Juizados especiais e custas processuais

02/05/2017

Por André Alexandre Happke – 02/05/2017

A regra geral é que não existam despesas para propor demandas nos Juizados Especiais Cíveis. Não para quem vai acionar, mas todos pagam por isso, pois como bem destacou nosso Defensor Público Geral de Santa Catarina, Ralf Zimmer Júnior, em seu “O mito da gratuidade da Justiça: por um acesso à Justiça livre do populismo” (www.defensoria.gov.br), quando alguém litiga sem pagar custas, “[...] a bem da verdade, repassa, de uma maneira ou de outra, a todos os contribuintes a obrigação de sustentar tal demanda”.

A par de normalmente não ser necessário – mesmo a quem pode pagar – litigar sob gratuidade inicial nos Juizados Cíveis, em alguns casos o Juiz pode impor o pagamento das custas:

(i) faltar na audiência conciliatória – com toda a população pagando via impostos o serviço pedido em benefício próprio pelo autor, o cidadão deixa de comparecer na audiência do seu processo;

(ii) for considerada litigante de má-fé – a pessoa cujo comportamento processual for considerado abusivo, em desrespeito à lei, à verdade, que tentou usar o processo para objetivo ilícito, ou que agiu de modo temerário, provocou incidente infundado, utilizou de recurso protelatório.

(iii) tiver embargos do devedor rejeitados – a pessoa não tinha razão e mesmo assim opôs resistência ao andamento normal da execução de um título, de uma dívida válida.

(iv) eventual recurso que a parte faça da sentença final deste processo seja rejeitado – a sentença de 1º Grau que tenha sido confirmada demonstra que a parte deveria ter melhor avaliado a interposição de seu recurso, instrumento que o rito da Lei nº 9.099/95 desestimula, pois seu principal objetivo é o consenso, a composição, o acordo.

Mesmo sendo exceção e não a regra a imposição de custas, é bastante corriqueiro que se peçam os benefícios da Assistência Judiciária neste rito, até porque em nosso Estado, infelizmente, é corrente as partes pedirem tal benefício sem muito critério, pois não é que tamanha parcela da população não possa fazer frente às custas, mas normalmente (os Advogados bem o sabem, sofrem com isso), não querem é dispor de seus recursos para buscar seus direitos. Muitos chegam a dizer: não quer colocar dinheiro bom em cima de dinheiro ruim, difícil. Ora, não coloca o do seu bolso, mas coloca o de todos nós contribuintes, que pagamos para seu benefício individual.

Se em outros processos se litiga por direitos personalíssimos (família, nome, direitos da infância, combate à violência) aqui no Juizado Cível só se litiga por direito patrimonial disponível, ou seja, aquele direito de crédito que é negociável (por isso mesmo é da essência do rito fazer audiência de conciliação). Também são direitos relevantes, certamente, mas se observe que toda a coletividade está financiando a busca dos créditos privados de alguns. Isso tem uma razão de ser e um fundamento bastante nobre: Acesso à Justiça, em especial por aqueles a quem as portas das Varas Comuns seriam realmente impeditivas para o exercício de seus direitos, em especial pelas custas processuais. O que não deve haver, todavia, é abuso.

Dado o contexto de que o benefício que suspende a exigibilidade de custas é pedido de forma rasa e sem critério, e buscando não ser apenas chancelador das meras afirmativas de impossibilidade de arcar com as despesas, conduzindo todo o custo ao Erário, e mais, considerando que somente será necessário cobrar custas nos Juizados quando ocorrerem aquelas situações pontuais, optou-se por uma atitude proativa em busca de melhor resultado.

Só quando viesse o momento do recurso (fico neste exemplo, mas existem também as outras hipóteses previstas acima) seria decidido sobre a Assistência Judiciária. Isso pode, todavia, atrasar a finalização do processo em meses ou até mais de ano(s). Entre decide, intima, pede reconsideração, instrui, processo vai e vem, o tempo passará e a hora-trabalhada pelo Estado avolumará os custos (mais do que as custas a cobrar, inclusive).

