A judicialização do fim da vida causa muita discussão, principalmente quando são postulados tratamentos não previstos no rol do SUS ou da ANS.
O presente texto analisa a posição do TRF4 (Tribunal Regional da 4a Região). A metodologia consistiu em utilizar a expressão ‘tratamento paliativo’ na base de dados da pesquisa de jurisprudência da aludida Corte (https://jurisprudencia.trf4.jus.br/pesquisa/resultado_pesquisa.php). Buscaram-se decisões indexadas até 03/04/2023.
Foram encontrados 39 julgamentos.
O resultado indica uma posição muito clara do Tribunal, que sinaliza a impossibilidade de concessão judicial de medicamentos, geralmente de alto custo, e outros produtos que não constam das listas de dispensação do SUS.
Algumas decisões merecem transcrição:
DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO ONCOLÓGICO. BLINATUMOMABE (BLINCYTO®). EFICÁCIA NÃO COMPROVADA. CONCESSÃO JUDICIAL. IMPOSSIBILIDADE. A Constituição Federal de 1988, após arrolar a saúde como direito social em seu artigo 6º, estabelece, no art. 196, que a saúde é "direito de todos e dever do Estado", além de instituir o "acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação"; . Observando as premissas elencadas no julgado Suspensão de Tutela Antecipada nº. 175 (decisão da Corte Especial no Agravo Regimental respectivo proferida em 17 de março de 2010, Relator o Ministro Gilmar Mendes), quando da avaliação de caso concreto, devem ser considerados, entre outros, os seguintes fatores: (a) a inexistência de tratamento/procedimento ou medicamentosimilar/genérico oferecido gratuitamente pelo SUS para a doença ou, no caso de existência, sua utilização sem êxito pelo postulante ou sua inadequação devido a peculiaridades do paciente; (b) a adequação e a necessidade do tratamento ou do medicamento pleiteado para a doença que acomete o paciente; (c) a aprovação do medicamento pela ANVISA (só podendo ser relevado em situações muito excepcionais, segundo disposto nas Leis n.º 6.360/76 e 9.782/99) e (d) a não configuração de tratamento experimental; . Indispensável, em primeira linha, nos casos onde se pretende o fornecimento de fármaco oncológico, submissão do paciente a tratamento perante unidades de CACON ou UNACON, uma vez que o atendimento por estas não se resume a entrega do medicamento para a moléstia específica, mas o tratamento integral do paciente; . Na hipótese em exame, os documentos médicos juntados com a inicial demonstram que a parte autora se submete a tratamento na rede pública de saúde, através do Hospital Erasto Gaertner, entidade credenciada como CACON/UNACON. Registre-se, ainda, que o laudo médico foi elaborado por profissional especialista na moléstia que acomete a paciente, vinculada à referida instituição, cujo corpo médico é o competente para indicar a medicação adequada ao seu tratamento; . Referindo-se a um tratamento paliativo, com ausência de evidências científicas que indiquem a sua preferência no atendimento da autora com vantagem terapêutica em relação ao disponibilizado pelo SUS, na medida em que poderá acrescer apenas poucos meses à sobrevida global da paciente, não deve ser judicialmente deferida a dispensação do fármaco demandado; . Tendo em vista o fato de não haver evidências científicas que indiquem a eficácia do tratamento eleito no atendimento da parte autora, não deve ser judicialmente deferida a dispensação do fármaco postulado para esta hipótese. (TRF4, AC 5000003-32.2021.4.04.7000, DÉCIMA TURMA, Relatora CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI, juntado aos autos em 12/08/2021)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO ONCOLÓGICO. REGORAFENIBE (STIVARGA®) PARA TRATAMENTO DE NEOPLASIA DE CÓLON METASTÁTICA (CID10 C20). TUTELA DE URGÊNCIA. REQUISITOS AUSENTES. 1. A Constituição Federal de 1988, após arrolar a saúde como direito social em seu artigo 6º, estabelece, no art. 196, que a saúde é "direito de todos e dever do Estado", além de instituir o "acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação". 