O consequencialismo das decisões judiciais é um tema presente no debate jurídico, principalmente com o advento da nova Lei de Introdução ao Direito Brasileiro – LINDB, decorrente das mudanças produzidas pela Lei 13.655/2018.
É que o aludido diploma normativo prevê nos artigos 20 e 21 que o magistrado deve considerar as consequências práticas, jurídicas e administrativas da sua decisão.
A questão se conecta com o dever de fundamentação das decisões judiciais. Ou seja, cabe ao juiz apontar as razões pelas quais adotou uma posição e perseguir as melhores consequências.
Tradicionalmente e às vezes de forma inadequada, o consequencialismo é adotado no Brasil como uma estratégia do intérprete (juiz ou parte), por isso é classificado em:
(i) festivo: ‘advoga uma desdiferenciação entre aplicação do direito e formulação de políticas públicas, comandada por uma apropriação superficial e seletiva da literatura norte-americana de análise econômica do direito’;
(ii) militante: ‘está mais alinhado à tradição e quer ancorar suas posições em normas, valendo-se ao menos nominalmente, das formas canônicas de interpretação do direito’, razão pela qual há um ‘previsível encantamento com a aplicação direta de princípios constitucionais e ponderação de interesses’; e
(iii) malandro: ‘uma estratégia argumentativa que se implementa necessariamente através da dogmática jurídica, mais especificamente, para a desconstrução e reconfiguração dos elementos da argumentação na forma requerida para a fundamentação dogmática da decisão buscada’.[1]
A Judicialização da Saúde permite trazer alguns exemplos de consequências da decisão judicial:
a) qual o efeito da decisão para o indivíduo e para a coletividade?
b) o caso judicializado pode causar algum problema coletivo, como uma epidemia?
c) como a questão é tratada no SUS ou no plano de saúde e o tratamento é compatível com a legislação?
d) a decisão judicial pode apontar para uma transformação da atuação do SUS ou do plano de saúde?
e) a decisão deve considerar o seu impacto econômico?
f) a decisão judicial pode violar as regras de sustentabilidade do plano de saúde?
g) a operadora de plano de saúde adota na sua atuação os princípios da boa-fé, da segurança e da tutela do consumidor?
Estas e várias outras questões podem ser trazidas como fundamentos para o consequencialismo da decisão judicial em Saúde.
Um aspecto importante é que “compete às partes o ônus de comprovar o prognóstico das consequências práticas (art. 373 do CPC/2015).”[2] Assim, inexistindo atuação adequada dos advogados na produção das provas, não é razoável reclamar do conteúdo da decisão judicial e também das suas consequências[3].
Importa anotar que “as consequências da decisão devem ao menos ser atestadas em caráter probabilístico”[4], pois “dificilmente poderão ser comprovadas com elevado grau de certeza, por se referir a eventos futuros”[5].
Como se observa, o debate sobre as consequências é inerente à decisão judicial, inclusive para a tutela adequada do Direito à Saúde.
Notas e Referências
[1] SCHUARTZ, Luis Fernando. Consequencialismo jurídico, racionalidade decisória e malandragem. In: Direito e interpretação: racionalidades e instituições. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 408-418.
[2] PEREIRA, Carlos Frederico Bastos. Fundamentação das decisões judiciais, consequências práticas e o art. 20 da LINDB. Revista dos Tribunais. vol. 1009. ano 108. p. 99-120. São Paulo: Ed. RT, novembro 2019.
[3] “Durante a fase de saneamento, se as partes ou próprio juiz identificarem a possibilidade de duas soluções para o caso, poderão delimitar como ponto controvertido as possíveis consequências práticas da decisão, especificando os meios de prova que serão produzidos na fase de instrução, podendo, até mesmo, definir desde já a distribuição do ônus da prova (art. 357, II e III, do CPC/2015).” (In PEREIRA, Carlos Frederico Bastos. Fundamentação das decisões judiciais, consequências práticas e o art. 20 da LINDB. Revista dos Tribunais. vol. 1009. ano 108. p. 99-120. São Paulo: Ed. RT, novembro 2019).
[4] PEREIRA, Carlos Frederico Bastos. Fundamentação das decisões judiciais, consequências práticas e o art. 20 da LINDB. Revista dos Tribunais. vol. 1009. ano 108. p. 99-120. São Paulo: Ed. RT, novembro 2019.
[5] PEREIRA, Carlos Frederico Bastos. Fundamentação das decisões judiciais, consequências práticas e o art. 20 da LINDB. Revista dos Tribunais. vol. 1009. ano 108. p. 99-120. São Paulo: Ed. RT, novembro 2019.
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