Judicialização da saúde e Teoria do Fato Consumado

14/10/2019

O cidadão vai ao exterior e realiza um procedimento às expensas de algum ente público ou de uma operadora de plano de saúde. Tudo com base em uma decisão liminar (provisória), proferida por um juiz de primeiro grau.

O mesmo indivíduo retorna ao Brasil e vê o seu processo ser encaminhado ao Tribunal diante da interposição de um recurso. A pergunta que se faz é: pode o Tribunal rever a decisão já cumprida e consolidada?

Em tese sim, pois o Tribunal não fica vinculado à decisão do juiz de primeiro grau.

Contudo, a questão não é fácil, pois o Direito não pode alterar os fatos já ocorridos. Ou seja, a decisão judicial, mesmo revisada, não faz retroagir ao estado anterior (não é possível apagar a viagem, o procedimento e os gastos já realizados).

Para solucionar a pergunta, poderia ser invocada a Teoria do Fato Consumado.

A Teoria do Fato Consumado é sempre debatida no Judiciário, principalmente diante da demora dos processos judiciais, quanto em razão da possibilidade de revisão judicial.

O Supremo Tribunal Federal – STF, contudo, já afastou a aplicação da aludida teoria em concursos públicos, ao assentar que: “Não é compatível com o regime constitucional de acesso aos cargos públicos a manutenção no cargo, sob fundamento de fato consumado, de candidato não aprovado que nele tomou posse em decorrência de execução provisória de medida liminar ou outro provimento judicial de natureza precária, supervenientemente revogado ou modificado.”[1]

O Superior Tribunal de Justiça – STJ também possui a Súmula 613, com o seguinte teor: “Não se admite a aplicação da teoria do fato consumado em tema de Direito Ambiental.”[2]

Como se observa, há uma forte tendência em não se admitir a aplicação da Teoria do Fato Consumado no direito brasileiro, principalmente porque a questão envolve o respeito à legislação e à Constituição, que não podem ser superadas em razão dos fatos acontecidos na vida real.

De outro lado, há “a orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp n. 1.244.182/PB, submetido ao rito do art.  543-C  do CPC, consolidou-se no sentido de que não há falar em repetição  de  verba  remuneratória  paga  a  maior  por equívoco da Administração  na  interpretação  de  lei  e recebida de boa-fé pelo servidor  público,  ainda  que  por  erro administrativo operacional.”[3]

Existe, portanto, muita polêmica em torno da providência a adotar quando existe a consumação de um fato praticado com base em decisão judicial posteriormente alterada.

Assim, o tema envolve não apenas a teoria do Direito, mas também questões éticas e morais que precisam de consideração dos agentes do Sistema de Justiça.

 

Notas e Referências

[1]     BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Tema 476. Recurso Extraordinário 608482. Relator Ministro Teori Zavascki. Disponível em http://stf.jus.br/portal/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=3831488&numeroProcesso=608482&classeProcesso=RE&numeroTema=476#. Acesso em: 10 Out. 2019.

[2]     BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula 613.  PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 09/05/2018, DJe 14/05/2018. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/sumanot/toc.jsp?livre=(sumula%20adj1%20%27613%27).sub. Acesso em: 10 Out. 2019.

[3]     BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1793496 / SP, Relator Ministro HERMAN BENJAMIN, julgado em 26/02/2019. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp. Acesso em: 10 Out. 2019.

 

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