questão teórica.

Tenho as minhas dúvidas sobre qual será a virtude mais importante, ou superior, se a Justiça se a Prudência (estando, porém, ultimamente, a inclinar-me mais para a Prudência). E nesse domínio, mais vasto, das virtudes, nem estou a pensar especificamente no domínio jurídico. Também, mas não só.

Há polémica sobre qual, de entre as virtudes cardeais (Prudência, Justiça, Temperança e Fortaleza), será a principal.

Os autores dividem-se entre os que que se inclinam para a Justiça (o que me parece radicar já em alguma interpretação de Aristóteles e ter manifestação plástica na localização das representações das virtudes na Stanza della Segnatura pelo imortal pintor Rafael) e um outro grupo, de grandes nomes como Josef Pieper e Jean Lauand, que vão no sentido de privilegiar a Prudência. Desde logo explicando que não pode haver Justiça sem Prudência. Uma Justiça imprudente é, afinal (exemplo que me ocorre agora) aquela que diz: "Fiat Iustitia, pereat mundus."

Pensando nesses argumentos e vendo a falta de Bom Senso nos dias de hoje (e o Bom Senso é essencial à Prudência) é que me disse dividido entre uma e outra das posições. Na verdade, a falta de Bom Senso dói muito também... Portanto, falta de Prudência.

Outras virtudes são importantíssimas. Quanto à Caridade, é, com a Fé e a Esperança, como se sabe, uma virtude não cardeal, mas teologal. Alguns autores preferem traduzir (sobretudo mais recentemente) por Amor, até porque a caridade ficou perturbada na sua reputação pela "caridadezinha" mais ou menos “assistencialista” e hipócrita. O Amor é, de todas estas três, a virtude maior. E a única que, numa perspetiva religiosa, subsistiria no Além...

No terreno do Direito, resumindo, creio que há duas grandes correntes: os que querem uma Justiça "do aço frio das espadas", como disse o poeta (mas antigo advogado) Teixeira de Pascoaes, e os que consideram que aspetos de suavização e adequação devem entrar na própria Justiça, como por exemplo, a equidade. Braz Teixeira faz entrar esta no âmbito daquela.

E ainda há autores que não desdenham da clemência, por um lado, e da reinserção social, e da função social do Direito, por outro. Ou seja, diríamos que o "Bom Direito" tem tudo a ver com a "solicitude social" e mesmo pessoal da Caridade, na verdade mais alta no Amor. Mas o mau não.

Por outro lado, perante um toldar da capacidade de raciocinar, de carrear elementos de apoio a uma boa decisão, de saber como decidir com sagacidade, pelo menos temos que colocar a Prudência de mãos dadas com a Justiça.

Os extremismos para que muitos nos pretendem levar, mesmo no próprio Direito, certamente preferirão a Justiça, mas uma Justiça pintada com as suas cores subjetivas, as cores de cada um(a). O Bom Senso que a Prudência acarinha tem por vezes também o nome de “Senso Comum”. Não é que o facto de ser alargado garanta sempre a sua excelência e acerto. Mas é, pelo menos, um alerta contra as ideias geniais de iluminados que podem deitar tudo a perder...

Na dúvida, a colegialidade, em muitos domínios, apesar de poder ser mais morosa e de poder ter muitos outros calcanhares de Aquiles, parece-nos ser um elemento importante de moderação, pela Prudência, evitando que uma só pessoa possa abusar do poder, ou pensar erroneamente. A própria instituição de instâncias de recurso é aumentar o número de cabeças pensantes... por prudência, que acaba por ser garantia de Justiça.

À simplista alternativa “Justiça ou Prudência?” preferiríamos, pois “Justiça com Prudência”.

 

Imagem Ilustrativa do Post: Justice with a swagger // Foto de: Quinn Dombrowski // Sem alterações

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