Assim, num primeiro momento se observou que o tempo, o momento, para provar que merece o benefício deve ser o mesmo da duração do processo, e não outro, depois. Assim há economicidade (um dos princípios informadores do rito) e maior eficiência no emprego do dinheiro público.

Para que isso seja efetivo, ainda outro componente precisava ser considerado. Há jurisprudência no sentido de que se existia o pedido desde o início e não fora decidido, que teria então ocorrido a concessão tácita do benefício, e aí negar ao final ou em outro momento já não seria simplesmente negar, mas revogar algo que já estava (tacitamente) deferido. Isso é um complicador.

Dessa forma, a opção foi negar de plano e expressamente o benefício (como regra geral, admitindo exceções). Inspirando-se na Teoria dos Jogos (Alexandre Morais da Rosa), o jogo é exposto de começo, às claras, cartas na mesa. Devolve-se assim a responsabilidade à parte que pretende o benefício, mas dizendo o que é necessário que traga – durante o tempo de vida do seu processo – para que no momento final dele (da sentença) seja possível, se for o caso, revogar a negativa, ou melhor, conceder o benefício. Isso porque atendendo às cartas colocadas, haverá melhor fundamento para análise e decisão do que a mera afirmativa.

Posta a situação, a questão é o que então é necessário que a parte demonstre.

Mas antes dela, importa referir que para o litigante de má fé e também para aquele que falta à sessão de conciliação não são suspensas as custas processuais pela concessão da Assistência Judiciária, pois nesse caso é uma penalidade o pagamento das despesas.

Além disso, quando incidirem custas e a parte for beneficiária da Assistência Judiciária, o que há não é uma gratuidade, mas sim uma suspensão de exigibilidade, o que é bem diferente. O gratuito não precisará ser pago, aquilo que tem exigibilidade suspensa demanda que se imponha o pagamento das custas e a parte não precisa por elas pagar apenas se no período não for verificado que tem condições de pagar. Por isso o termo “Justiça Gratuita” é equivocado, em mais de um sentido, mas também pelo fato de que no caso há pagamento se houver condições de pagar, então gratuito não é (nem neste sentido).

Pois bem, retornando a como demonstrar que merece o benefício, é imperioso sob a nova regulação de Processo Civil que se considere que atualmente essa suspensão das custas pode ser total ou parcial. Além disso, cabe parcelamento (do valor total ou do valor parcial).

Nesse passo, para que alguém tenha a pretensão de ser beneficiado, a primeira coisa que deve saber, e sobre a qual deve fundamentar, é qual o valor que teria de pagar. Quais são as custas cuja exigibilidade pretende suspender.

Para saber isso o Advogado pode consultar a tabela de custas, ou ainda, acessar a informação que é gerada pela Contadoria Judicial.

De posse de tal informação, sua fundamentação deve ser sobre como e por qual motivo não pode a parte arcar com aquele valor ali, frente ao seu contexto social/econômico particular, isso mesmo parceladamente, ou mesmo com desconto de parte do valor (na suspensão parcial das custas).

Extrato do Imposto de Renda último, certidão do Registro Imobiliário, certidão do Departamento de Trânsito, comprovante de rendimentos (folha de pagamento), Carteira de Trabalho, todos são elementos, quantos mais desses, mais segura será a decisão, que estará agravando o custo ao dinheiro público, por isso a seriedade como que se deve tratar.

Há quem defenda, principalmente quando há dúvida, que se pesquise a pessoa na Internet, para verificar se o padrão de vida que ostenta não permite que pague as custas do processo, ainda que parceladamente, ainda que em parte. Seria contraproducente fazer isso o tempo todo e como regra, mas sempre existe a outra parte no processo, que pode se dedicar a demonstrar isso, até porque em alguns casos também depende disso a imposição e a possibilidade de exigir honorários sucumbenciais (também imponíveis em algumas situações das referidas neste texto).