2. Observando as premissas elencadas no julgado Suspensão de Tutela Antecipada nº. 175 (decisão da Corte Especial no Agravo Regimental respectivo proferida em 17 de março de 2010, Relator o Ministro Gilmar Mendes), quando da avaliação de caso concreto, devem ser considerados, entre outros, os seguintes fatores: (a) a inexistência de tratamento/procedimento ou medicamentosimilar/genérico oferecido gratuitamente pelo SUS para a doença ou, no caso de existência, sua utilização sem êxito pelo postulante ou sua inadequação devido a peculiaridades do paciente; (b) a adequação e a necessidade do tratamento ou do medicamento pleiteado para a doença que acomete o paciente; (c) a aprovação do medicamento pela ANVISA (só podendo ser relevado em situações muito excepcionais, segundo disposto nas Leis n.º 6.360/76 e 9.782/99) e (d) a não configuração de tratamento experimental. 3. Mais recentemente, a 1ª Seção do STJ, ao julgar o recurso repetitivo (REsp nº 1.657.156), definiu os critérios para fornecimento de medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS, exigindo, para tanto, a presença cumulativa dos seguintes requisitos:1) comprovação por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; 2) incapacidade financeira de arcar com o custo de medicamento prescrito; e 3) existência de registro na Anvisa do medicamento. 4. Referindo-se a um tratamento paliativo, com ausência de evidências científicas que indiquem a sua preferência no atendimento da autora com vantagem terapêutica em relação ao disponibilizado pelo SUS, na medida em que poderá acrescer apenas pouco meses à sobrevida da paciente, não deve ser deferida a dispensação judicial do fármaco ora postulado. 5.. Ausentes, neste momento processual, os pressupostos indispensáveis para a concessão da antecipação dos efeitos da tutela pretendida, nos termos do artigo 300 do CPC, devendo ser mantida a decisão agravada que indeferiu a medida. (TRF4, AG 5003491-43.2021.4.04.0000, DÉCIMA TURMA, Relator FERNANDO QUADROS DA SILVA, juntado aos autos em 26/04/2021)
DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. OSIMERTINIBE. CÂNCER DE PULMÃO. INEFICÁCIA DA POLÍTICA PÚBLICA. EFICÁCIA E ADEQUAÇÃO DO MEDICAMENTO. NÃO DEMONSTRADAS. CONCESSÃO JUDICIAL DO FÁRMACO POSTULADO. IMPOSSIBILIDADE. 1. Não havendo evidências reais e suficientes que demonstrem erro do Poder Público na não inclusão do medicamento postulado em juízo para fornecimento geral e universal à população, e não existindo evidência científica suficiente da real superioridade do medicamento em relação ao disponibilizado pelo SUS, não é cabível a a dispensação do fármaco demandado judicialmente. 2. Caso em que o parecer do NAT-JUS - Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário, não demonstra comprovação de efetiva superioridade da droga ora demandada frente aos medicamentos dispensados no âmbito da política pública, com a necessária segurança de que a prescrição estaria amplamente amparada pela medicina baseada em evidências. 3. Referindo-se a nota técnica a um tratamento paliativo, com ausência de evidências científicas que indiquem a preferência no atendimento do autor com vantagem terapêutica em relação ao disponibilizado pelo SUS, na medida em que poderá acrescer apenas cerca de cinco meses à sobrevida livre de progressão da doença, não há fundamento para ser deferida a dispensação judicial do fármaco postulado. (TRF4, AC 5044671-93.2018.4.04.7000, DÉCIMA TURMA, Relator MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, juntado aos autos em 31/07/2019)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. TRASTUZUMABE ENTANSINA (KADCYLA®) TRATAMENTO DE CÂNCER DE MAMA METASTÁTICO. TUTELA DE URGÊNCIA. REQUISITOS AUSENTES. 1. A Constituição Federal de 1988, após arrolar a saúde como direito social em seu artigo 6º, estabelece, no art. 196, que a saúde é "direito de todos e dever do Estado", além de instituir o "acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação". 2. Observando as premissas elencadas no julgado Suspensão de Tutela Antecipada nº. 175 (decisão da Corte Especial no Agravo Regimental respectivo proferida em 17 de março de 2010, Relator o Ministro Gilmar Mendes), quando da avaliação de caso concreto, devem ser considerados, entre outros, os seguintes fatores: (a) a inexistência de tratamento/procedimento ou medicamento similar/genérico oferecido gratuitamente pelo SUS para a doença ou, no caso de existência, sua utilização sem êxito pelo postulante ou sua inadequação devido a peculiaridades do paciente; (b) a adequação e a necessidade do tratamento ou do medicamento pleiteado para a doença que acomete o paciente; (c) a aprovação do medicamento pela ANVISA (só podendo ser relevado em situações muito excepcionais, segundo disposto nas Leis n.º 6.360/76 e 9.782/99) e (d) a não configuração de tratamento experimental. 3. Indispensável, em primeira linha, nos casos onde se pretende o fornecimento de fármaco oncológico, submissão do paciente a tratamento perante unidades de CACON ou UNACON, uma vez que o atendimento por estas não se resume a entrega do medicamento para a moléstia específica, mas o tratamento integral do paciente. 4. Na hipótese em exame, os relatórios médicos juntados aos autos demonstram que a parte autora se submete a tratamento na rede pública de saúde, através do Hospital Erasto Gaertner, entidade credenciada como CACON/UNACON. Registre-se, ainda, que os documentos foram elaborados por profissional especialista na moléstia que acomete a paciente, vinculada à referida instituição, cujo corpo médico é o competente para indicar a medicação adequada ao seu tratamento. 5. Para que se imponha um ônus ao SUS de um tratamento de alto custo, como o requerido, é necessária a demonstração cabal da imprescindibilidade, o que não ocorre no caso dos autos, onde há fundamentada dúvida acerca da evidência científica que atestaria a superioridade do tratamento postulado. 6. Assim, tendo em vista o fato de não haver evidências científicas que indiquem a preferência do tratamento eleito no atendimento da autora com vantagem terapêutica que justifique sua preferência em relação ao disponibilizado pelo SUS, e levando-se em conta que se refere a um tratamento paliativo, cuja maior probabilidade, caso se atinja o resultado esperado, é acrescentar pouquíssimos meses de vida à expectativa da paciente, bem como tendo em vista o fato de ser um medicamento de alto custo, indevida a sua dispensação, devendo ser mantida a decisão que indeferiu a medida. (TRF4, AG 5012006-38.2019.4.04.0000, DÉCIMA TURMA, Relator MARCELO MALUCELLI, juntado aos autos em 17/07/2019)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE. 1. Não se mostra razoável o deferimento judicial de medicamento de alto custo para tratamento paliativo, com chance apenas estatística de pequeno aumento de sobrevida. 2. O tratamento de escolha é livre ao paciente e bastante comum em atendimentos privados. Contudo, não há direito à obtenção judicial de tratamento de escolha. Para que se imponha um ônus ao SUS de um tratamento de alto custo, como o requerido, com duração indeterminada, é necessária a demonstração cabal da imprescindibilidade, o que não ocorre no caso dos autos, onde há fundamentada dúvida acerca da evidência científica que atestaria a superioridade do tratamento postulado. (TRF4, AG 5016317-09.2018.4.04.0000, TERCEIRA TURMA, Relatora MARGA INGE BARTH TESSLER, juntado aos autos em 28/06/2018)
No mesmo sentido, pelo indeferimento do pedido judicial do medicamento:
TRF4, AC 5004896-94.2020.4.04.7002, DÉCIMA TURMA, Relatora CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI, juntado aos autos em 12/08/2021;
TRF4, AG 5023585-46.2020.4.04.0000, DÉCIMA TURMA, Relator FERNANDO QUADROS DA SILVA, juntado aos autos em 26/08/2020;
TRF4, AG 5008522-78.2020.4.04.0000, DÉCIMA TURMA, Relator FERNANDO QUADROS DA SILVA, juntado aos autos em 03/07/2020;
TRF4, AG 5017484-90.2020.4.04.0000, DÉCIMA TURMA, Relator FERNANDO QUADROS DA SILVA, juntado aos autos em 03/07/2020;
TRF4, AG 5046435-31.2019.4.04.0000, DÉCIMA TURMA, Relator FERNANDO QUADROS DA SILVA, juntado aos autos em 06/05/2020;
TRF4, AC 5016277-13.2017.4.04.7000, DÉCIMA TURMA, Relator MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, juntado aos autos em 25/06/2019;
TRF4, AG 5008016-39.2019.4.04.0000, DÉCIMA TURMA, Relator MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, juntado aos autos em 26/04/2019;
TRF4, AG 5001753-88.2019.4.04.0000, DÉCIMA TURMA, Relator MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, juntado aos autos em 26/04/2019;
TRF4, AG 5037587-21.2020.4.04.0000, DÉCIMA TURMA, Relator FERNANDO QUADROS DA SILVA, juntado aos autos em 12/11/2020;
TRF4, AG 5010542-13.2018.4.04.0000, TERCEIRA TURMA, Relatora MARGA INGE BARTH TESSLER, juntado aos autos em 28/06/2018;
TRF4 5002355-72.2017.4.04.7009, TERCEIRA TURMA, Relatora para Acórdão VÂNIA HACK DE ALMEIDA, juntado aos autos em 03/04/2018;
TRF4 5029194-98.2016.4.04.7000, TERCEIRA TURMA, Relatora para Acórdão VÂNIA HACK DE ALMEIDA, juntado aos autos em 02/04/2018;
TRF4, AC 5022588-20.2017.4.04.7000, TERCEIRA TURMA, Relatora para Acórdão VÂNIA HACK DE ALMEIDA, juntado aos autos em 02/04/2018.
