Em 1990 eu e o professor Hermes Guerrero, hoje diretor da Faculdade de Direito da UFMG, convidamos o professor Juarez Estevam Xavier Tavares para ser um dos conferencistas do II Encontro de Estudos de Ciências Penais da Faculdade Mineira de Direito da PUC-Minas, ao lado do professor Juarez Cirino dos Santos, do saudoso Ministro Francisco de Assis Toledo entre outros.
Ao indagarmos do jurista, autor de Teorias do Delito e do Direito penal da negligência (dissertação de mestrado e tese de doutorado defendidas perante a Universidade Federal do Rio de Janeiro, respectivamente, em 1979 e 1981), qual seria o tema da sua conferência, Juarez Tavares respondeu: “imputabilidade penal: uma nova visão”.
Na ocasião ficamos no mínimo curiosos para saber com qual “nova visão” - do pesquisador no Instituto Max-Planck de Direito Penal e Penal Internacional (1969 a 1972) sob a orientação do professor Hans-Heinrich Jescheck – seriamos brindados, afinal o tema da imputabilidade penal já havia sido demasiadamente estudado e debatido. Eis que com sua genialidade Juarez Tavares nos traz o conceito até então inédito da “imputabilidade pela vulnerabilidade do agente”.
Desde então, além de eterno aluno me tornei grande amigo deste, que sem favor nenhum, está entre os maiores nomes do direito penal no mundo.
Entre suas inúmeras obras e artigos, destacamos Teoria do injusto penal, prefaciada por Eugenio Raúl Zaffaroni, Teoria do crime culposo, prefaciada por Claus Roxin e Teoria dos crimes omissivos com prefácio de Winfried Hassemer.
Como bem destacaram os professores Antonio Martins e Luís Greco em Direito Penal como crítica da pena (Estudos em homenagem a Juarez Tavares por seu 70º Aniversário em 2 de setembro de 2012),
“Desde o início de suas reflexões, Juarez Tavares tratou de incorporar à sua obra não só os mais modernos desenvolvimentos da dogmática penal internacional, com a qual nunca deixou de dialogar, como a delicada sensibilidade de uma visão de mundo que reconhece a proteção da pessoa humana como centro necessário de toda e qualquer ordem jurídica digna deste nome. Seu olhar meditativo sobre o mundo e a opressão individual são momentos decisivos de uma obra que dá testemunho da amplitude dos interesses de seu autor, a espraiar-se até a filosofia e a psicologia. Sua visão humanista tornou-o, com o passar dos anos, um crítico cada vez mais feroz do direito, do sistema penal e da instituição pública da pena como tal (...)”
Na estante de qualquer penalista ou antipenalista que se preze, as obras de Juarez Tavares devem estar ao lado dos principais nomes do direito penal do Brasil e do exterior.
Embora hoje, notadamente após a publicação da obra Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal de Luigi Ferrajoli, que tem em Juarez Tavares um dos seus tradutores, muitos são aqueles que se dizem “garantistas”, Tavares, desde de sempre, marcou sua atuação profissional, não só como jurista, mas também como Subprocurador-Geral da República, em nome das garantias fundamentais.
Na Defesa do Estado Democrático de Direito, Juarez Tavares em coautoria com o eminente processualista Geraldo Prado não se omitiu e em parecer pro bono sobre o processo de impeachment contra a presidenta Dilma Rousseff, concluiu que “para o processo de impeachment do Presidente da República, as disposições contidas no art. 83 da Constituição e na Lei 1.079/50, que definem os crimes de responsabilidade, devem ser analisados de conformidade com os fundamentos, estrutura e objetivos do Estado Democrático de Direito, consignados nos arts. 1º e 3º da Constituição, e interpretadas restritivamente para não violar os preceitos básicos que asseguram a pluralidade e diversidade de manifestação popular”.
Próximo dos seus 82 anos de vida Juarez Tavares é um incansável defensor das liberdades, dos direitos e garantias fundamentais que coloca a dignidade da pessoa humana no âmago de suas obras.
Em artigo no número especial de lançamento (dezembro de 1992) da Revista Brasileira de Ciências Criminais do IBCCRIM intitulado Critérios de seleção de crimes e cominação de penas – leitura que sempre recomendei para os meus alunos que estavam iniciando o estudo do direito penal – Juarez Tavares proclama que
“O regime democrático exige, como condição de sua legitimidade, não apenas a titularidade de direitos políticos e individuais, como se pensava no liberalismo, encerrado no simples processo de representação, mas a mais ampla e efetiva participação de todos os cidadãos na vida do Estado, propriamente na discussão das leis pelo Parlamento. Nesse contexto é que importam os princípios limitativos do poder de punir, os quais vinculam o legislador, como condição ao exercício democrático”.
Mais adiante, o professor visitante na Goethe-Universität, em Frankfurt am Main, Alemanha, assevera que:
“Como a premissa da proteção à dignidade é a de que a ordem jurídica não pode tomar o cidadão como simples meio, mas como fim, emerge a consideração de que, por isso, são inconstitucionais as leis que impliquem maior sofrimento, miséria, marginalização ou desigualdades, o que passa a constituir um absoluto impedimento à restauração da pena de morte, ou a assumir nas penas privativas de liberdade exclusiva pretensão de prevenção geral ou especial, inobstante o comprovado insucesso de sua execução”.
No momento em que a extrema direita cresce e avança no mundo e com ela o punitivismo – especialmente com o encarceramento dos mais vulneráveis - bem como o apelo ao populismo penal e onde, segundo Rubens Casara[1] “slogans pueris passam a dominar o debate político para representar o imperativo de proteção da sociedade; ‘bandido bom é bandido morto’; ‘tolerância zero’; ‘redução da maioridade penal’; ‘pelo direito de não ter direitos’; ‘pela volta da ditadura militar’; e na qual a dupla “ignorância” e ‘”egoísmo” explicam a naturalizam de campanhas da “lei e ordem” (law and order), precisamos cada vez mais de pessoas como Juarez Tavares que lutam, incansavelmente, para que o direito tenha sempre como fim o respeito e a proteção à dignidade da pessoa humana.
Para Juarez Tavares.
Outono de 2024.
Notas e referências
[1] Casara, Rubens. A construção do idiota: o processo de idiossubjetivação, Rio de Janeiro:: Da vinci Livros, 2024.
Imagem Ilustrativa do Post: 2560px still from the 'Monkaa' Creative Commons Attribution 'open movie'. // Foto de: Futurilla // Sem alterações
Disponível em: https://www.flickr.com/photos/futurilla/35371308085
Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode