Julgamento Antecipado Parcial do Mérito no Processo do Trabalho

01/09/2020

Coluna Atualidades Trabalhistas / Coordenador Ricardo Calcini

Nos termos do Código de Processo Civil (CPC) de 1973, em sua redação originária, a sentença era o ato pelo qual o juiz coloca termo ao processo, decidindo ou não o mérito da causa. As alterações advindas com a Lei nº 11.232/05 reformularam esse conceito preocupando-se não com o efeito, mas sim com o conteúdo do ato judicial. Então a sentença foi conceituada como o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 da lei processual.

Com efeito, foi aberta a possibilidade da existência de sentenças parciais que julgavam o mérito ou decidiam pela sua impossibilidade de julgamento, sem prejuízo da continuidade da marcha processual com relação às demais matérias.

No CPC de 2015, Wambier e Talamine[1] identificam que o conceito de sentença, estabelecido no §1º do art. 267, retoma parte da ideia do CPC de 1973, quando sinalizava que ela coloca fim à fase cognitiva do processo ou da execução, e ainda identificava o seu conteúdo, ou seja, quando esta decisão judicial é fundamentada nos arts. 485 e 487.

O julgamento antecipado parcial do mérito é regulamentado pelo CPC no art. 356, e isso pode ocorrer em duas situações específicas, quais sejam, quando um ou mais pedidos formulados ou parcela deles mostrar-se incontroverso (inciso I) e quando estiver em condições de imediato julgamento, nos termos do art. 355.

Esclarece-se que a referência ao art. 355 do CPC remete aos casos em que o pedido não tenha necessidade de outras provas (inciso I) ou nos casos de revelia (quando haverá presunção de verdade das alegações de fato formuladas pelo autor) e não houver requerimento de prova (inciso II).

Dessa forma, ao longo do andamento do processo a ocorrência de sentença final e única, contendo toda a apreciação dos pedidos do autor e os elementos de defesa do réu, pode não ser mais a regra. Ou seja, pode haver situações em que o juiz de primeiro grau possa produzir várias sentenças, a depender da ocorrência de situações fáticas acima e, ao final do trâmite, a decisão judicial somente será o que remanescer como incontroverso até aquele momento. 

Aplicando este conceito de sentença ao Processo do Trabalho, sob a autorização do art. 769 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), haja vista que não traz um conceito específico e diferente para tal termo, podemos vislumbrar a possibilidade de aplicação do art. 355 do CPC. E, na dinâmica da processualística trabalhista, a ocorrência de julgamentos antecipados parciais do mérito não se mostra, em tese, algo raro de ocorrer.

Como se sabe, uma das grandes características da petição inicial trabalhista é a pluralidade de pedidos, denominado comumente de rol de pedidos, onde o autor elenca uma série de direitos que pretende o acolhimento pelo Poder Judiciário.

Enquanto a realidade do Processo Comum é a existência de pedido único ou de poucos pedidos na petição inicial, a realidade do Processo do Trabalho é o de estabelecer um amplo leque de pretensões, ocorrendo a cumulação objetiva de pedidos. Este fato faz com que haja possibilidade de alargamento das situações previstas no art. 356 do CPC.

Neste sentido, diante da existência de verbas incontroversas, constatadas já no início da primeira audiência, em percepção pelo advogado do autor, este poderá requerer a tutela de evidência, nos termos do art. 311, inciso IV, do CPC, além do julgamento antecipado parcial do mérito.

Tal situação não é rara na Justiça do Trabalho, pois, analisando os dados dos processos em trâmite no Judiciário Laboral, os assuntos mais recorrentes são, respectivamente, aviso prévio, indenização de 40% sobre o FGTS, multa do art. 477, §8º da CLT, multa do art. 467 da CLT e férias proporcionais.

Ou seja, verbas essas que são de comprovação documental e que uma vez não trazida aos autos pela reclamada, já geraria a possibilidade do autor de fazer o seu pedido nos termos do art. 356 do CPC.

Na continuidade da audiência e ao longo de toda a instrução do processo, quando se estabelecer qualquer incontroversa, ou no caso de desnecessidade de produção de outras provas, haverá a possibilidade de pedido da parte autora para que seja proferido outro julgamento antecipado parcial do mérito.

Destaca-se que, conforme disposto no §2º do art. 356 do CPC, essas decisões já poderão iniciar o processo de liquidação ou execução, logicamente de forma provisória, salvo na ocorrência de trânsito em julgado, quando então será definitiva (§3º).                    

Note-se que em uma condução processual neste nível, pode fazer com que o magistrado trabalhista possa produzir inúmeras sentenças e, ao final, da fase de conhecimento ele fará uma sentença tendo como objeto somente as matérias remanescentes que ainda não foram decididas.

Na ocorrência de situação como a descrita, a situação da reclamada se apresenta como um tanto crítica, pois diante de um julgamento antecipado parcial do mérito, ela poderá apresentar recurso, que deverá obedecer aos termos do art. 895 da CLT, inclusive quanto ao depósito recursal.

Nestas circunstâncias, por exemplo, em eventual processo com a ocorrência de dois julgamentos antecipados parciais do mérito e um julgamento final, a reclamada poderá ter que realizar três recursos distintos e, portanto, proceder com três depósitos recursais, o que hoje seria equivalente ao montante de R$ 30.177,45 (3 x R$ 10.059,15), a depender dos valores dos pedidos e da causa, tudo nos termos da IN nº 03 do TST.

O Tribunal Superior do Trabalho, no Ato Conjunto TST. CSJT. CGJT nº 3/2020, de 10 de agosto de 2020, regulamentou no primeiro grau de jurisdição o processamento dos feitos decorrentes da decisão parcial de mérito.

O §1º do art. 2º regula que caberá o recurso ordinário da decisão que julgar parcialmente o mérito, aplicando-se as regras relativas ao depósito recursal e ao pagamento das custas processuais e, mais, tanto o recurso ordinário quanto as contrarrazões serão recebidos nos autos principais.

Será formado então um processo suplementar, na classe 12760 – Recurso de Julgamento Parcial, que deve ser feito pela Vara do Trabalho após proferido pelo magistrado o despacho nos autos principais determinando a remessa do recurso à instância superior.

O art. 6º expõe ainda que no caso de reforma ou anulação da decisão parcial com a determinação de novo julgamento, esta nova decisão será proferida nos próprios autos do processo em que houve o julgamento parcial, ou seja, nos autos suplementares com prazo de 10 dias para o novo julgamento (parágrafo único).

Por fim, apesar de ainda ser de pequena utilização, o julgamento antecipado parcial de mérito representa uma boa ferramenta para a condução do processo de forma célere, podendo trazer uma eficácia ao provimento jurisdicional.

    

Notas e Referências

[1] WAMBIER, Luiz Rodrigues et TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil. 2. Revista dos Tribunais, 18 ed., São Paulo, 2019.

 

 

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