De outro lado, é minoritária a posição do Tribunal que autoriza o fornecimento na via judicial de tratamento paliativo. Dos documentos indexados (39 encontrados com a expressão), apenas dois autorizaram. Neste sentido:
DIREITO DA SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. PEMBROLIZUMABE. CÂNCER DE PULMÃO METASTÁTICO. ESGOTAMENTO DAS OPÇÕES DE TRATAMENTO DISPONÍVEIS. 1. O direito fundamental à saúde está reconhecido pela Constituição Federal, nos seus arts. 6º e 196, como legítimo direito social fundamental do cidadão, que deve ser garantido através de políticas sociais e econômicas. 2. Observando as premissas elencadas no julgado Suspensão de Tutela Antecipada n. 175 (decisão da Corte Especial no Agravo Regimental respectivo proferida em 17 de março de 2010, Relator o Ministro Gilmar Mendes), quando da avaliação de caso concreto, devem ser considerados, entre outros, os seguintes fatores: (a) a inexistência de tratamento/procedimento ou medicamento similar/genérico oferecido gratuitamente pelo SUS para a doença ou, no caso de existência, sua utilização sem êxito pelo postulante ou sua inadequação devido a peculiaridades do paciente; (b) a adequação e a necessidade do tratamento ou do medicamento pleiteado para a doença que acomete o paciente; (c) a aprovação do medicamento pela ANVISA (só podendo ser relevado em situações muito excepcionais, segundo disposto nas Leis n.º 6.360/76 e 9.782/99) e (d) a não configuração de tratamento experimental. 3. Ainda, justifica-se a atuação judicial para garantir, de forma equilibrada, assistência terapêutica integral ao cidadão na forma definida pelas Leis nº 8.080/90 e 12.401/2011 de forma a não prejudicar um direito fundamental e, tampouco, inviabilizar o sistema de saúde pública. 4. Comprovado o esgotamento das opções disponíveis pela rede pública e a aficácia da medicação postulada, ainda que para efeito paliativo, resta justificado o fornecimento judicial da medicação. 5. Tratando-se de fornecimento de medicamento por prazo indeterminado, cabe a fixação de contracautelas, como forma de afastar o disperdício e a inutilidade do fornecimento do medicamento de alto custo. [grifado] (TRF4, AC 5008703-98.2020.4.04.7107, QUINTA TURMA, Relator ALTAIR ANTONIO GREGÓRIO, juntado aos autos em 15/06/2021)
Outra decisão deferindo o tratamento foi o seguinte julgamento: TRF4, AC 5031737-65.2016.4.04.7100, SEXTA TURMA, Relator ARTUR CÉSAR DE SOUZA, juntado aos autos em 22/03/2019.
Como se observa, há uma posição clara e objetiva do TRF4 pela não possibilidade de judicialização da tratamentos paliativos (considerados como tais medicamentos ou produtos não fornecidos administrativamente em fase de fim da vida e que estão fora da lista do SUS).
Por fim, é importante mencionar que não foram encontradas decisões em que se buscava assistência terapêutica por equipe multidisciplinar.
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