Observando que de início houve o indeferimento, como regra geral, a parte deve aproveitar suas falas no processo, a própria instrução dele, para demonstrar seu contexto de penúria para que – se ainda pretender Assistência Judiciária – renove e reforce o pedido ao final, com elementos mais concretos do que a mera afirmação. Por outro lado, a parte que teve o indeferimento de início e permaneceu silente durante todo o processo, não pode pretender vir depois, quando resolver recorrer (p.e.) renovar a instrução da questão. Isso agravaria ainda mais o custo pelo contribuinte, atenta contra a economicidade do serviço público e ainda, contra o tempo razoável de duração do processo. O momento de provar e discutir terá passado.

De outra vertente, é de se registrar que as custas processuais praticadas pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina, em alguns períodos (entre as atualizações que se dão em diferentes momentos nos diversos Estados e mesmo nos Tribunais Federais) chegam a ser das mais baratas do Brasil, isso mesmo para quem paga integralmente. E nessa mesma linha, mesmo quem paga integralmente não custeia por completo a despesa decorrente pelo Estado, ou seja, o contribuinte está custeando serviço praticado em benefício de quem pode (e muito bem) pagar a sua conta.

Também merece notar que exigir o pagamento das despesas processuais, de quem não demonstra claramente a impossibilidade de pagar, atende à inibição de demandas temerárias, recursos temerários, pouco refletidos, de lides que poderiam ser resolvidas em conversa direta, ou diálogos facilitados pelos próprios Advogados ou Defensores, sem a necessidade de pronunciamento judicial.

Por fim, ao ensejo da fala do Defensor Público Geral de Santa Catarina (no texto já citado), é de se perguntar mesmo se a pessoa que não tem perfil para ser atendida pela Defensoria Pública (ainda que encaminhada a Defensor Dativo por esta), ou que não passa nos filtros de atendimento dos Núcleos de Prática Jurídicas das Universidades, se essa pessoa poderia ser beneficiária da Assistência Judiciária. Afinal, conseguiu contratar um Advogado privado que certamente (e merecidamente, e corretamente) é mais custoso do que as despesas processuais.

O fato de conseguir contratar o Advogado (o mais) já demonstra que o pagamento de custas (o menos) pode ser arcado, é possível considerar isso uma presunção relativa. Para derruir essa presunção a parte junta aos autos o contrato pelo qual tomou os serviços do Causídico. Quando for o chamado contrato de risco, em que não há adiantamento de valor, só em caso de sucesso da causa o Advogado receberá (não fazendo juízo de valor a respeito desse tipo de contrato, mas é comum), a parte de fato não pagou (ainda) mais do que as custas das quais pretende se livrar. Quando há pagamento antecipado ou mensal, ficará claro que a parte também teria condições de parcelar a totalidade ou ao menos parte das custas imponíveis.

Antes que o Advogado privado ache que isso o prejudica, deve refletir que isso fará com que até possa se evitar algumas demandas temerárias, mas especialmente fará com que quando ele for vencedor em uma lide, juntamente com seu cliente/constituinte, lhe caberão honorários de sucumbência, pois a outra parte terá passado pelo mesmo crivo. Se o condenado não tiver de onde pagar, isso é contingência da vida (o Judiciário não faz nascer dinheiro no bolso do devedor, embora se lhe atribua como ineficiência não conseguir cobrar em casos assim), mas aquele que tem como pagar, esse efetivamente pagará o Advogado vencedor, não ficará sob um escudo não merecido de Assistência como ocorre em muitos casos atualmente.

Estamos em um bom momento de reflexão a respeito, pois houve alteração recente da legislação incidente (com o novo Código de Processo Civil) e com isso a jurisprudência “sedimentada” é enfraquecida de certo modo, perdendo seu esteio de fundamentação, cabendo buscar uma nova cultura que não faça das novas regras natimortas.


andre-alexandre-happke. . André Alexandre Happke é Juiz de Direito do Tribunal de Justiça de Santa Catarina na Comarca de Chapecó. Mestre em Ciência Jurídica. Docente. . .


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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